Diário do Alentejo

Cooperativa Agrícola da Vidigueira contesta leilão dos seus ativos

02 de agosto 2024 - 08:00
Administrador da insolvência diz que só existe “uma auscultação prévia do mercado”, estando a forma de venda, a entidade, o timing e os valores “ainda em aberto”
Foto | D.R.Foto | D.R.

A Cooperativa Agrícola da Vidigueira, em processo de insolvência desde 2020, desmente que se encontre “a ser programada a venda, em estabelecimento de leilão”, do seu património, conforme foi anunciado na semana passada pela Leilosoc, e diz que vai “participar criminalmente” contra a leiloeira e “requerer a destituição” do administrador da insolvência.

 

Texto Nélia Pedrosa

 

O conselho de administração da Cooperativa Agrícola da Vidigueira (CAV) afirma ser “falso” que “se encontre a ser programada a venda, em estabelecimento de leilão”, do património da cooperativa no âmbito do processo de insolvência, iniciado em 2020. Estas declarações, que constam de um comunicado de imprensa datado de 26 de julho, surgem após a leiloeira Leilosoc ter anunciado, três dias antes, que iria realizar um leilão dos ativos da referida cooperativa a partir de setembro.

Miguel Botelho, consultor para “a gestão e recuperação” da CAV, sublinha, em declarações ao “Diário do Alentejo” (“DA”), que “encontra-se constituída uma comissão de credores” e é essa comissão “que irá ajudar o administrador da insolvência a determinar a modalidade de venda, o preço, a oportunidade”. Portanto, “há uma série de passos prévios que têm de ser dados antes de ser anunciada qualquer atividade de liquidação”, diz, garantindo que “não há no processo qualquer autorização de intervenção” da referida leiloeira. E reforça: “A lei exige que haja uma autorização prévia da comissão de credores para a intervenção de uma leiloeira e também que haja um contrato escrito entre a leiloeira e o administrador (…) e, que eu saiba, não existe nada”. Para além disso, Miguel Botelho frisa que existe “um outro fator que impede que se avance já para esta modalidade de liquidação”, que é o facto de “ainda não haver decisões definitivas e transitadas em julgado sobre os recursos [apresentados]” pelo conselho de administração relativos “ao plano de recuperação” da cooperativa. “Houve uma assembleia em 2023 em que os maiores credores, nomeadamente, a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do Guadiana Interior, deliberou que preferira que a cooperativa, em vez de se recuperar, fosse para a insolvência (…) e a cooperativa tem estado a lutar através de recursos, no sentido de que essa decisão [de não aceitação do plano de recuperação] seja revertida”, explica.

Por fim, também ainda não foram alvo de discussão as “várias concessões” existentes nas instalações da cooperativa – do posto de abastecimento de combustível, de uma loja de produtos fitofármacos e da própria utilização da cooperativa para efeitos de produção, embalamento e venda de azeite”, sublinha.

Mas ainda que o processo de liquidação já estivesse decidido, acrescenta Miguel Botelho, seria realizado com recurso à plataforma judiciária e-leilões. “Que necessidade há de fazer intervir uma leiloeira que vai ganhar uma comissão? O administrador já vai ganhar uma remuneração variável em função do produto da liquidação... Portanto, é tirar dinheiro dos credores”.

Conforme é referido no comunicado de imprensa de 26 de julho, o conselho de administração da cooperativa irá agora, “juntamente com parte substancial dos seus credores”, requerer “ao tribunal a notificação” da leiloeira “para se abster da prática de atos não autorizados”, “participar criminalmente” contra a mesma e os seus administradores “pelos crimes praticados e responsabilização civil pelos prejuízos causados” e requerer “a destituição do administrador da insolvência pela omissão das suas funções e permissão de uso do nome e processo de recuperação da cooperativa por terceiros em prejuízo da cooperativa, responsabilizando-o, ainda, civilmente, pelos danos causados à cooperativa, aos seus agricultores e à região”.

“Ir buscar um administrador ao Porto para fazer uma liquidação de uma cooperativa no Alentejo profundo é anacrónico. E depois não há por parte do administrador e dos seus coadjuvantes uma sensibilidade para aquilo que é uma cooperativa, para aquilo que representa para os agricultores da região, para a importância que tem em termos de definição dos preços e de evitar que haja monopólios de outras entidades, porque uma cooperativa tem exatamente essa função”, lamenta Miguel Botelho, salientando que têm recebido imensos telefonemas “de pessoas desesperadas sem saberem o que é que vão fazer, onde é que vão entregar a azeitona neste ano”.

 

Leiloeira garante que “foi nomeada” pelo administrador

 

Já na segunda-feira, 29 de julho, em resposta ao comunicado da cooperativa, a Leilosoc garante que “foi nomeada” pelo administrador da insolvência para a liquidação dos ativos e que “obteve autorização” do mesmo “para a divulgação da venda dos ativos do processo, em data a divulgar como ‘brevemente’”, sendo que o “brevemente” se prende “com o facto de o processo ainda estar em tramitação, ou seja, em estádio de preparação”, nomeadamente, no que diz respeito aos imóveis que ainda se encontram “em fase de avaliação”.

Na mesma nota refere que procedeu à divulgação do processo e respetivos ativos em publicidade divulgada em dois jornais nacionais e numa newsletter, sendo que “no seguimento destas duas ações de divulgação foram obtidos diversos contactos de investidores interessados nos ativos em venda, o que despoletou interesse de entidades locais, regionais, nacionais e especializadas no setor olivícola”.

Também em declarações ao “DA”, o administrador da insolvência, Jorge Soares, assegura que “compete unicamente ao administrador de insolvência definir o plano todo de liquidação” e que, “existindo comissão de credores”, deve auscultá-la, sublinhando, no entanto, que esta comissão “é um órgão fiscalizador do administrador e consultivo, não é um órgão deliberativo, [nem] o administrador é um mero executor daquilo que a comissão decide”. Até ao momento, diz, foram ouvidos “os credores com garantia real” e, “em tempo devido, a comissão há de ser ouvida“. O responsável garante, também, que “neste momento não foi escolhida uma leiloeira para vender o que quer que seja” e que “o que existe é uma auscultação prévia do mercado sobre o interesse sobre os ativos”, sendo que “a forma de venda, a entidade, o timing e os valores ainda estão em aberto”. Jorge Soares esclarece que a Leilosoc, “com o conhecimento da insolvente cooperativa, tem coadjuvado o administrador”, e, “se não houver oposição por parte da comissão de credores, irá coadjuvar na fase seguinte, em que há uma variedade de fórmulas de venda dos ativos – leilão eletrónico, leilão público, carta fechada, negociação particular. A forma ainda não está fechada, ou seja, não foi elaborado nem apresentado qualquer plano de liquidação”. E conclui dizendo que “o que existe no processo de insolvência é um despacho já do ano passado a determinar a liquidação do ativo e um deste ano a corroborar esse despacho e a determinar a liquidação imediata. Não é conforme determinado pelo administrador ou pela comissão de credores, é conforme determinado nos autos”.

Contactada pelo “Diário do Alentejo”, a Leilosoc não quis tecer quaisquer comentários.

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