Diário do Alentejo

Imigração: a urgência de se resolver o problema

17 de maio 2024 - 12:00
Situação dos imigrantes na região debatida na OvibejaIlustração | Susa Monteiro/Arquivo

A situação da precariedade da mão de obra imigrante presente na região foi apresentada e discutida durante a 40.ª edição da Ovibeja, considerando os vários intervenientes que o problema é grave, com contornos mafiosos, e urge ser solucionado de forma articulada a nível regional e nacional.

 

Texto José Serrano

Ilustração Susa Monteiro/Arquivo

 

A problemática da população imigrante, na região, esteve presente de forma vincada na 40.ª edição da Ovibeja, que decorreu entre 30 de abril e o passado dia 5. Durante o discurso da sessão solene de inauguração, que contou com a presença do primeiro-ministro, do ministro da Agricultura e da ministra do Ambiente e da Energia, o presidente da ACOS – Associação de Agricultores do Sul, entidade organizadora do evento, comunicou a necessidade de se encontrar uma solução para as questões da “precariedade dos contratos de trabalho e da fiscalização” relativas à mão de obra imigrante existente no território. “Estamos empenhados, em colaboração com várias entidades públicas e privadas, em tentar resolver os problemas associados à integração destes imigrantes no nosso mercado de trabalho”, disse Rui Garrido. Uma questão que, também, Paulo Arsénio, presidente da Câmara Municipal de Beja, fez menção na sua comunicação, considerando que se “numa fase inicial, por regra, a imigração que chegava ao território estava ocupada em termos permanentes, essa realidade alterou-se substancialmente, nos anos mais recentes, registando-se uma taxa de desocupação laboral – mesmo por parte das novas populações que acorrem à região, com as legítimas expetativas de aqui encontrarem melhores condições de vida. O que muitas vezes não acontece”.

Acentuando a necessidade de discussão, o tema voltou a ser colocado em cima da mesa, no âmbito do programa da Ovibeja, sob a forma de conferência, promovida pela ACOS, intitulada “Integração de migrantes no Baixo Alentejo: qual o caminho?”, na qual se fizeram representar várias entidades.

 

Aumento do número de imigrantes

 

Neste encontro, contextualizando a temática, Vasco Malta, chefe de missão da Organização Internacional para as  Migrações (OIM) em Portugal, referiu que os dados oficiais indicam que a população estrangeira residente em Portugal aumentou em 2022 pelo sétimo ano consecutivo, totalizando 781 915 cidadãos. Também no distrito de Beja, o número de imigrantes aumentou de 2021 (15 953 pessoas) para 2022 (17 813 pessoas – um acréscimo de 11 por cento), sendo que os números de 2023, ainda não divulgados, irão indicar um número recorde de população imigrante no distrito, à semelhança do que sucederá a nível nacional.

As situações de exploração humana Madalena Palma, representante da Estar, associação sem fins lucrativos, com sede em Beja, que tem como missão dar “uma resposta imediata e desburocratizada” a situações de emergência social, considerou que os números apresentados “não representam a nossa realidade”, uma vez que apenas contemplam os imigrantes com título de residência e “quem chega às nossas portas são pessoas que nem passaportes têm”, sublinhou. “Pessoas que quando nos procuram vêm com a certeza absoluta de que em Portugal e no Baixo Alentejo vão encontrar a solução para os seus problemas. Muitas vêm subnutridas, sem qualquer alimentação durante vários dias”. Situações dramáticas, de exploração humana, com que os técnicos da Estar, “todos os dias”, se confrontam, revela a responsável da associação. “Tentamos perceber quem trouxe estas pessoas e qual o valor da dívida [às redes de tráfico humano] que a família contraiu para que pudessem vir para o nosso território. Sabemos que tão cedo não vão poder voltar ao seu país de origem, porque têm essa dívida por pagar e os seus familiares estão com a corda ao pescoço. Esta é a realidade dos nossos dias, no nosso território”.

Desta forma, Madalena Palma considera imperativo que os empresários agrícolas, uma vez que maioritariamente os imigrantes presentes na região trabalham na agricultura, “tenham noção de que quando contratam uma empresa de trabalho temporário, as 100 ou 200 pessoas que aparecem não são as mesmas que tinham aparecido na campanha agrícola anterior, porque o que dá dinheiro às redes de tráfico é mandar vir, constantemente, novas pessoas. Não se compreender isto é estar a alimentar esta situação, a alimentar um monstro terrível que trata as pessoas sem qualquer dignidade. Há nos campos agrícolas pessoas a levar chicotadas”, adianta.

Madalena Palma considera que, no âmbito das denúncias destes casos, com o objetivo de penalização dos prevaricadores, “a pior das decisões foi acabar com o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF)”, extinto em outubro de 2023. “Antes, trabalhávamos diretamente com o SEF e à distância de um telefonema tínhamos um inspetor disponível para fazer connosco operações conjuntas. Agora não conseguimos falar com ninguém”.

Ainda assim, sublinha que a Estar continua a denunciar as situações desumanas que lhes chegam: “Temos evidências e denunciamos, não nos calamos – garantidamente, se alguma situação de mal nos acontecer sabemos que será por causa disto –, este é o caminho para se chegar a um objetivo. É muito importante que não se tenha medo e se nos juntarmos será extraordinário. Por isso, é de extrema importância este colóquio, pois é o primeiro passo para que agricultores e instituições comecem, em conjunto, a pensar no futuro, porque daqui para a frente, se não existir uma vontade única de resolução, será dramático. Todos temos de fazer pressão para que o problema se resolva”.

 

Pagar por documentos gratuitos

 

Teresa Martins, coordenadora técnica do Claim – Centro Local de Apoio à Integração de Migrantes, organismo integrado na Cáritas Diocesana de Beja, que tem como missão proporcionar aos cidadãos migrantes respostas locais articuladas, ao nível das necessidades de acolhimento e integração, frisou, também, a importância de compreender a abrangência dos números apresentados pela OIM, uma vez que os mesmos apenas refletem os “imigrantes que estão em situação legal, que já têm a sua autorização de residência no nosso território”. Para além desses, disse, “temos muitos mais que estão ainda em processo de regularização – são essas pessoas que nos procuram no Claim, diariamente”.

Esta regularização passa por adquirir o número de identificação da Segurança Social, que permite aceder a apoios e subsídios e cumprir deveres relativos a contribuições, e o número de identificação fiscal, que permite trabalhar, abrir uma conta bancária ou cumprir as obrigações fiscais em Portugal, documentos necessários à formalização de um contrato de trabalho, disponibilizados pelo Estado de forma totalmente gratuita. Contudo, revela Teresa Martins, “temos grandes preocupações relativas a estas questões, pois temos imigrantes, no território, a pagarem centenas de euros” para adquirir esta documentação. Enfatiza, por isso, a importância de “estarmos atentos ao tráfico de seres humanos, à exploração laboral, muitas vezes às empresas prestadoras de serviços, que também fomentam estas redes”. Um processo à margem da lei, ramificado em vários métodos marginais, expresso em muitos dos atendimentos feitos pelo Claim. “Há casos absolutamente dramáticos. Pessoas que compram os seus contratos de trabalho, [supostos documentos] que não têm qualquer validade, porque não há vínculo na Segurança Social, não há descontos. As pessoas pensam que estão numa posição confortável e, depois, quando necessitam de apoios percebem que foram enganadas”.

 

Alimentação e alojamento são as maiores necessidades

 

Também diariamente o Serviço de Atendimento e Acompanhamento Social (SAAS) da Câmara de Beja, destinado a pessoas e famílias em situação de vulnerabilidade e exclusão social, recebe população imigrante, à procura, “essencialmente, de apoio alimentar e alojamento”, expõe Tânia Barão, técnica do referido serviço. “Ainda que recebamos imigrantes que têm autorização de residência, esses não são os casos que nos preocupam mais, porque, apesar de muitos deles não saberem, podem aceder a prestações sociais da Segurança Social” quando não estão a trabalhar. “Os que mais nos preocupam são os que chegam, todos os dias, à cidade de Beja, provenientes de vários países, sem alojamento e sem oferta de emprego, sem qualquer rede de suporte”.

Classificando a atual situação da população imigrante, em Beja, como “muito preocupante”, Tânia Barão adverte: “Temos que chamar os patrões destas pessoas, sejam eles quem forem, para esta conversa, porque se eles querem mão de obra têm que dar, necessariamente, condições às pessoas para estarem cá”.

 

Estado deve “assumir a culpa”

 

David Simão, presidente do Nerbe/Aebal – Associação Empresarial do Baixo Alentejo e Litoral, entendendo que a origem do problema, “na perspetiva do lado dos empresários”, assenta numa falha do Estado “que deixou entrar todas estas pessoas no País sem a devida fiscalização”, considera que a situação revela “um constrangimento financeiro enorme” do qual ninguém fala.

“Se estamos todos”, referindo-se a empresários, instituições particulares de solidariedade social, Câmara de Beja, Instituto do Emprego e Formação Profissional, “a fazer o trabalho do Estado, tem de haver”, por parte deste, “um assumir de culpa”. Assunção que, de acordo com David Simão, permita inverter a situação precária das instituições sociais, que se encontram, com “recursos muito limitados, a ‘fazer das tripas coração’, quase a depender da caridade, quando executam uma função extremamente nobre”, e dar “às empresas que decidem pagar o alojamento dos seus funcionários” benefícios fiscais.Assumindo a disponibilidade do organismo a que preside em trabalhar em articulação com outras instituições, no intuito de “dar resposta” à situação, o empresário refere a existência de empresas que tentam, consecutivamente, a legalização de funcionários vindos de outros países, “retirá-los, quando se apercebem que têm condições de vida pouco dignas, dessas teias [marginais]”, até porque “esta força de trabalho é fundamental” para que as empresas continuem a prosperar. No entanto, diz, “todos os nossos pedidos esbarram no mau funcionamento dos serviços centrais, que não conseguem, quando o Estado gasta milhões de euros em digitalização, dar uma resposta ágil”.

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