Diário do Alentejo

Cartas de Abril

23 de abril 2024 - 12:00
Ilustração | Paulo MonteiroIlustração | Paulo Monteiro

Nogueira Pardal

 

Canto de Véspera

Caminho pelas ruas de LisboaNuma noite de céu azul, primaveril,Vou sozinho, mas não vou à toaEmbrulhado na doce capa da saudadePercorro os caminhos que andei naquele dia,Aquele imortal dia de ABRILEm que abraçámos finalmente a liberdadeE redescobrimos os caminhos da alegria.

Esta noite ando sozinho porque quero

Sorver só para mim aquele encantoDum dia sem igual na nossa História.Amanhã seremos muitos, como espero,A comemorar aquele dia de glória,Que nos fez mesmo gente de verdadeE nos devolveu a voz e este cantoCom que inundaremos as ruas da cidade.

Amanhã, cinquenta anos já passaramSobre o dia que alguns julgavam impossívelE que felizmente vamos celebrarGritando alto que os cravos não murcharamQue o ser gente é hoje um bem tangível, Que o futuro é aquilo que quisermos,Que iremos construi-lo a cantarCom a voz mais forte que podermos.

Amanhã celebramos a vitóriaDo bem sobre o mal que nos calavaE que nos queria gente de segunda.E se hoje ainda guardamos na memória O que sobrou dessa dor forte e profundaE duma ditadura feroz e até mortalAmanhã a nossa voz já renovadaCantará firme o HINO NACIONAL.

 

Cinquenta anos depoisEm memória de Salgueiro Maia

Devia ser uma normal manhã de abril,O mês que dizem ser de águas mil,Mas o sol chegou antes do previstoVindo de Santarém de madrugada,Um sol nunca dantes visto Que vinha ao colo da malta fardada,Que libertou a liberdade acorrentada, Trocou as balas pelos cravos,Enfrentou de peito aberto a tirania,Arrancou as grilhetas dos escravos,Abriu as prisões dos que sonhavam, Convocou o povo para a rua,O povo que aderiu cheio de alegria,Sentiu-se enfim gente de verdade,Cantava a plenos pulmõesPorque já não eram proibidas as cançõesQue alguns teimavam em cantarE a liberdade andava por fim nuaNo peito de quem sempre a sonhara.Era Portugal a renascer,Era o sonho que assim se concretizara,O sonho não parava de crescerE até aconteceu aquele mistérioDe se transformar em jardim o cemitérioOnde o tirano nos queria amortalhados.Era enfim o fim da ditadura,O levantar de um povo de alma pura,Eram sorrisos, beijos e abraços,Porque não havia tempo p’ra cansaços Que o tempo era pouco para agarrarA vida acabada de chegar.Hoje, cinquenta anos depois,O tempo é sempre rápido a passar,Aqui estamos abraçados nós os dois, Um modesto poeta sem ter chamaQue te canta PORTUGAL porque te ama.

 

 Luis Alberto Pércheiro25/04/2024 - 50 anos de Abril

 

Uma homenagem devida

 

Justino Abreu dos Santos, nascido na Calheta, na ilha da Madeira, formou-se em Medicina na Universidade de Coimbra e, após o 25 de Abril, integrou as equipas do denominado “serviço médico à periferia”, que foram colocadas pelo país para prestar cuidados de saúde nas zonas rurais e que deu origem ao Serviço Nacional de Saúde em 1979, tendo-se fixado definitivamente em Odemira.

Justino Santos, sensível ao atraso do concelho, que descrevia como “infernal” devido ao isolamento extremo das populações e à carência de infraestruturas básicas de água, eletricidade e saneamento básico, de estradas e caminhos e outras carências elementares, foi candidato à eleições autárquicas e eleito presidente da Câmara Municipal de Odemira nas primeiras eleições livres realizadas em 1976, cumprindo cinco mandatos e sucessivamente reeleito como presidente da câmara até 1997.

Pós percurso autárquico e atualmente com 81 anos de idade, altruísta, desprovido de interesse próprio, sempre disponível para os outros, exerceu a medicina no Serviço Nacional de Saúde e no setor social, dedicando toda a sua vida adulta ao Povo do concelho de Odemira.

 Vieste ao mundo com a primaveraE aportaste às terras coimbrãs um diaTrouxeste da Madeira aquele jardimQue ofereceste ao Povo desta terraPlantando canteiros que não haviaVermelhos de cravos e cheiros de alecrim

Esta terra como ninguém percorresteE foste aos recônditos de quem esperaOnde nunca ninguém tinha idoJurando Hipócrates, o saber de médico oferecesteE renovada esperança duma quimeraQue há muito havia perecido

A porta da tua casa não tinha fechaduraPara quê, se em ti somos todos iguais,E não há barreiras intransponíveis,Se rebentaram as grilhetas da clausuraPara que fossemos cada vez maisUm Povo Livre, um povo de invencíveis

Espalhando esperanças sem fim, por Odemira,Sem nada em troca, sem quaisquer vaidadesE aos jovens enalteceste a irreverênciaTudo deste ao simples povo que te admiraAcreditado na força das suas capacidades,Ajudaste a libertá-lo da subserviência

Trazias nos braços o fervor de fazer O desejo de ajudar a transformar o caosQue aquela noite negra nos deixou,Ao serviço de todos dares o saberOnde já não havia destinos mausCom que antes a ditadura nos amordaçou.

Se a este Povo deste tudo O que trazias no pensamento Em nome da verdade nua e crua Não pode este Povo ficar mudo Se te deve reconhecimento,Obrigado Justino, por trocares esta terra pela tua.

 

 

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