Diário do Alentejo

“A língua barranquenha é um museu vivo”

17 de março 2024 - 08:00
Proposta de Convenção Ortográfica do Barranquenho foi apresentada na terça-feira, dia 12Foto| Ricardo Zambujo

O grupo de investigação “Fronteira Espanha-Portugal: documentação linguística e bibliografia”, do Centro de Linguística da Universidade de Lisboa, em parceria com a Câmara de Barrancos, tem levado a cabo um estudo terminológico e fonético sobre a língua barranquenha, que resultará na materialização escrita desta “herança cultural” passada de geração em geração, via oral. Para breve, além da ortografia “polida” e finalizada, está também “a caminho” um dicionário e uma gramática barranquenha.

 

Texto Ana Filipa Sousa de SousaFoto Ricardo Zambujo

 

“O barranquenho, no âmbito da oralidade, vai efetivamente perdurar ao longo de décadas, mas é necessário fazer o seu registo de uma vez por todas, [visto que] quantos mais anos passam mais ele muda. É necessário construir então esse relato em termos linguísticos da forma escrita, [porque] a língua barranquenha é um museu vivo”. Quem o diz é Leonel Rodrigues, presidente da Câmara Municipal de Barrancos, aquando do início do VI Encontro da Rede de Museus do Baixo Alentejo dedicado ao dialeto, realizado na terça-feira, 12, e no qual foram apresentadas as recentes bases de Proposta de Convenção Ortográfica para o Barranquenho (PCOB).

Nos últimos anos, tem-se levado a cabo uma investigação pioneira, coordenada por María Victoria Navas, Maria Filomena Gonçalves e Victor Diogo Correia, para a criação e documentação de um sistema ortográfico da língua aceite por toda a comunidade. Sendo este um dialeto com “poucas coisas escritas”, o estudo, a propósito do Programa de Preservação e Valorização do Património Cultural Barranquenho, seguiu, primeiramente, para a recolha de grafias espontâneas, no sentido de perceber como é que os falantes escreviam a sua própria língua e depois para a aplicação de inquéritos sociolinguísticos na comunidade. Desse trabalho de campo, segundo explica ao “Diário do Alentejo” (“DA”) o investigador Victor Diogo Correia, saíram “duas bases” ortográficas, “uma mais foneticista e outra mais terminologista”.

“Chegados a esta plataforma de entendimento a que denominamos bases cumpre agora fazer mais uma avaliação das propostas de grafia e proceder a reformulações, caso se apresentem necessárias. Vamos polir estas bases e apresenta-las num texto finalizado, de acordo com a coerência interna e/ou sistemática própria de uma convenção ortográfica”, refere.

Segundo Maria Filomena Gonçalves, investigadora do projeto, este trabalho tem tido “muitas dificuldades”, sobretudo, pela sua incorporalidade e singularidade. “Não existe um método a aplicar nas comunidades, porque cada comunidade é um caso e não há dois casos iguais e isso significa que, por mais literatura e investigação que exista feita, é sempre um trabalho [de campo] que se faz de maneira diferente. Preservar o intangível não é coisa fácil”, garante. Victor Diogo Correia corrobora: “O barranquenho é uma língua agrafa, de natureza mista, [sendo] a própria comunidade poliglossia, [ou seja] uma comunidade onde falam o português, o espanhol e o barranquenho. Portanto, esta convenção é uma convenção de raiz, ela não existe. A nossa grande dificuldade é que não existe um modelo como há, por exemplo, no português quando se fazem os acordos ortográficos em que se trabalha a partir de uma base”.

Desta feita, o foco agora está na conclusão da PCOB e na produção de um dicionário e de uma gramática barranquenha, para que num futuro próximo essa ortografia seja utilizada em material escolar, documentos, sinalética de rua ou, inclusive, como motor turístico da vila raiana.

Ao “DA”, Victor Diogo Correia revela ainda que neste momento, pela primeira vez, está a ser feita a tradução do livro O Principezinho, de Antoine de Saint-Exupéry, para barranquenho, assim como a transcrição de textos orais guardados no arquivo do Centro de Linguística da Universidade de Lisboa. “Portanto, toda esta ortografia tem imensas aplicações práticas. Dar visibilidade à língua é exatamente tudo isto”, conclui.

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