Diário do Alentejo

Ano letivo começou com milhares de alunos sem todos os professores

21 de setembro 2023 - 12:00
Beja disponibiliza média de horários mais alta do País, mas, mesmo assim, docentes não concorrem
Ilustração| Susa Monteiro/ArquivoIlustração| Susa Monteiro/Arquivo

Nos agrupamentos escolares dos distritos de Beja, Évora, Portalegre e Faro, no início da semana, em cerca de 90 por cento ainda existiam horários por preencher. Segundo o Sindicato dos Professores da Zona Sul (SPZS), da Fenprof, isto corresponde a 16 455 alunos sem professor a, pelo menos, uma disciplina. Em Beja, a média dos horários a concurso é a mais alta do País, que, mesmo assim, não são aliciantes para atrair os professores.

 

TEXTO Aníbal Fernandes*

 

O arranque do ano letivo ficou marcado, mais uma vez, por milhares de alunos sem professores a, pelo menos, uma disciplina. O Sindicato dos Professores da Zona Sul (SPZS) diz que a falta de docentes é “preocupante” e “tem tendência a agravar-se, pois este ano letivo acompanhou a evolução negativa dos últimos três anos”.Em comunicado divulgado no início da semana, o SPZS fez as contas e estimava em cerca de 90 mil os alunos que, a nível nacional, não tinham todo o horário preenchido, e comparava a situação com o mesmo período de 2022, chegando à conclusão que a falta de professores “superava o máximo semanal registado no ano anterior”, com mais de 16 mil horas por atribuir.

No distrito de Beja havia 47 horários por preencher, correspondentes a 826 horas, afetando 4130 alunos. Manuel Nobre, presidente do SPZS, contactado pelo “Diário do Alentejo”, revelou que, apesar de a média dos horários a concurso ser a mais alta do País – 17,5 horas semanais –, os professores “mostram-se renitentes em concorrer aos lugares”.

Sem prejuízo de os números poderem estar desatualizados, há uma semana os agrupamentos de escolas mais afetados no distrito eram os de São Teotónio (14 horários), N.º 2 de Serpa (sete), Ourique (seis) e Alvito (quatro).

Questionado sobre as razões que poderão contribuir para a recusa dos docentes em concorrer aos lugares disponíveis, o também dirigente da Fenprof admite que as causas são “diversas e complexas”, tendo a ver com “as grandes distâncias entre escolas, a tipologia dos acessos e vias de comunicação, a dificuldade em arrendar casa, a dimensão dos próprios agrupamentos”.

Segundo o sindicato, a falta de professores é mais sentida no 3.º ciclo do ensino básico e no secundário, nomeadamente, nas disciplinas de informática, português, matemática, inglês, história, geografia, biologia, física e química. Também no grupo de português/inglês do 2.º ciclo e na educação especial a situação é “preocupante”.Manuel Nobre considera que para se ultrapassar a carência de professores no distrito é fundamental “valorizar a carreira”, torná-la “mais atrativa” e, em casos como o de Beja ou Faro, considerar a hipótese de tomar medidas de “discriminização positiva”.

“SACO ROTO” No início do mês o SPZS fez chegar ao Ministério da Educação “propostas fundamentadas sobre esta e outras questões”, mas diz que, “mais uma vez”, caíram em “saco roto”. Os professores criticam a “complexificação dos processos de trabalho, a burocratização do trabalho docente, a falta de condições de trabalho, a degradação de edifícios e equipamentos, o insuficiente investimento na sua modernização, manutenção de uma elevada precariedade laboral, baixos salários e baixas perspetivas de valorização das pensões de aposentação, a destruição da carreira, incluindo, o bloqueamento no acesso aos escalões de topo, o elevado desgaste físico e psíquico, a inexistência de um regime de gestão promotor da participação dos professores nos níveis de decisão e uma crescente dependência de vontades conjunturais das autarquias”, como razões para que “o número de jovens que querem ingressar na profissão docente seja muito reduzido, o que é uma ameaça para o futuro”.

APOSENTAÇÕES A Fenprof, em conferência de imprensa no início da semana, previa que esta era uma situação que se iria “agravar” nos próximos meses com o aumento de aposentações e eventuais atestados médicos. Em declarações ao jornalistas, Mário Nogueira, coordenador sindical, disse que, até 31 de dezembro, mais de 3500 docentes irão deixar de dar aulas e que muitos outros vão entrar agora “em situação de atestado médico”.

Mário Nogueira defendeu que os baixos ordenados e o elevado custo de vida impedem muitos de aceitar a colocação. O professor deu como exemplo um docente do Porto colocado em Lisboa que tem de pagar uma renda, além de combustíveis e portagens. “Se quiser estar com a família ao fim de semana, gasta, no mínimo, 600 euros num quarto e gasta em combustível 300 euros e em portagens mais 200 euros. Ou seja, gasta 1100 euros. E qual é o salário dele? 1100 euros”, disse, concluindo que “é por isso que a luta dos professores vai continuar”.

O líder sindical apontou ainda o facto de haver professores a darem aulas a turmas de diferentes anos, dando, como exemplo, docentes de “história a quem foram atribuídas 10 turmas de anos diferentes” ou “professores de TIC [tecnologias da informação e comunicação] com 400 alunos”, acrescentando que “um pouco por todo o lado encontramos um desrespeito total do número de alunos por turma, em especial, quando são turmas com alunos com necessidades especiais”.Também Manuel Nobre, a título de exemplo, acusou o ministério de, em Serpa, com “alunos suficientes para criar uma nova turma de 1.º ano”, tal ter sido proibido, o que obrigou a escola a distribuir os alunos por outras turmas”. * COM “LUSA”

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