Diário do Alentejo

“As artes podem ter um papel relevante na fixação de novos residentes”

17 de junho 2023 - 11:00
António Revez, diretor artístico do FITA – Festival Internacional de Teatro do Alentejo
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A partir de 22 deste mês e até dia 1 de julho, com a inauguração marcada para as 17:00 horas, no antigo hospital da Misericórdia de Beja, a capital de distrito, assim como Aljustrel, Ferreira do Alentejo, Mértola, Santiago do Cacém, Ponte de Sor e Arraiolos, recebe a décima edição do FITA – Festival Internacional de Teatro do Alentejo. António Revez, diretor artístico, conversou com o “Diário do Alentejo” acerca de um festival que, celebrando uma década de espetáculos teatrais internacionais, pretende “ser um exemplo de descentralização cultural e artística”.

 

Texto José Serrano

 

Como nos apresenta esta décima edição e o que dela destaca?

Temos, neste ano, uma parceria com o Instituto Nacional Artes Escenicas (INAE) que nos permite acolher quatro criações do Uruguai – estamos a falar de uma entidade governamental, equiparada à DGArtes – Direção-Geral das Artes, de Portugal. Para além destas criações oriundas do Uruguai, temos 17 espetáculos mais, com companhias de Portugal, Argentina, Colômbia, Espanha, Equador, Brasil e Chile. Uma palavra de grande agradecimento a João Paulo Ramôa [ provedor da Santa Casa da Misericórdia de Beja ], que nos facilitou o antigo hospital da Misericórdia, uma vez que o Pax Julia Teatro Municipal não estava disponível para a primeira semana do festival. Sem esta colaboração veríamos o FITA reduzido a cinco dias em Beja, o que representaria uma enorme perda para o público da cidade.

 

Como descreve o caminho que o FITA tem percorrido ao longo desta década de existência?

Tem sido um caminho muito desafiante, atribulado numas edições, tranquilo noutras, mas sempre entusiasmante. Para uma companhia de teatro, porque a organização do FITA é da responsabilidade da Lendias d’ Encantar [fundada em Beja em 1998], não é fácil organizar 10 edições de um festival, de forma ininterrupta. Um dos trunfos desta continuidade, para além da solidez da equipa, prende-se com a forma tímida e despojada como iniciámos este processo: queríamos muito fazer um festival internacional, estreitar relações com companhias de outros países, criar um espaço de criação artística que permitisse aos criadores portugueses conhecer e coproduzir espetáculos com outros criadores do espaço ibero-americano.

 

Quais as principais características deste festival que lhe têm permitido acolher, todos os anos, companhias de diversos países do espaço ibero-americano?

No ano de 2022, a nossa companhia foi a que, no âmbito nacional, mais atuações realizou em países do espaço ibero-americano, cerca de 30. Realizámos ainda 25 residências artísticas, em Aljustrel, e fizemos sete coproduções com grupos e criadores do mesmo espaço. Para além de outros aspetos, isto justifica o porquê de o FITA ter um perfil ibero-americano. É importante salientar que o FITA, uma realização de toda a região Alentejo, pretende ser um exemplo de descentralização cultural e artística neste território. Uma palavra de agradecimento e reconhecimento aos municípios nossos parceiros, que permitem que o festival seja uma referência de boas práticas de trabalho em rede, garantindo a oferta e fruição artística pela região Alentejo. Para o sucesso do festival, consideramos também relevante o seu caráter intimista, a proximidade relacional entre programadores, artistas e produtores. Tentamos sempre que as companhias permaneçam vários dias no festival, de forma a criar laços e fomentar colaborações artísticas. Há participantes que nos acompanham desde há sete edições, para os quais o FITA já faz parte do seu roteiro de trabalho ou de férias.

 

Considera que a interioridade da região é um trunfo do festival, revelado nessa atração intimista?

Portugal é um país pouco dado a descentralizações. Existem menos apoios do mecenato fora dos grandes centros urbanos e maiores dificuldades de produção, recursos técnicos, impacto nos órgãos de comunicação social, gastos com deslocações. Contudo, pensamos que o Alentejo, pelas suas dimensões culturais, geográficas, climáticas, tem características que tornam este festival único e, neste aspeto, pensamos que é uma mais-valia. É muito curioso o impacto que o território tem nos participantes do FITA, vindos de companhias de Bogotá ou da cidade do México, urbes com muitos milhões de habitantes. A sua reação é surpreendente, ao ficarem agradecidos por atuarem numa cidade que não chega aos 30 mil habitantes, da qual podem usufruir na totalidade, percorrendo todo o centro histórico a pé, com o hotel a 100 metros do teatro.

 

Como classifica a importância que as artes preformativas podem representar para o impulso da revitalização social e económica de um território como o Alentejo?

Num território que apresenta perdas contínuas de população, as artes performativas podem ter um papel relevante na fixação de novos residentes. Dou um exemplo: nos últimos dois anos, em parceria com a Cadac – Companhia Alentejana de Dança Contemporânea e o município aljustrelense, temos [Lendias d’ Encantar] desenvolvido uma estratégia de captação de criadores, principalmente, oriundos de países da América Latina, para que desenvolvam as suas criações em Aljustrel. Quando um profissional está a optar entre uma vila ou cidade para se fixar, a existência de uma dinâmica cultural nesse local é importante na sua tomada de decisão. Por outro lado, a promoção gratuita que fazemos da região, através do FITA ou quando a companhia circula, internacionalmente, com as suas criações, pode ter efeitos mais positivos do que algumas campanhas de promoção turísticas.

 

Qual o papel que o FITA tem representado na educação do público alentejano espetador de teatro?

Temos a consciência de que o FITA tem de assumir a sua responsabilidade como programador de espetáculos, mas não temos essa atitude paternalista de educar ou criar público. O papel do festival, que é o de possibilitar ao público do Alentejo uma qualidade de espetáculos internacionais de teatro, está amplamente cumprido. Depois cabe, a cada um, a opção de aproveitar ou não essa oferta.

 

O festival tem cumprido o sonho inicial da sua criação?

Há aspetos a melhorar, principalmente, na comunicação que temos com os diferentes públicos – penso que essa é a marca mais negativa. Por outro lado, sinto que existem aspetos que ultrapassaram as nossas melhores expectativas. A dimensão internacional que o FITA atingiu é totalmente inesperada, nem na melhor projeção a pensaríamos. Temos dados que nos permitem aferir esta relevância, através do número de candidaturas que recebemos, do impacto nos órgãos de comunicação social estrangeiros, das propostas que temos para a circulação internacional, de interessados em serem nossos parceiros.

 

Chegados aqui, que futuro, para os próximos 10 anos, ambiciona para o FITA?

Vimos de um período, conturbado, de bastante trabalho, de mudanças de paradigmas significativas. A Lendias, que tinha um apoio continuado da DGArtes, desde 2014, agora, em 2023, não o tem e isso altera significativamente as coisas. Depois da pandemia fizemos um grande esforço para recuperar trabalhos incompletos ou por realizar e, para isso, aumentámos os recursos humanos, a estrutura ganhou uma dimensão muito superior ao que era expectável e à qual estávamos habituados. Isso criou dificuldades, tensões e uma carga de trabalho muito significativa. Após esta edição é necessário redefinir estratégias e linhas de ação para o futuro, mas penso que o FITA tem ainda um longo caminho a percorrer. Sabemos que as contrariedades vão continuar e que a relação com os poderes políticos continuará tensa. Sempre foi assim e sempre os obstáculos foram superados. Resta saber se vamos continuar a ter desejo e vontade de continuar a realizar o FITA. Penso que sim.

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