Diário do Alentejo

Beja Romana, o projeto escolar que conquistou a cidade

26 de maio 2023 - 09:00
Evento começa hoje, sexta-feira, para toda a comunidade na praça da República
Fotos | Ricardo ZambujoFotos | Ricardo Zambujo

Há 10 anos, um grupo de alunos do curso Técnico de Turismo da Escola Secundária D. Manuel I, desenvolveu, como prova de aptidão profissional (PAP), a ideia de criar um festival na praça da República, inspirado na herança histórica romana existente em Beja. A primeira edição, programada pelos jovens, desde o marketing à logística, chamou a atenção do município e da restante comunidade escolar que, desde então, participa ativamente para a sua realização.

 

Texto Ana Filipa Sousa de Sousa

 

No cimo de um lance de escadas, com a vista sobre o pátio da escola, e com o cheiro a tinta fresca da águia imperial pintada nessa manhã por Cláudia Patola, professora de educação visual do Agrupamento de Escolas n.º 2 de Beja, as suas colegas Ângela Melo e Maria José Murteira dão os últimos, mas demorados, retoques nas túnicas que servirão alguns dos cerca de 400 participantes do desfile que dá início ao VIII Festival Beja Romana. No grande quadro branco da sala, rabiscado a tinta preta, anotam as peças que ainda faltam entregar a cada turma e escrevem os novos pedidos que chegam.

 

“Estamos [segunda-feira, 22] a poucos dias do desfile e ainda há professores a ligar a dizerem que as suas turmas querem participar e nós temos de tentar gerir isso tudo… o que também tem sido difícil”, começa por dizer ao “Diário do Alentejo” a professora de educação especial Ângela Melo.

 

A iniciativa, que teve início em maio de 2013 com uma turma do curso Técnico de Turismo da Escola Secundária D. Manuel I, tem vindo a crescer e a ganhar forma dentro dos eventos temáticos, com uma participação cada vez mais forte.

 

“Isto quando começou em 2013 com a professora Lucília Lourenço, como é óbvio, o grande envolvimento não foi só com a turma do ensino profissional, houve um conjunto de turmas que entraram nesta aventura e o primeiro cortejo de todos teve uma adesão de muitos alunos e a participação dos pais. Creio que foi este conjunto um bocadinho espontâneo que surgiu na organização entre professores, alunos e famílias que, de certo modo, chamou a atenção para o potencial que esta atividade tinha e que, de facto, atraiu outras famílias”, realça o subdiretor do agrupamento, Pedro Martinho.

 

No ano seguinte, a Câmara Municipal de Beja tornou-se coorganizadora e, mais tarde, também o Agrupamento de Escolas n.º 1 de Beja fez questão de se associar. Esta, segundo Pedro Martinho, foi a primeira confirmação de que a “ideia dos alunos” tinha potencial. E prova disso tem sido o contínuo crescimento que o evento tem tido nos últimos 10 anos.

 

No ano passado, o cortejo não só teve um maior número de participantes como “teve mais gente a assistir”, o que faz o subdiretor afirmar que “as pessoas já saem à rua de propósito para ver [o desfile]”, o que significa que “se identificam com este evento”.

 

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Tendo sempre uma temática central, o intuito do Beja Romana é, de forma lúdico-didática, fazer com que os estudantes e, simultaneamente, a comunidade, “aprendam alguma coisa com estas diferentes abordagens do período romano da história de Beja”.

 

“Cada Beja Romana tem uma temática diferente para que a comunidade e os nossos alunos conheçam as diferentes facetas do Império Romano, tanto as boas como as más. Assim, o tema deste ano foca não só a questão da paz e do domínio, mas também a questão da guerra, ou seja, a conquista e depois a pacificação”, realça Pedro Martinho.

 

Também Jorge Feio, arqueólogo do município, vê neste festival uma outra forma de alcançar a sociedade e de a consciencializar para a herança cultural que o período romano deixou na cidade bejense.

 

“Beja é uma criação do Império Romano. Apesar de já sabermos que existia aqui um povoado da Idade do Ferro com alguma dimensão, foram na realidade os romanos que, sobretudo, depois da batalha do Aço, investiram numa cidade maior e criaram uma nova colónia. Assim, a partir desse momento, Beja passa a ser a representação de Roma neste território”, começa por explicar o arqueólogo.

 

Face a esta importante informação, retirada, sobretudo, dos estudos arqueológicos realizados até então, Jorge Feio acredita ser cada vez mais urgente mentalizar a sociedade bejense a ter “orgulho” em ser “pacense”, ou seja, o gentílico atribuído à população que vivia na antiga Pax Julia.

 

“Nós dizemos que somos bejenses, o que não é completamente incorreto porque a cidade agora se chama Beja, mas temos de ter noção que esta foi uma evolução do islâmico. A cidade era Pax Julia, no período romano, mas foi adaptada para Baja, porque eles não sabiam pronunciar o ‘p’ e o ‘x’”, relembra.

 

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Por este contexto, olhar e apostar no passado romano é a chave para mexer com a economia local. A valorização desta herança histórica pela comunidade bejense, assim como o contínuo investimento para deixar a descoberto e musealizar determinados espaços, como o templo, as termas, a torre da Carreira, o hipódromo, o anfiteatro ou o teatro romano, colocará, segundo Jorge Feio, Beja num ponto estratégico e fundamental de visita.

 

“Dizem-me que Beja tem cerca de 100 mil visitantes por ano no castelo e nós podemos quadruplicar ou quintuplicar este número com esta aposta. Se podemos apanhar o barco, e temos condições para isso, então só temos de trabalhar para tal. Por exemplo, na minha perspetiva enquanto arqueólogo, acho que seria o caminho mais correto Beja ter um museu com todas as peças extraordinárias desse período, até porque, além das que estão nos museus Rainha D. Leonor e Sembrano, temos muitas peças espalhadas por Lisboa e Évora que são aqui de Beja e deveriam estar cá”, assegura.

 

Neste ano, o VIII Festival Beja Romana teve início ontem, dia 25, com um programa próprio dedicado à comunidade escolar, em que “todos os alunos do concelho beneficiaram de experiências muito divertidas associadas à herança romana”. Contudo, a sua inauguração oficial à comunidade acontece hoje, sexta-feira, às 10:30 horas, com o cortejo histórico.

 

Segundo Maria João Macedo, chefe de divisão do Turismo e Património da Câmara de Beja, os próximos três dias servirão para, através de visitas guiadas, roteiros, exposições, conferências e outros momentos de recriação histórica, “dar a conhecer aos ilustres pacenses (bejenses) um pouco mais da nossa história” e aos “visitantes e turistas bons motivos para nos visitar”.

 

“Este ano, as turmas de sétimo ano do professor Simão Matos organizaram um roteiro histórico. Assim, [durante a manhã de hoje], haverá alunos em diferentes pontos significativos para a presença romana em Beja a explicar em português, inglês e espanhol às pessoas que aí se deslocarem por que é que lá estão e que importância é que aqueles sítios tiveram naquela época”, conclui a professora de história Maria José Murteira.

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