Diário do Alentejo

Manifestação de agricultores paralisou a cidade de Beja

17 de março 2023 - 12:00
Ação contou com 2000 participantes, 800 tratores e foi apoiada por 50 associações do setor
Fotos | Ricardo ZambujoFotos | Ricardo Zambujo

A cidade de Beja foi invadida, no passado dia 9, por agricultores e pessoas ligadas ao setor em manifestação “contra a incompetência” da ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes, e as políticas do Governo para o ramo agrícola. O protesto, organizado pela Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), teve início no Parque de Feiras e Exposições de Beja, percorreu as principais ruas da cidade e terminou na rua 1º de Maio com as intervenções de alguns dirigentes. No total, estima-se que estiveram presentes cerca de 800 tratores e 2000 participantes apoiados por 50 associações.

 

Texto Aníbal Fernandes 

 

Com início marcado por volta das 10:30 horas, muitos foram os agricultores que bem cedo se fizeram ao caminho, em direção a Beja, para a manifestação “Contra a incompetência de quem nos governa”, organizada pela CAP. Um pouco de todo o distrito, mas não só (ver caixa), muitos foram aqueles que depressa congestionaram os acessos à cidade e algumas das suas principais artérias.

 

Contando com escolta policial, de forma a minimizar os constrangimentos no tráfego rodoviário, depressa os cerca de 800 tratores encheram o parque de estacionamento e os terrenos junto ao Parque de Feiras e Exposições de Beja, numa clara demonstração de união e força do setor, aliadas ao descontentamento.

 

Luís Mira, secretário-geral da CAP, disse ao “Diário do Alentejo” que a adesão à manifestação “excedeu, em muito, as expectativas” que “já eram muito altas”. “Esta iniciativa veio provar a união que existe entre os agricultores e mostrar a capacidade de mobilização das organizações do Baixo Alentejo e o empenho em lutar perante uma situação difícil e de abandono do setor por parte do Governo”.

 

O dirigente da CAP realçou ainda que o setor agrícola “mostrou que é o motor da economia nesta região”, que o Alqueva veio potenciar, mas lembrou que a área de sequeiro é muito maior do que a de regadio e “é essa que está a sair prejudicada” com a entrada em vigor da nova Política Agrícola Comum (PAC), que “vai reduzir os apoios devido a opções erradas do Governo”.

 

Apesar das posições extremadas, a PAC diz estar “sempre aberta a negociações”, mas também pessimista face às decisões que o Governo tem tomado, nomeadamente, com o “desmembramento” das direções-regionais, que, segundo Luís Mira, está a “paralisar o processo de decisão”.

 

O responsável da CAP diz não perceber o “espanto” do Governo com o aumento dos preços dos produtos agrícolas, quando isso era “previsível”, uma vez que, ao contrário do que fez o governo espanhol – que deu compensações aos seus agricultores para fazerem face à escalada dos custos de produção –, pouco ou nada fez “para ajudar o setor” nacional.

 

A manifestação de Beja foi a quinta realizada neste ano – a primeira foi em Mirandela no final de janeiro e a próxima terá lugar, em Évora, no dia 24.

 

PARA A HISTÓRIA

“A manifestação foi inesquecível, fica para a história. Todos os agricultores do Baixo Alentejo estão de parabéns”, diz Rui Garrido, presidente da Federação das Associações de Agricultores do Baixo Alentejo (Faaba) e da ACOS – Agricultores do Sul.

 

Questionado sobre a eficácia da luta na mudança das políticas, este responsável associativo diz que “‘água mole em pedra dura, tanto dá até que fura’. Temos um primeiro-ministro muito teimoso, não só com os agricultores, veja-se os professores… Há de ser quando ele quiser, mas há de ser”, acredita.

 

AS REIVINDICAÇÕES NA PRIMEIRA PESSOA

A falta de apoios ao nível das condições de trabalho, dos custos de produção, da modernização do setor e das perdas significativas no âmbito da Rede Natura, assim como o elevado preço da água e a débil atratividade da profissão para os jovens, são algumas das medidas reivindicadas pelos cerca de 800 agricultores que se manifestaram no passado dia 9 em Beja.

 

O “Diário do Alentejo” conversou com seis manifestantes que pediram a demissão “urgente” da ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes, e respostas quanto aos “números lançados da ‘bazuca’ europeia” durante a última campanha política do atual governo que deveria, em parte, ter a agricultura como um dos setores de investimento.

Texto Ana Filipa Sousa de Sousa

 

Conceição Santos, 54 anos, Barrancos

 "Tenho a certeza que este encontro vai ser uma chamada de atenção [para o Governo], porque, como se pode ver, os agricultores mobilizaram-se. Por exemplo, da nossa zona, a margem esquerda, vieram cerca de 200 agricultores e por volta de 40 tratores que, entre outros motivos, reclamam contra a Rede Natura, [uma rede de áreas designadas para conservar os habitats e as espécies selvagens raras, ameaçadas ou vulneráveis que impossibilitam a agricultura], e apelam à construção do bloco de rega Póvoa-Amareleja que está prometido, mas nunca passou ao ativo. Temo que se nada mudar o futuro da agricultura está comprometido e, em particular, que a minha zona possa ficar desertificada”.

 

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Francisco Banza, 30 anos, Montes-Velhos, concelho de Aljustrel

"O que está em causa é o preço da água, as imprecisões do que é que se pode ou não se pode fazer e as ajudas cada vez mais reduzidas que se vão refletir, depois, no aumento dos produtos, sendo que quem acaba por ganhar com isso não somos nós, [agricultores], são os intermediários e o Estado. Nós temos várias perguntas a fazer ao Governo, e, principalmente, à ministra da Agricultura, e estes nunca respondem ao que é preciso. É cada vez mais complicado… o futuro da agricultura está nos grandes grupos económicos que começam a tomar cada vez mais conta das pequenas herdades, dos pequenos agricultores e dos individuais que acabam por se desfazer das suas coisas por não terem condições de ganhar a sua subsistência para viver no dia a dia. Por exemplo, tínhamos uma ajuda [financeira] para nos irmos habituando ao biológico e à produção integrada e, neste momento, isso deixou de ser uma opção e passou a ser uma obrigação e os apoios deixaram de existir. Além de que, das ajudas que foram prometidas no ano passado, por causa da seca, os agricultores não viram um tostão. Neste momento estamos abandonados em alto-mar e a ministra da Agricultura deixou-nos à deriva”.

 

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Cristina Garcia, 49 anos, MourA

"Não há futuro para a agricultura, porque não há ajudas para os jovens agricultores, nem para nos modernizarmos. O dinheiro que nos é dado pela Europa é devolvido em milhões todos os anos e não nos deixam aproveitar esse dinheiro que vem. [Particularmente], estamos a  reivindicar que seja construído o bloco de regra de Póvoa-Amareleja que está prometido há não sei quantos anos e que já devia estar concluído desde 2021 e ainda nem sequer se sabe se vai para a frente, porque somos a terra dos agricultores que menos beneficia da água do Alqueva, que vai para todo o lado menos para nós. E estamos aqui a pedir ajudas, uma vez que parte dos agricultores está em Rede Natura, ou seja, não podem fazer nada nas suas terras e não são compensados pela ajuda que dão ao ambiente, porque, segundo eles, isto é fazer o bem, mas os próprios agricultores não são compensados por isso. Assim, exigimos que sejamos recompensados e que se dê um apoio pela não produtividade porque não nos deixam produzir”.

 

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Francisco Palma, 25 anos, Beja

"Estamos a reivindicar a competência que o Ministério da Agricultura tem de ter para com os agricultores e para com as pessoas que produzem todos os dias para que o pilar principal da economia, que é a agricultura, funcione e para que as pessoas possam comer e tenham alimentos em casa a preços baixos. Por isso exigimos que quem trabalha com rendimentos baixos, em condições muito fracas de sol a sol e que fazem o melhor que podem para produzir de maneira sustentável e com respeito pelo ambiente e por toda a gente que sejam ajudados, apoiados e que não tenham uma ministra incompetente que não ajuda os agricultores e que não sabe o que é que está a fazer… a única coisa que sabe é atirar números para cima da mesa, ler cartões a dizer quantos milhões é que vão aplicar aqui e ali e, no final, o que nós vemos é reduções de apoios e ajudas que os agricultores precisam. É muito complicado… depois, nos jovens agricultores, como eu sou, vejo também que não existe uma renovação das gerações, ou seja, estamos a condenar a agricultura e nos próximos 30 anos não vamos ter capacidade e pessoas para produzir. [Atualmente], não há um incentivo aos jovens, que deve passar também pelas universidades e pelas instituições de ensino, para tornar a profissão aliciante do ponto de vista da remuneração, condições, progressão e produção. Esta manifestação, grande e com tanta demonstração de força, é sinal de que a ministra tem de se demitir já, para bem dos agricultores e da agricultura”.

 

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Fernando Rosário, 51 anos, Brinches, concelho de Serpa

"Têm sido praticadas políticas destrutivas quando o setor carece de uma política agrícola com estímulos à produção e ao desenvolvimento da atividade. Por isso, os motivos da nossa manifestação prendem-se com o desajustado e complexo Pepac (Plano Estratégico da Política Agrícola Comum) e, consequentemente, as perdas de rendimento dos agricultores que prejudicam bastante a nossa agricultura e o País, as extinções das direções regionais [no âmbito da transferência de competências para as comissões de coordenação e desenvolvimento regional], a saída das florestas do Ministério da Agricultura, uma atividade reconhecidamente de âmbito agrícola, e os aumentos astronómicos que houve relativamente aos preços da água, na casa dos 140 por cento comparativamente ao atual valor, já com a campanha agrícola semi-iniciada e já com os regadios e as culturas instaladas nos terrenos”.

 

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Duarte Simões, 40 anos, Ourique

"[Reivindicamos] melhores condições para a agricultura em Portugal e esta manifestação é também sinónimo do profundo descontentamento com as políticas agrícolas que o País está a tomar. Neste momento, é necessário que sejamos ouvidos e que as nossas propostas sejam atendidas pelos nossos governantes, como os apoios à agricultura de sequeiro e de regadio que nos têm sido negados e até cortados”.

 

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