Diário do Alentejo

61,7 por cento dos cheques-dentistas emitidos no Alentejo ficam por usar

23 de dezembro 2022 - 09:00
Taxa de utilização mais baixa verifica-se, em especial, nas crianças de sete, 10 e 13 anos
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Nos últimos três anos as taxas de utilização dos cheques-dentista no Alentejo ficaram abaixo dos 40 por cento. O coordenador do Programa Nacional de Promoção da Saúde Oral para a Região Alentejo sublinha que num estudo de 2018 “é referido que o fator que mais condiciona a não utilização do cheque-dentista é o utente ter dentista particular não aderente ao projeto, seguido do esquecimento, deixando passar o prazo de validade”. A pandemia também terá contribuído para a diminuição das taxas de utilização verificadas nos últimos anos.

 

Texto Nélia Pedrosa

 

Dos 16 250 cheques-dentista emitidos desde o início do ano pela Administração Regional de Saúde do Alentejo (ARS Alentejo), no âmbito do Programa Nacional de Promoção da Saúde Oral (Pnpso), 10 032, ou seja, 61,7 por cento, não foram utilizados pelos seus beneficiários.

 

A taxa de utilização registada até ao passado mês de novembro – 38,3 por cento – é, no entanto, a mais elevada dos últimos três anos. Em 2020, dos 16 218 cheques emitidos, foram utilizados 6041 (37,2 por cento), e, em 2021, de um total de 16 022, foram usados 5674 (35,4 por cento).

 

Lançado em 2008, o Pnpso abrange, atualmente, os grupos infantil (dos dois aos seis anos); crianças e jovens de quatro, sete, 10 e 13 anos; crianças e jovens de idades intermédias (oito, nove, 11, 12, 14 e 15 anos); jovens de 16 e 18 anos; beneficiários do Complemento Solidário do Idoso; grávidas; e pessoas com infeção por VIH/SIDA.

 

Ainda assim, a percentagem de cheques que ficam por usar na região Alentejo é muito superior à média nacional, que em 2021 andava entre os 30 e os 40 por cento, segundo dados avançados no mês passado pelo ministro da Saúde.

 

Na cerimónia de abertura do 31.º Congresso da Ordem dos Médicos Dentistas, Manuel Pizarro disse que “não pode deixar de perturbar um decisor político o facto de uma parte significativa dos cheques-dentista distribuídos não ser utilizada” e defendeu que é preciso aprofundar “se não é nas comunidades mais desfavorecidas" onde os cheques são “mais importantes”, que a sua utilização é menos relevante. Caso isso se verifique, “significa com clareza que nós temos que dirigir um fortíssimo esforço de literacia com essas comunidades”, adiantou.

 

Em declarações aos jornalistas, o governante avançou que vai ser realizado no início de 2023 um estudo para perceber por que é que uma parte “muito significativa” dos cheques não é utilizada. “Espero estar em condições, no final do primeiro semestre, de ter uma análise do impacto deste programa ao longo dos últimos anos e de acordarmos em conjunto com a Ordem dos Médicos Dentistas, que é o nosso parceiro no programa Cheque Dentista, as iniciativas de desenvolvimento deste programa para dar mais e melhor acesso às crianças e a outras camadas da nossa população”, disse, citado pela “Lusa”.

 

COORDENADOR REGIONAL DEFENDE INTEGRAÇÃO DE MAIS HIGIENISTAS ORAIS NO SNS

O coordenador do Programa Nacional de Promoção da Saúde Oral para a Região Alentejo sublinha, em declarações ao “Diário do Alentejo”, que a taxa de utilização “varia conforme o projeto: é mais elevada na utilização das referenciações para higiene oral e saúde infantil, idades intermédias e 16 e 18 anos, e mais baixa nos restantes projetos, em especial no que diz respeito aos cheques dentista emitidos às crianças das idades chave dos sete, 10 e 13 anos”.

 

Questionado sobre as razões que levam a que uma parte significativa fique por usar, Augusto Brito frisa que num estudo publicado em 2018 “é referido que o fator que mais condiciona a não utilização do cheque-dentista é o utente ter dentista particular não aderente ao projeto, seguido do esquecimento, deixando passar o prazo de validade”.

 

O responsável considera que a integração de mais higienistas orais no Serviço Nacional de Saúde (SNS) “teria um efeito benéfico neste sistema, promovendo a emissão de cheques-dentista nas situações que o justifiquem e a emissão de referenciação para consulta de higiene oral nas outras situações”.

 

Possivelmente, prossegue, “daqui resultaria uma redução de custos, pois, dos utilizadores de cheques- -dentista emitidos a estes grupos, muitos deles apenas necessitariam de intervenções preventivas efetuadas pelos higienistas orais, como a aplicação de selantes e de verniz de flúor, por exemplo”. Augusto Brito acrescenta que “existe espaço para melhorar a estratégia de emissão de cheques-dentista, nomeadamente, nos concelhos onde não existe higienista oral, onde é feita de forma automática”.

 

 

“Uma criança que não apresenta cárie, que não se queixa, não despoleta os pais a acompanhar as crianças à consulta, e o cheque-dentista acaba por não ser utilizado. Este é um dado preocupante, pois o cheque-dentista, se utilizado, daria oportunidade a intervenções preventivas nas crianças.

 

Nos concelhos sem higienista oral, os cheques emitidos são entregues nas escolas e nem sempre há capacidade para acompanhar devidamente essa intervenção reforçando o interesse da sua utilização. Temos informação de que às vezes os cheques-dentista ficam na mochila, pelo que precisamos de reforçar a informação e o acompanhamento dos programas”, salienta. 2020 e 2021 “foram os anos duros da pandemia de covid-19, com grande retração na oferta e na utilização de serviços”, sublinha ainda o responsável.

 

“Podemos verificar que, nestes anos, as taxas de utilização baixam significativamente relativamente ao pré-covid”, reforça. Em 2019, por exemplo, a taxa de utilização no Alentejo foi de 53,6 por cento.

 

Para Augusto Brito, a promoção do cheques-dentista com vista ao aumento da taxa de utilização requer “uma abordagem transversal”, no entanto, “há três linhas de ação” em que pretendem trabalhar: “A promoção da literacia em saúde oral, através do reforço das equipas de Saúde Escolar e do aumento dos higienistas orais, bem como da disponibilidade dos médicos de medicina geral e familiar, tendo em vista a aplicação de medidas preventivas; a alteração do procedimento da emissão de cheques-dentista, com a integração de mais higienistas orais no SNS, permitindo uma triagem prévia e emissão de cheques-dentista apenas às crianças que necessitam de intervenção curativa, bem como a desmaterialização do cheque-dentista; e tirar partido da digitalização e desenvolver um sistema de envio de mensagem recordatória do prazo de validade do cheque-dentista, promovendo a sua utilização”.

 

O Pnpso conta atualmente, no Alentejo, com a colaboração de 140 médicos dentistas. Embora considere que “serão sempre bem-vindos mais técnicos para trabalhar no SNS”, Augusto Brito sublinha que, “em termos de prioridades na área da saúde oral, colocaria a entrada de higienistas orais e de médicos de família nos centros de saúde”.

 

ALENTEJO LITORAL TEM AS TAXAS DE UTILIZAÇÃO MAIS BAIXASPor sub-região, segundo os dados disponibilizados pela ARS Alentejo, em 2021 a taxa de utilização dos cheques-dentista mais elevada verificou-se no agrupamento de centros de saúde de São Mamede (45,6 por cento), seguindo-se o Alentejo Central (37,1 por cento), o Baixo Alentejo (33,6 por cento) e o Alentejo Litoral (24,3 por cento).

 

Em 2019 e 2020, as taxas mais elevadas verificaram-se, igualmente, no agrupamento de São Mamede (63,4 e 48,3 por cento, respetivamente), e, as mais baixas, no Alentejo Litoral (41,6 e 26,7 por cento). O Baixo Alentejo registou, em 2019, uma taxa de utilização de 50,4 por cento e, em 2020, de 38,1.

 

No Alentejo Central, as taxas de utilização foram de 56,4 por cento, em 2019, e de 34,2, em 2020. Augusto Brito diz que “os fatores condicionantes de algumas diferenças [entre as sub-regiões] são múltiplos e merecem ser estudados”, mas que “uma parte da explicação” deve-se ao já mencionado.

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