Diário do Alentejo

O Alentejo é a região da Europa com a maior percentagem de mulheres a apresentar pedidos de patentes, revela estudo

27 de novembro 2022 - 12:00
Quem o diz é um estudo do Instituto Europeu de Patentes
Foto | Ricardo ZambujoFoto | Ricardo Zambujo

A diretora executiva do Centro de Biotecnologia Agrícola e Agro-Alimentar do Alentejo (Cebal), instituição que detém 15 patentes registadas, nove das quais resultantes de trabalhos desenvolvidos por equipas lideradas por mulheres, adianta que a explicação estará no tipo de entidades existentes na região.

 

Não sendo o setor empresarial muito expressivo, a investigação é feita principalmente por instituições de ensino superior e centros de investigação, “em que cada vez mais há uma tendência para haver um grande paralelismo homem/mulher”.

 

Texto Nélia Pedrosa

 

O Alentejo é a região da Europa com a maior percentagem de mulheres inventoras – 34,9 por cento –, segundo o estudo “Participação das mulheres na atividade inventiva”, publicado recentemente pelo Instituto Europeu de Patentes (IEP) e que se baseou nos pedidos de patentes efetuados.

 

Ainda de acordo com os mesmos dados, Portugal apresenta a segunda maior percentagem de mulheres inventoras entre os 34 países membros do IEP – entre 2010 e 2019, 26,8 por cento dos pedidos de patentes foram apresentados por mulheres, mais do dobro da média europeia que se situa nos 13,2 por cento.

 

A diretora executiva do Centro de Biotecnologia Agrícola e Agro-Alimentar do Alentejo (Cebal), instituição sediada em Beja que detém 15 patentes registadas, nove das quais resultantes de trabalhos desenvolvidos por equipas lideradas por mulheres, avança como uma das possíveis explicações para as conclusões do estudo no que ao Alentejo diz respeito, o facto de o setor empresarial, em que a presença masculina é mais expressiva e “as chefias ainda continuam a ser asseguradas, na maioria, por homens”, ter pouco impacto na região, sendo que a investigação, e consequente pedido de patentes, está associada, principalmente, a instituições de ensino superior e centros de investigação, “em que cada vez mais há uma tendência para haver um grande paralelismo homem/mulher”.

 

De acordo com o estudo, as universidades e centros de investigação têm uma percentagem significativamente maior de mulheres inventoras – 19,4 por cento entre 2010 e 2019 em toda a Europa e 36 por cento em Portugal – do que as empresas privadas – 10 por cento em toda a Europa e 18,4 por cento em Portugal.

 

No caso do Cebal, sublinha Fátima Duarte ao “Diário do Alentejo”, o número de mulheres é muito superior ao dos homens, sendo que dos 41 elementos, 83 por cento são do género feminino. Para além disso, as funções de coordenação dos cinco grupos de investigação científica do centro são assumidas exclusivamente por mulheres.

 

Uma realidade que contrasta com outra das conclusões do estudo apresentado pelo Instituto Europeu de Patentes: “Há maior probabilidade de se encontrarem mulheres em equipas de inventores do que enquanto inventoras individuais, mas estas tendem a ter menos cargos de chefia nessas mesmas equipas do que os homens”.

 

O presidente do IEP, António Campinos, citado num comunicado, considera que “este estudo demonstra que foram feitos progressos nas últimas décadas no sentido de uma maior inclusão no campo das patentes, com alguns países europeus, como Portugal, a liderar no que respeita a percentagem de mulheres inventoras. Mas também demonstra que é preciso fazer mais.

 

A promoção da mulher na ciência e na inovação continua a ser um grande desafio para a Europa e, no entanto, este é um fator chave na sua sustentabilidade e competitividade futuras”.

 

A diretora executiva do Cebal é de opinião que as diferenças de género na ciência estão, atualmente, mais relacionadas com as áreas de interesse, o que levará a que um prevaleça em função do outro. “Há áreas mais ligadas às questões, por exemplo, da engenharia física, talvez também engenharia química, em que claramente há uma procura por parte de homens investigadores, porque têm mais afinidade por estas áreas.

 

Depois nas ciências biológicas, as questões da biotecnologia, vemos no ensino universitário um número muito significativo de mulheres nestes cursos. Se há mais mulheres em certos cursos e mais homens noutros, depois também, se calhar, poderão chegar a posições de chefia mais homens ou mais mulheres”.

 

Por outro lado, embora não seja a realidade vivida ao nível do Cebal e das entidades parceiras, Fátima Duarte acredita que algumas das desigualdades que ainda persistem são “consequência de gerações passadas”.

 

DEZ PATENTES EM DOIS ANOS 

Das 15 patentes de invenções nas áreas da alimentação animal, extração de compostos bioativos, tecnologias moleculares em recursos vegetais, engenharia de processos e valorização de subprodutos, tratamento de águas residuais agroalimentares, tecnologias moleculares em recursos animais e bioinformática registadas pelo Cebal, cinco dizem respeito ao período do estudo do Instituto Europeu de Patentes, entre 2010 e 2019, e 10 aos últimos dois anos (2019-2021), o que se traduz “num desempenho notável”.

 

A diretora executiva do Cebal explica que este aumento significativo de patentes registadas entre 2019 e 2021 se deve ao facto “de esse período coincidir com o encerramento de vários projetos que estavam em curso, projetos esses que tinham contratualizadas como metas o registo de patentes”.

 

“O Cebal tem um contributo significativo em grande parte associado aos projetos que tem em curso, em que estando contratualizadas estas métricas, portanto, os pedidos de patentes, é uma consequência daquilo que nos responsabilizámos a desenvolver”, reforça.

 

A investigadora considera que “esta preocupação de se patentear, o ato de proteger, de algum modo, um determinado conhecimento no intuito de poder obter lucro a partir dele” é de louvar e demonstra que “se compreende que a ciência também tem de ser uma fonte de financiamento para as atividades de Investigação e Desenvolvimento (I&D)” e que o investimento que se faz “não é fundo perdido, mas que gera novo conhecimento que tem de ser capitalizado em ações”.

 

No entanto, também é importante perceber que “condições é que, em termos de poder central, se está a dar às entidades de I&D, às universidades, às empresas, a todas as entidades que podem figurar como detentoras de patentes”, acrescenta.

 

“Qual é o apoio que realmente está a ser dado para a manutenção destas patentes, porque elas custam dinheiro, não são a custo zero. Nós pagamos para arrancar com o processo, portanto, no ato de pedido provisório de patente, e aí os custos são relativamente acessíveis. Mas à medida que vamos passando as várias etapas o valor associado vai aumentando cada vez mais, e uma vez conseguida a patente, para a mantermos no ativo temos de pagar uma anuidade por um período de 10 anos. Se deixarmos de pagar a patente cai e o conhecimento passa a ser público, deixamos de ter esse conhecimento protegido”.

 

E reforça: “Preocupa-nos muito o facto de estarmos a ir por um caminho em que os indicadores dos projetos, tendencialmente, alimentam e pedem a existência de patentes, o que tem vantagens, mas depois preocupa-nos se não houver mecanismos de apoio a essas patentes, porque nos casos em que os investigadores, as entidades, percebem que há ali um potencial e que a querem manter, a ausência de apoio pode estrangular um pouco este processo”.

 

Fátima Duarte frisa, ainda, que “antigamente o Cebal produzia apenas artigos de investigação e agora produz artigos de investigação e patentes”, pelo que o desafio passa por perceber “como é que se pega nestas patentes e as transformamos em algo que realmente é diferenciador para a entidade, para o território”.

 

“Podemos com esta patente fazer amanhã uma spin-off, podemos ter uma empresa de base tecnológica que derivou de uma desta patentes? É neste tipo de perguntas que hoje estamos muito focados”, revela a investigadora, admitindo que não descartam a possibilidade de vir a concretizar ou ajudar a concretizar um projeto do género. “Neste momento não temos nada em concreto, mas é algo que o Cebal vê com muito bons olhos”.

 

VALORIZAÇÃO DOS SUBPRODUTOS E QUESTÕES ASSOCIADAS ÀS NOVAS CULTURAS 

Prestes a completar 15 anos de atividade, que se assinalarão em janeiro do próximo ano, o Cebal encontra-se de momento “numa fase de transição de quadro comunitário de apoio”, com “mais projetos a encerrar do que a iniciar”.

 

“Estamos ansiosos para que abram os novos avisos para começarmos a concorrer”, revela Fátima Duarte, adiantando que irão continuar a dar grande destaque à valorização dos subprodutos que têm impacto na região, caso “do bagaço da azeitona, da capota da amêndoa, de subprodutos associados ao setor agroalimentar de um modo geral”.

 

“Hoje em dia fala-se nas questões das fontes alternativas, no contexto de limitação de acesso a certas fontes de proteína, por exemplo, até que ponto é que estes subprodutos poderão por si só ajudar a colmatar algumas dessas limitações? Também olhamos para o bagaço de azeitona de uma forma muito integrada do ponto de vista energético”, diz.

 

Outra das linhas de investigação prende-se com as questões associadas às novas culturas, sendo uma das grandes preocupações do Cebal as “doenças ligadas ao amendoal”. “De que modo a biotecnologia, e em especial a biologia molecular, poderá ajudar a precaver ou detetar muito precocemente algumas destas situações?”, questiona a responsável.

 

O centro pretende ainda dar continuidade aos vários projetos no âmbito da promoção da literacia científica infantil, considerada “uma responsabilidade do Cebal”, de modo “a capacitar e criar mais recursos disponíveis para as crianças e jovens que estão neste território, no Alentejo”, para que “conheçam e compreendam muito melhor as potencialidades da região para que tenham uma perspetiva de oportunidades diferentes para o seu futuro”.

 

A transferência de tecnologia continuará, também, a ser uma das apostas do Cebal, através “de acções muito concretas junto das empresas do setor agroalimentar”, com vista “à valorização dos subprodutos, acrescentar valor aos ativos e recursos que estão disponíveis no território”.

 

DIFICULDADE EM ATRAIR E FIXAR RECURSOS HUMANOS ALTAMENTE QUALIFICADOS 

Sendo uma das metas do Cebal converter-se num “centro de média dimensão”, com “80 a 100 elementos”, a dificuldade em captar e fixar recursos humanos altamente qualificados para as regiões do interior tem vindo a ser “uma questão muito discutida” no seio da instituição, sublinha Fátima Duarte.

 

“Continua a haver uma competição muito grande entre os destinos, os destinos do interior versus os destinos do litoral. Esforçamo-nos, tentamos diferenciar-nos, mas os territórios não são ainda completamente competitivos e atrativos e isto é algo que nos preocupa porque sem pessoas basicamente as entidades não existem. Temos andado a discutir estratégias e possibilidades de parcerias, de articulações, que consigam fortalecer o território na atração por ofertas de situações que tenham alguma diferenciação positiva, por exemplo, o acesso facilitado a alojamento. Para nós é muito importante a estabilização das equipas”.

 

Nas “questões que ultrapassam o Cebal”, a diretora executiva frisa, como bastante importante, “os acessos, a rodovia e a ferrovia”.

 

Para além da estabilização das equipas, o financiamento é outro dos aspetos que preocupa a investigadora. Relembrando que o Cebal se encontra “numa fase de mudança de quadro comunitário”, Fátima Duarte sublinha “que estas transições são sempre momentos críticos, de busca permanente de acesso a financiamento”.

 

“[É uma preocupação] conseguir garantir que aquelas que são as linhas prioritárias continuam com financiamento e que se consegue acomodar novas linhas porque o Cebal é, obviamente, uma instituição em permanente actualização”, conclui.

 Multimédia0

 

CEBAL DEVERÁ TER NOVAS INSTALAÇÕES EM 2024 

Desenvolvendo a sua atividade em espaços cedidos pelo Instituto Politécnico de Beja (IPBeja), o Cebal poderá vir a ter nova sede no primeiro semestre de 2024. A construção do Centro de Valorização e Transferência de Tecnologia, edifício que albergará o Cebal, “está a iniciar-se neste momento com a montagem do estaleiro e início dos trabalhos preparatórios”, adianta, ao “Diário do Alentejo”, o vice-presidente da Câmara de Beja, a entidade promotora do projeto.

 

O também presidente da direção do Cebal diz que “o prazo da empreitada é de 18 meses, pelo que a expetativa nos remete para o primeiro semestre de 2024”. No entanto, frisa, “a expetativa deve ser acompanhada da prudência necessária face aos constrangimentos que temos verificado o nível da disponibilidade de recursos humanos e matérias no setor das empreitadas de obras públicas”.

 

Rui Marreiros adianta que as novas instalações, que nascerão em terrenos cedidos pela autarquia, junto ao IPBeja, representam um investimento de cerca de 1,8 milhões de euros, e destaca, do ponto de vista da localização, “a manutenção da proximidade com o Politécnico, que permitirá reforçar a grande relação de parceria existente e fazer utilização partilhada de serviços e espaços comuns como refeitório, bares, salas de reuniões, anfiteatros, entre outros”.

 

Questionado sobre as razões que levaram a que só agora seja possível dar início a um projeto há muito aguardado, o autarca diz que “em iniciativas desta natureza deparamo-nos sempre com duas questões fundamentais: se, por um lado, é preciso definir e encontrar um modelo de financiamento adequado, por outro é necessário cumprir o normativo de contratação pública a que estamos vinculados”. Nesse sentido, “depois de ter sido ultrapassada a questão inicial, garantindo o financiamento com recurso a fundos comunitários e financiamento da câmara, foi necessário ultrapassar alguns constrangimentos ao nível da contratação pública associados à dificuldade em conseguir empreiteiros interessados em face da oscilação de preços e escassez de alguns materiais”.

 

Segundo Rui Marreiros, será criado “um espaço concebido de base para o desenvolvimento” das atividades de investigação levadas a cabo pelo centro, “atendendo a todas as especificações técnicas essenciais para a sua realização em estreita ligação com o tecido económico local e o potencial da região em que se insere, procurando otimizar a utilização e disposição das diferentes instalações do edifício, além de garantir aos futuros utilizadores todas as condições de conforto durante o exercício da sua atividade”.

 

Com uma planta “em forma de ‘L’, o projeto tem dois setores com características distintas, “um de cariz mais administrativo, com gabinetes dos investigadores, sala de reuniões, secretaria, sala de informática e hall, e outro de vocação mais técnica/experimental, albergando laboratórios e salas técnicas de pesquisa científica, nomeadamente, laboratórios de biologia molecular, biotecnologia alimentar, química analítica e diversos espaços de trabalho climatizado”.

 

Para Rui Marreiros, as novas instalações representam “um marco decisivo e um momento estratégico” para o Cebal, “mas também para o concelho e para a região, condições mais que suficientes para enquadrar a aposta que a própria Câmara de Beja assumiu com esta iniciativa”.

 

E acrescenta: “Este é, em face da maturidade e crescimento do Cebal, um passo que permitirá consolidar e fazer crescer as linhas de investigação, a ligação às empresas e à comunidade, aumentar o número de projetos em que participa e, principalmente, permitir o crescimento no capital humano que neste momento conta já com um grupo de mais de 40 investigadores”.

 

Comentários