Diário do Alentejo

Educar para uma alimentação adequada

28 de outubro 2022 - 09:00
Aljustrel promove combate ao desperdício alimentar nas escolas do concelho
Foto | Ricardo ZambujoFoto | Ricardo Zambujo

O Município de Aljustrel tem implementado, nos vários estabelecimentos que fazem parte do agrupamento de escolas do concelho, um programa com o propósito de, junto dos alunos do ensino pré-escolar, combater o desperdício alimentar e alertar para a importância de se consumirem determinados alimentos, comummente rejeitados pelos mais novos. O Brócoli é a mascote desta iniciativa e o “Diário do Alentejo” acompanhou as suas andanças, durante uma manhã no refeitório da Escola Básica de Aljustrel.

 

Texto José Serrano

 

Assim que nele reparam – o que, convenhamos, não é difícil –, os alunos que se encontram no espaço de recreio do edifício da Escola Básica de Aljustrel abandonam momentaneamente as suas atividades lúdicas, para darem as boas vindas a Carlos Júlio de Carvalho, de 74 anos, incógnito no interior do seu colossal fato de vegetal verde.

 

Musical e ritmadamente, rapazes e raparigas, entoam em coro “bró-co-lo, bró-co-lo, bró-co-lo…”, em evidente galhofa coletiva, até a “hortaliça” desaparecer, por entre a porta do refeitório, onde crianças, com idades entre os três e os seis anos, estão a iniciar o seu almoço.

 

Em cada um dos 48 tabuleiros postos, encontra-se um prato de sopa – de brócolos, imagine-se –, um segundo prato, constituído por frango estufado com esparguete, acompanhado de alface roxa, cenoura e pepino e, de sobremesa, uma maçã.

 

As crianças, que já tinham conhecido, na semana anterior, o personagem verde, acolhem-no, de forma geral, com generosidade e sorrisos, ainda que uma ou outra se mostre receosa de tão gigantesco vegetal, com pernas e braços, que com elas interage amigavelmente, acentuando-lhes mimicamente que é “fixe” comerem a refeição toda.

 

A cena teatral faz parte de uma iniciativa pioneira, criada pela Câmara Municipal de Aljustrel, cujo objetivo é, junto dos alunos do ensino pré-escolar, combater o desperdício alimentar e alertar para a importância de consumir alimentos que, por regra, são rejeitados, como por exemplo os produtos hortícolas.

 

Um projeto que surge no âmbito das competências da Rede Europeia Volunteering City-Urbact – direcionada para a promoção da coesão intergeracional nos respetivos territórios participantes, nomeadamente através do voluntariado –, da qual Aljustrel faz parte, conjuntamente com vários outros municípios da Alemanha, Polónia, Itália, Letónia, Grécia, Espanha, Croácia, Irlanda e o Chipre.

 

Assim, através de uma mascote – o Brócoli –, e durante o período da hora do almoço, a nutricionista do município de Aljustrel e vários voluntários, de diferentes grupo etários, deslocam-se, em dias específicos, aos refeitórios das várias escolas inclusas ao agrupamento escolar do concelho – Aljustrel, Rio de Moinhos, Messejana, Ervidel e Montes Velhos – para incentivar os alunos a comer a dose adequada de alimentos, evitando desperdícios.

 

A cada visita da mascote aos refeitórios é verificado se cada aluno consumiu a sua refeição – sopa, segundo prato e sobremesa. Quem comer tudo é brindado com uma medalha que, dependendo da semana, tem inscrita uma determinada mensagem, alusiva à temática – a de hoje, denominada “Heróis do Planeta”, tem como conceito diminuir a pegada ecológica de cada um, reaproveitando alimentos.

 

Mafalda Guerra, nutricionista do município e responsável pela conceção das ementas escolares, explica que o lema desta medalha – “pense um momento, poupe um alimento” – tem como objetivo, ao viajar o prémio da escola para a casa de cada um dos alunos recompensados, levar a mensagem aos pais acerca da necessidade de evitar desperdícios alimentares, fazendo, por exemplo, “um sumo ou um bolo, com maçãs ou bananas que se encontrem com um estado de maturação elevada”, em vez de serem, automaticamente, “por apresentarem algumas manchinhas”, atiradas para o caixote de lixo.

 

A incumbência de entregar as medalhas aos “vencedores”, ou seja, a quem tudo comer, varia semanalmente, para que todos, dentro do grupo de cidadãos que fazem parte do Núcleo de Voluntariado do Concelho de Aljustrel, possam dar o seu contributo ao projeto.

 

Hoje, essa responsabilidade está a cargo de duas senhoras, que esperam “dar muitas medalhas” e que classificam como “muito importante” o projeto, “para incentivar as crianças a comer frutas e vegetais, para que se habituem a comer essas coisas todas”, ambas referindo as facilidades e dificuldades do tema, em causa própria: “tenho dois netos, o mais novo come tudo bem, mas o mais velho não come alguns alimentos…brócolos, por exemplo, estão fora de questão”, diz Francisca Batalha, de 68 anos, precedida por Ana Brito Camacho, de 82 anos, que expõe um exemplo semelhante – “tenho um neto, agora com 30 anos, que sempre comeu tudo bem, e tenho uma neta, com sete anos, que já é um bocadinho mais esquisita. Na escola até come, agora em casa…ó que é mole, ou que não lhe apetece, ou qualquer coisa… mas gosta muito de grão e dêem-lhe gaspacho as refeições todas”, refere, sorridente.

 

Também no refeitório o almoço decorre a velocidades e a gostos diferentes com crianças a mostrarem segundos pratos quase “limpos”, outras com o esparguete já comido, mas com a salada por estrear e outras ainda que, ajudadas, colherada a colherada, pelas cinco auxiliares de ação educativa, ainda estão, reticentes, a meio da sopa.

 

Paula Santos, cozinheira do refeitório, conhece bem estas “dificuldades”, que se mantêm, diz, “mais ou menos iguais”, desde há 26 anos, quando ali começou a trabalhar: “as crianças comem bem o frango, as massas e o arroz, a sopa quando está passadinha, mas nem todos… o peixe e os legumes é mais difícil – às vezes, mesmo sem provarem dizem que não gostam”.

 

A mesma opinião tem Alice Martins, auxiliar educativa que, enquanto vai dando a sopa a uma menina, considera este projeto “ótimo, para incentivar mais os miúdos, porque hoje ninguém come saladas (há um ou dois), a fruta depende da época – gostam de melancia e entusiasmam-se com as uvas, mas depois comem dois ou três baguinhos… eu e as minhas colegas nunca lhes deixamos de referir a importância destes alimentos, mas não é fácil convencê-los, porque alguns não têm esses hábitos em casa. Com o boneco do brócolo aqui presente, reparamos que os meninos comem mais, o que é uma vitória”, acentua.

 

A nutricionista Mafalda Guerra refere precisamente a dificuldade de aceitação das crianças a alguns alimentos como fator da génese da iniciativa: “sabemos que em Portugal e em muitos outros países o desperdício alimentar é bastante elevado e conseguimos observar que este problema também existe aqui, no refeitório na nossa escola. Saladas, que tenham pepino ou uma couve roxa são automaticamente rejeitadas, e o peixe também tem fraca aceitação. Essa recusa provém, por vezes, de não estarem habituados ao seu consumo. São estes alimentos, sobretudo, que pretendemos, com este projeto, promover. Daí a nossa mascote ser um brócolo – representativo de um alimento que os meninos não aceitam com facilidade, que à partida rejeitam – para que, com a dinâmica que está associada ao “boneco”, se consiga incentivar o seu consumo. O que se deseja é criar esses hábitos alimentares, porque o refeitório escolar não deixa de ser um local de aprendizagem, um local de excelência para promover boas rotinas”, sublinha.

 

Um desígnio que se pretende continuado, “lançando, nestas idades, a semente”, para que hábitos alimentares promotores de saúde se enraízem “nos mais novos” e possam ao longo da vida perdurar, acentua a nutricionista.

 

Naquele dia, foram distribuídas 11 medalhas. Os galardoados, briosos com a recompensa atribuída por terem comido bem, posam para a fotografia junto do brócolo, mascote à qual Carlos Júlio de Carvalho, engenheiro técnico agrário reformado, e atual membro do Núcleo de Voluntariado do Concelho de Aljustrel, dá vida: “a Mafalda Guerra, para além de nutricionista deste projeto é também professora de nutrição na Universidade Sénior de Aljustrel, onde eu sou aluno. Foi ela que me propôs eu assumir este papel, e eu disponibilizei-me, com contentamento, como sempre faço em todas as atividades da universidade e do voluntariado. Estou sempre disposto a colaborar em ações de informação e dinamização que eu considere úteis para a população, seja com crianças, seja com velhotes, malta da minha idade. Tenho 74 anos, mas ainda me mexo bem, faço as minhas atividades físicas, que não desprezo, e tenho 11 disciplinas na Universidade Sénior – ninguém me bate”, revela orgulhoso, a sorrir.

 

Agora, finalizado o almoço dos mais pequenos e com a sensação de dever cumprido, é tempo de despir o fato de Brócoli, guardando na arrecadação da escola, até à próxima intervenção didática, a sua máscara de alter-ego, e de sair anónimo, à semelhança de tantos outros super-heróis, para as ruas de Aljustrel.

 

“ESTE PROJETO PODERÁ VIR A FUNCIONAR COMO BASE PARA TANTOS OUTROS" 

O presidente da Câmara Municipal de Aljustrel, Carlos Teles, considera que esta iniciativa, que se dirige ao ensino pré-escolar, aposta “na formação para uma boa educação alimentar desde a infância”, pretendendo criar bons hábitos.

 

O autarca, sublinhado a recorrente intencionalidade do município na adoção de iniciativas potenciadoras de boas práticas, esclarece que este projeto poderá, “através do exemplo e da transmissão de valores aos mais novos, dar um contributo válido no que diz respeito à redução do desperdício alimentar”, bem como “fomentar uma alimentação equilibrada e rica”.

 

Carlos Teles informa também que “este projeto poderá vir a funcionar como base para tantos outros, em diversos temas, que possam surgir”, com o intuito de poderem contribuir para a transmissão de conhecimentos e de valores: “tudo o que possamos fazer para melhorar a educação, tudo o que estiver ao nosso alcance, faremos. A formação, essa, terá de começar desde tenra idade, até porque os mais jovens serão os adultos de amanhã e podem, inclusive, ajudar a passar a mensagem, aos adultos de hoje”.

 

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