Diário do Alentejo

“Levar ao mundo o cante alentejano é uma obrigação de todos nós”

23 de outubro 2022 - 11:00
Entrevista a Pedro Abrunhosa
Foto | José SerranoFoto | José Serrano

Começou dia 22 de outubro, a tournée europeia de Pedro Abrunhosa, que conta com a participação do Grupo Coral e Etnográfico Os Camponeses de Pias e do músico bejense Paulo Ribeiro, espetáculo que já se apresentou em palcos no Luxemburgo, Paris e Bruxelas. O espetáculo está ainda marcado para Beja, hoje, e para Londres, dia 11. O “Diário do Alentejo” acompanhou o grupo até Lisboa e conversou com o músico portuense sobre a junção dos dois estilos musicais, a escolha dos 27 cantadores que o acompanharão, a importância e o reconhecimento do cante alentejano e o possível espetáculo em Nova Iorque.

 

Texto José Serrano 

 

O que mais o atrai nesta viagem de improvável cumplicidade entre si e os Camponeses de Pias?

O cante alentejano tem uma propriedade, que nós não conseguimos explicar, que nos perturba e nos comove… uma coisa arrebatadora. Sempre senti isso, mas nunca tinha percebido bem como é aqueles homens se organizavam, como era a sua rotina de trabalho e como é que a música surgia – quem escrevia as modas, quem as cantava. Fui-me informando e, em 1994, passei dois meses em Castro Verde e assisti à gravação de um disco de cante alentejano no Museu Rainha Dona Leonor, em Beja – algo absolutamente mágico, nunca mais me vou esquecer…. Sempre houve esta atração, mas nunca tinha conseguido fazer uma ligação genuína do cante alentejano com a minha música. Chegou agora a altura certa de o demonstrar, respeitando a música. Acho que o estamos a conseguir fazer, embora seja muito difícil estar perante um cante que é genuíno do povo, da terra e do chão, onde se sente muitas vezes a luta, a dor, a saudade e sobretudo a vida árdua do trabalho – estar perante tudo isto é para mim um privilégio imenso.

 

Podemos dizer que este é o casamento perfeito entre a música de raiz urbana, que faz, e a música de cariz tradicional, rural, que o cante alentejano representa?

Curiosamente, a música urbana que eu represento vem da tradição trovadoresca, um homem que com a sua voz e o seu alaúde andava de terra em terra, contando as novas de cada uma. É uma canção urbana que, no fundo, conta estórias do dia-a-dia, dos nossos, daqueles que partiram, que foram para fora – “Para os Braços da Minha Mãe” é disso um exemplo típico. O cante alentejano não me é estranho e há, naturalmente, uma pele que ambos conseguimos encontrar conjuntamente – eu fico surpreendidíssimo com os Camponeses de Pias a cantarem o “Fazer o que Ainda Não Foi Feito”, para mim foi uma surpresa. Mas temos que remeter para o talento deles, para a sua disciplina, método – impressionantes – e para a direção do Paulo Ribeiro, é tudo junto.

 

É esta parceria, apresentada nesta tournée, uma forma de homenagear o cante alentejano?

Absolutamente. Esta é uma homenagem genuína, no sentido de amor que eu tenho pelo cante, que sempre tive pelo Alentejo, pelas suas batalhas políticas. Uma região do país que sempre foi ostracizada, votada ao abandono, explorada. O cante só podia vir do Alentejo, que sofreu, pois as canções têm mais poesia na dor do que na alegria. E quem a viveu sabe expressá-la de uma maneira que mais ninguém sabe. O cante alentejano tem uma profundidade absolutamente litúrgica – uma coisa estranha, de bom.

 

Considera que o cante, e ainda que classificado como Património da Humanidade, é significativamente reconhecido?

Eu acho que não se faz o suficiente para mostrar este Património da Humanidade ao mundo. Eu tenho a certeza que se este concerto for levado a Nova Iorque vai ser arrasador, porque é uma novidade, assente numa profunda genuinidade. Como Património da Humanidade, é impossível pegar no Grand Canyon, nos Estados Unidos, ou no Parthenon, na Grécia, e andá-los a mostrar ao mundo. Mas o cante alentejano é portátil e, sim, nós podemos levá-lo ao mundo. Claro que isto é uma opção política, porque a cultura é o maior embaixador de um país – o que coloca o Brasil no mapa, em primeiro lugar, é a música brasileira. O que coloca Cabo Verde no mapa – um país pequeno com uma dimensão cultural gigante – é a sua música, porque perceberam que esta poderia ter um papel muito importante na divulgação do país. Portugal não faz nada por isso e é lamentável que não perceba o que tem de bom. O povo precisa de mundo e levar ao mundo o cante alentejano é uma obrigação de todos nós.

 

Indicia a resposta anterior que pensa apresentar este espetáculo, de parceria, em Nova Iorque?

Vamos fazer tudo por isso. Ainda há muitas cidades na Europa que vão ver, certamente, este espetáculo, mas levá-lo aos Estados Unidos e ao Brasil era muito importante.

 

Até que ponto esta experiência com os Camponeses de Pias o enriquece?

É um dos pontos auge da minha carreira. Esta é uma ligação que é de paixão, desde miúdo – para mim é dos momentos mais altos da minha vida.

 

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