Diário do Alentejo

Ousadia, feminismo e diversidade no Festival Das Marias

26 de setembro 2022 - 09:00
De 13 a 22 de outubro o festival regressa a Beja, Aljustrel, Mértola, Grândola e Santiago do Cacém
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A 3.ª edição do Festival Das Marias regressa este ano com quatro “oficinas de experimentação de dança e teatro” nos sábados que o antecedem. Ao “Diário do Alentejo”, a diretora artística, Leopoldina Almeida, explica este novo conceito dos Preliminares Das Marias, antevê o evento e olha para o papel da mulher e da cultura no Alentejo.

 

Texto Ana Filipa Sousa de Sousa

 

À semelhança das últimas três edições, o Festival Das Marias regressa este ano com laboratórios, conversas, performances e apresentações de teatro, dança, cinema e música que “celebram a criação artística no feminino” de forma ousada e diversificada.

 

Entre 13 e 22 de outubro, Beja, Aljustrel, Mértola, Grândola e Santiago do Cacém recebem “espetáculos de muita qualidade realizados por mulheres” que prometem “agitar” as cidades.

 

Para a atual diretora artística, Leopoldina Almeida, este é um evento que pretende “valorizar o trabalho artístico da mulher, num mundo onde estas estão muitas vezes em segundo plano” e “juntar, em diferentes espaços, estas criadoras”.

 

 A edição deste ano traz consigo os “Preliminares Das Marias”, ou seja, oficinas de experimentação de teatro e dança que antecedem o festival e visam “aquecer os corpos” e dar a conhecer toda a dinâmica prevista para outubro.

 

“O que nós temos visto é que as pessoas vão aquecendo à medida que o festival vai passando e, por isso, não o aproveitam ao máximo. Desta vez, [para contrariar], decidimos propor, [um mês antes], oficinas para que quando o Festival Das Marias chegue as pessoas já estejam mais ou menos a par do que é que se vai passar, quais os espetáculos que irão acontecer, sentirem-se à vontade nos espaços e não ficarem arrependidas de não terem ido a alguma coisa”, começa por explicar.

 

Nos últimos três sábados, a coprodução da Companhia Alentejana de Dança Contemporânea (Cadac) e da companhia de teatro Lendias d’Encantar realizou os Preliminares Das Marias com as bailarinas Mariela Torentino e Laura Ríos e atriz  Inês Minor.

 

 

“Nós, desde janeiro de 2020, ininterruptamente, temos todos os meses o Entre Marias, [ou seja], encontro de mulheres aqui em Beja com workshops e oficinas com o mote do empoderamento feminino. Os Preliminares Das Marias, basicamente, seguem esse conceito, mas de forma concentrada, em vez de serem uma vez por mês serão todos juntos e a anteceder o festival”, esclarece a diretora de 52 anos.

 

Este novo conceito que antecipa As Marias vem ao seu próprio encontro, seguindo a “lógica de sempre”, ou seja, o trabalho “com as mulheres” e a criação “de uma comunidade com momentos de partilha”, juntando agora “mulheres de fora, mas que estão cá”.

 

“O ALENTEJO CONTINUA A SER MUITO DISCRIMINATÓRIO EM RELAÇÃO ÀS MULHERES”

A importância e a urgência de um festival como As Marias surge em jeitos de resposta face à “dimensão distintiva da criação feminina, frequentemente ofuscada pelo preconceito de género, alicerçado numa tradição de hierarquização patriarcal e num machismo generalizado”, tanto a nível nacional como regional.

 

“O Alentejo continua a ser muito discriminatório em relação às mulheres, há coisas que se permitem aos homens e às mulheres não e estas são uma base muito sólida da sociedade, quer em termos familiares, económicos ou educacionais e continuam a ter um papel de segunda categoria”, realça Leopoldina Almeida.

 

Para a diretora, esta disparidade entre os dois sexos ao nível salarial e de oportunidades de emprego é ainda mais acentuada na área cultural na região alentejana. Segundo a também professora de geografia, no meio artístico ainda é muito difícil uma mulher vingar e ser valorizada “nos bastidores”, como encenadora, realizadora, diretora ou roteirista.

 

“O que nós queremos [com este festival] é dar ênfase nesse sentido, na questão de quem é que tem o poder de decisão, quem é que cria espetáculos e quem é que os realiza. [Contrariar] o enorme número de homens comparado com o de mulheres que estão pode detrás deste tipo de projetos”, afirma.

 

Em relação a esta questão, Leopoldina Almeida não se mostra otimista quanto a possíveis mudanças nos próximos tempos e assegura que “ainda estamos a largos passos” de conseguirmos que as mulheres aqui do Alentejo tenham o acesso às mesmas coisas, à mesma liberdade e ao mesmo poder que muitos homens têm”.

 

“FELIZMENTE BEJA ESTÁ A ABRIR-SE”

A particularidade de se apresentar como um festival ousado e feminista torna-o também diversificado e fora da “cultura uniforme”, sendo esta um dos pontos principais que o distingue e que a sua diretora artística destaca. Leopoldina Almeida garante que, além do cariz já mencionado, o papel do Festival As Marias é também trazer um novo leque cultural para o Alentejo e permitir o acesso a “novos horizontes”.

 

“Eu acho que aqui há sempre uma grande tendência para se trazer o que as pessoas já conhecem e não se abrir os horizontes, parece que a cultura é empacotada como quando vamos ao supermercado e compramos o que há e ninguém vai às mercearias ou aos pequenos nichos procurar outras coisas. Parece que só há uma cultura uniforme, parece que toda a gente gosta das mesmas coisas e do mesmo tipo de coisas”, desabafa.

 

Ainda assim, o surgimento cada vez mais frequente de grupos culturais que trabalham “na alternância” estão a permitir uma “abertura” artística junto da comunidade bejense.

 

O caminho, ao qual As Marias percorrem desde o início juntamente com estes “outros grupos”, tem permitido trazer até ao Alentejo “outro tipo de espetáculos, outras correntes e outros focos” que conduzem à abertura “da mente das pessoas” e a um aumento da literacia cultural.

 

“Acho que é importante que uma cidade como Beja e as pessoas daqui tenham acesso a outro tipo de espetáculos, a outras correntes e a outros focos e isso não quer dizer que os outros não são bons, porque são ótimos e espetaculares, mas é importante as pessoas perceberem que há mais coisas para além do comum”, afirma.

 

Para a diretora, o mais importante desde 2019, ano em que teve inicio o Festival As Marias, é a possibilidade de este apoiar a população neste percurso de “acesso à diversidade e a outras perspetivas artísticas”.

 

SÁBADOS CULTURAIS EM PRELIMINARES DAS MARIAS

No próximo sábado, dia 8, o Museu Rainha D.Leonor, em Beja, recebe Clara Cunha por “Marias por detrás do espelho”. A sessão necessita de inscrição prévia e decorre entre as 15:00 e as 17:00 horas. Este será o último Preliminares antes do Festival Das Marias.

 

 

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