Diário do Alentejo

Creches gratuitas a partir deste mês

28 de agosto 2022 - 10:00
Gratuidade vai ao encontro das necessidades das IPSS, diz União Distrital de Instituições Particulares de Solidariedade Social de Beja
Foto | José Ferrolho/ArquivoFoto | José Ferrolho/Arquivo

As crianças nascidas depois de 1 de setembro de 2021 irão beneficiar, a partir deste mês, de creches gratuitas no setor social e solidário. Em 2023, a medida aprovada pelo Governo abrangerá também as creches particulares. A gratuitidade estará, no entanto, condicionada às vagas disponíveis.

 

O presidente da União Distrital de Instituições Particulares de Solidariedade Social de Beja considera que a medida “é extremamente positiva”, porque “vai ao encontro das necessidades que as creches vinham manifestando há já algum tempo”.

 

Texto Nélia Pedrosa 

 

Neste mês de setembro, as crianças nascidas depois de 1 de setembro de 2021 vão ter acesso a creche gratuita no setor social e solidário. Em 2023 a medida de gratuitidade passará a abranger também as creches privadas. O alargamento da comparticipação do Estado ao setor privado foi anunciado após a Associação de Creches e Pequenos Estabelecimentos de Ensino Particular ter acusado o Governo de discriminação, ao excluir o setor do acordo estabelecido com as organizações representativas do setor social e solidário.

 

Segundo o Governo, a gratuitidade será implementada de forma faseada até 2024, aumentando anualmente mais um ano de creche abrangido. As crianças agora abarcadas pela gratuitidade mantêm-na durante o período que estiverem na creche.  O objetivo é chegar a 100 mil crianças no final da implementação da medida.

 

Atualmente, a Segurança Social paga 293 euros por cada criança que frequenta a creche do setor social e solidário, ficando a cargo das famílias um valor de comparticipação variável adicional. Com a implementação da gratuitidade, a Segurança Social passa a assumir também esse valor diferencial das comparticipações pagas pelas famílias, ou seja, o custo total da resposta no valor de 460 euros, esclarece o Governo. A medida estará, no entanto, condicionada às vagas disponíveis.

 

De acordo com a portaria n.º 198/2022, de 27 de julho, que regulamenta as condições específicas de concretização da gratuitidade das creches e creches familiares, integradas no sistema de cooperação, bem como das amas da Segurança Social, a medida não abrange as atividades extra projeto pedagógico, de caráter facultativo, assim como as fardas ou uniformes escolares.

 

Segundo a ministra do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social, Ana Mendes Godinho, esta “é uma medida decisiva e prioritária para o País, quer no combate à pobreza infantil, promovendo a integração e igualdade de acesso de oportunidades e rompendo ciclos de pobreza, quer na promoção de uma política de apoio às famílias, em especial aos jovens que precisam de apoio e condições para permanecerem em Portugal, para se autonomizarem e constituírem família”.

 

Até agora beneficiavam de creches gratuitas as crianças de famílias pertencentes ao 1.º e 2.º escalões de rendimento. As famílias com filhos nascidos antes de 1 de setembro de 2021, e que não estão abrangidas pelos referidos escalões, continuarão a pagar o valor definido pelas instituições.

 

IPSS criticam atraso na publicação da portaria que regulamente gratuitidade O presidente da União Distrital de Instituições Particulares de Solidariedade Social (Udipss) de Beja, Vítor Igreja, considera que a medida de gratuitidade “é extremamente positiva”, porque “vai ao encontro das necessidades que as creches vinham manifestando há já algum tempo”, uma vez “que o contributo que as famílias dão para complementar a comparticipação do Estado, os 293 euros até agora, não é suficiente para garantir um bom funcionamento das creches”.

 

Vítor Igreja sublinha que, “no Baixo Alentejo, a maior parte dos jovens pais tem vencimentos muito baixos”, e, dependendo “a comparticipação dos pais do rendimento e das despesas”, o seu contributo, será, naturalmente, “muito baixo”.

 

No caso concreto da IPSS que dirige, a Associação Escola Aberta, em Beja, o número de famílias “no primeiro escalão de rendimento ainda é significativo”, sendo que “uma criança no 1.º escalão, pagaria, no máximo, 42 euros; no 2.º, no máximo, 81 euros; e só a partir do 4.º escalão, que corresponde a 143 euros, é que o valor se aproxima da diferença entre o que o Estado paga atualmente e o que vai pagar a partir de setembro, cerca de 160 euros”.

 

“Há valores muito elevados nas grandes cidades, porque há muita procura e é possível aplicar os últimos escalões, porque as pessoas ganham muito mais do que ganham nas regiões do interior. Agora, o valor pago por criança passa a ser o mesmo, independentemente do escalão”. O responsável reforça que “esta medida traz grande abertura para a sustentabilidade das creches” e permitirá que mais crianças tenham a oportunidade de frequentar esta resposta, que constitui “um marco importante em termos educativos”. 

 

Segundo informação disponibilizada pelo dirigente, existem, atualmente, no distrito de Beja, 31 creches – 29 integradas em IPSS, uma privada e uma de autarquia – abrangendo os 14 concelhos.

 

Embora se verifiquem, todos os anos, listas de espera em algumas instituições do distrito, sobretudo no berçário, Vítor Igreja diz que existe um equilibro, “não havendo demasiada procura, nem demasiada oferta”.

 

“Há pais que contactam várias instituições quando tentam encontrar vaga, na expectativa de, se falhar numa, conseguirão noutra, e isso às vezes cria listas de espera ilusórias”, frisa, sublinhando que a avaliação das crianças que nasceram desde 1 de setembro de 2021 e os lugares disponíveis habitualmente nas creches no setor social “levou a concluir que não havia espaço para todas, daí que o Estado esteja a alargar às amas inscritas na Segurança Social e também ao setor privado e, eventualmente, no futuro, à recuperação de algumas salas que não estão funcionais”.

 

No que diz respeito à Escola Aberta, que dispõe de duas creches com capacidade para 63 crianças, sendo 10 lugares de berçário, Vítor Igreja afirma que existe a possibilidade de se adaptar uma sala anteriormente destinada ao pré-escolar, permitindo criar, pelo menos, mais 15 lugares da creche, contudo, dependerá sempre “da autorização da Segurança Social”.

 

De acordo com o presidente da Udipss, o grande problema prende-se com o atraso na publicação da portaria que regulamenta a medida. “As instituições foram protestando ao longo do tempo, porque queriam admitir crianças, sabiam que ia haver alterações e não tinham a legislação”. Vítor Igreja admite que haverá casos de instituições do distrito que terão de restituir os valores pagos na inscrição pelas famílias com filhos que venham a ser abrangidos pela gratuitidade, como define a portaria, no entanto, “não levanta grandes dificuldades, porque o valor será compensado a seguir” pelo Estado.

 

O dirigente reconhece ainda que o facto de haver duas modalidades de gratuitidade na creche – para as crianças do 1.º e 2.º escalões nascidas antes de 21 de setembro de 2021 e para as nascidas após essa data – poderá “implicar alguma dificuldade” em termos administrativos, sobretudo na fase inicial. “

 

Há intuições que fazem isso com facilidade, depende do corpo técnico, há outras que são mais humildes e terão mais dificuldades”. E conclui: “Fazer esta mudança em qualquer entrave seria quase impossível, há-de haver aqui e ali alguma instabilidade, mas o que espero é que o Estado tenha capacidade para absorver todas as crianças. Mas volto a dizer que no distrito de Beja penso que não haverá muitos casos [de crianças sem vaga]”.

 

Comparticipação deveria ter como base “custos reais” de cada instituição “Numa primeira análise parece-nos que o valor que foi definido nos vai permitir funcionar pelo menos este ano letivo sem confrangimentos de maior”, diz, por sua vez, o presidente da direcção do Centro Infantil Coronel Sousa Tavares, IPSS também com sede em Beja.

 

Luís Amaro defende, no entanto, que o valor “deverá ser atualizado, pelo menos, anualmente”. “Vamos ter de passar por este letivo para perceber, efectivamente, o impacto [da medida] e se realmente é um valor que nos consegue garantir o nosso normal funcionamento, porque temos mais despesas do que o comum. Temos os professores fixos e, apesar de podermos criar uma mensalidade extraordinária para fazer face às aulas de música, ginástica e expressão corporal, a participação será sempre facultativa”.

 

Por outro lado, considera que a comparticipação do Estado deveria ter como base “os custos reais” de cada instituição.

 

“Os custos de uma instituição em Beja são diferentes dos de uma instituição em Braga ou no Porto. Dentro da mesma localidade, há situações diferentes. Uma instituição que funciona num edifício mais antigo, como é o nosso caso, terá despesas de manutenção sempre superiores às de um edifício novo. Ao nível do quadro de pessoal, como é também o nosso caso, apesar de neste momento estar mais equilibrado porque tivemos algumas saídas por aposentação, os custos com educadoras em início de carreira têm um peso completamente diferente dos custos com pessoal em final de carreira. Haverá intuições que não vão conseguir com este valor e outras em que o valor supera a receita que tinham antes, por exemplo, em meios mais desfavorecidos, em que os rendimentos das famílias são muito baixos”. Por isso, reforça, para além da “atualização anual” do valor da comparticipação, a medida “terá de sofrer alguns ajustes ao longo do tempo”, provavelmente, para “aproximar mais a compensação aos custos reais de cada instituição”.

 

Luís Amaro sublinha, ainda, que existem algumas dúvidas em relação à operacionalização da medida, nomeadamente, se a instituição irá receber, já em setembro, “pela totalidade das inscrições ou apenas pelas presenças”, uma vez que há crianças inscritas que só entrarão em janeiro ou fevereiro do próximo ano.

 

“Anteriormente cobrávamos uma percentagem da mensalidade quase como reserva de vaga, para fazer face aos custos de pessoal, porque temos a equipa sempre completa. Se recebermos pelas presenças poderemos ter aqui um cenário um pouco mais complicado, porque os custos são idênticos, a receita é que será inferior”, diz, adiantando que no início do ano é cobrado, igualmente, 50 por cento do valor da mensalidade referente a custos de inscrição, receita destinada “à renovação de materiais das salas, às pinturas, aos pequenos arranjos” e que vai deixar de existir.

 

Com uma capacidade máxima de 116 lugares na creche (26 dos quais em berçário), sempre lotada, o centro infantil tem, habitualmente, uma lista de espera “entre 20 e 30” crianças, o que leva o dirigente a dizer que, apesar de não ter dados concretos, a rede de creches será insuficiente para as necessidades, tendo em conta até que a procura deverá aumentar com a gratuitidade.

 

“Esta é uma medida de apoio à natalidade, esperemos que traga mais crianças, mas para trazer mais criança é preciso criar mais estruturas, porque, apesar de ser gratuito, não aumenta a capacidade”.

 

Uma vez que o Centro Infantil Coronel Sousa Tavares está instalado num edifício antigo, “com outras respostas, como o pré-escolar, que também utilizam a sua capacidade máxima”, não existe qualquer possibilidade “de se expandir” de modo a aumentar o número de vagas, frisa o responsável.

 

À semelhança do Vítor Igreja, Luís Amaro considera que a medida “veio muito em cima do início do ano lectivo”, não permitindo, por exemplo, “que o regulamento interno da creche seja actualizado” a tempo. “Compreendemos, também, que foi por não haver orçamento do estado ainda aprovado, mas, de qualquer maneira, as creches já tinham as listas feitas, tudo organizado, algumas até já tinham cobrado valores de inscrição. De repente surge uma portaria que muda as regras do jogo e nós não nos sentimos confortáveis em iniciar um ano letivo com um regulamento ainda por aprovar”.

 

A finalizar, diz que a instituição irá fazer “uma análise rigorosa” da implementação da medida, “mensalmente, quinzenalmente”. “Para as famílias é uma medida excelente, mas para a instituição temos de estudar muito bem o seu impacto, para quando formos confrontados pelas entidades que nos regulam e acompanham termos dados para dizer se está a resultar, e caso não esteja, o que é que está a falhar”.

 

A MEDIDA É "INJUSTA" AO NÃO ABRANGER TODAS AS CRIANÇAS DE 2021

As diretoras técnicas das duas creches da Moura Salúquia – Associação de Mulheres do Concelho de Moura, com instalações naquela cidade e em Amareleja, consideram que a medida de gratuitidade deveria abranger, desde já, todas as crianças”, mas, “uma vez que só vai abranger crianças nascidas desde 1 de setembro de 2021, e o valor da mensalidade de todas as outras que estão no 1.º e 2.º escalões é muito baixo, e como tem de se fazer face a todas as despesas, como as inerentes ao processo de inscrição e seguro, assim como alimentação e todas as actividades e serviços usualmente prestados pelas creches (nutrição, cuidados de higiene pessoal, actividades pedagógicas, lúdicas e de motricidade, entre outras)”, os montantes que irão receber do Estado não serão suficientes.

 

Daniela Monte e Natália Pão-Duro acrescentam que a medida acaba por ser injusta, na medida em que “crianças nascidas no mesmo ano, umas terão direito e outras não, estando no mesmo espaço e os pais com rendimentos iguais ou superiores”.

 

“Com a gratuitidade das creches pretende-se prosseguir uma verdadeira política de família, com o apoio à natalidade e à condição da vida familiar e da vida profissional. Contudo, seria justo que a gratuitidade fosse para todas as crianças. Tendo de haver critérios, o Estado deveria ter abrangido todas as crianças nascidas no mesmo ano de 2021”, reforçam.

 

Atualmente a capacidade da creche “Bem-me-Quer”, em Amareleja, é de 74 crianças, tendo acordo de cooperação com a Segurança Social para 25 utentes; e a creche “Amor-perfeito”, em Moura, tem lugar para 90 crianças, com acordo para 46. Habitualmente, dizem as responsáveis, existem listas de espera de crianças nas duas creches para as vagas protocoladas com a Segurança Social. Ou seja, esclarecerem, apesar de haver capacidade para acolher as crianças em lista de espera, “a instituição não tem financiamento económico para fazer face às despesas e os agregados familiares também não conseguem suportar o custo médio por criança”.

 

Em termos de implementação da medida, o facto de levar a um aumento da procura originará, “naturalmente, um esforço acrescido por parte das equipas técnicas”, assim como um “custo acrescido”, acrescentam.

 

CRITÉRIOS DE ADMIDÃO E PRIORIZAÇÃO 

De acordo com a portaria, a admissão nas vagas das respostas sociais são preenchidas consoante uma lista de prioridades, que poderá diferir das até agora definidas pelas instituições. Nas cinco primeiras prioridades estão crianças que frequentaram a creche no ano anterior; crianças com deficiência/incapacidade; filhos de mães e pais estudantes menores ou beneficiários de assistência pessoal no âmbito do Apoio à Vida Independente ou reconhecido como cuidador informal principal, ou crianças em situação de acolhimento ou em casa abrigo; crianças com irmãos que comprovadamente pertençam ao mesmo agregado familiar e que já frequentam a resposta social; e Crianças beneficiárias da prestação social Garantia para a Infância e/ou com abono de família para crianças e jovens (1.º e 2.º escalões), cujos encarregados de educação residam, comprovadamente, na área de influência da resposta social.

 

 
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