Diário do Alentejo

Tirar a carta de ligeiros no distrito de Beja é caro e demorado

19 de agosto 2022 - 13:00
Exame de condução pode demorar seis meses. Custo é o dobro dos grandes centros urbanos
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Quem, no distrito de Beja, pretender ficar habilitado a conduzir tem de fazer os testes de código e de condução como em qualquer outro lado, mas precisa de uma dose suplementar de paciência: a prova prática chega a demorar seis meses. Acrescente-se a isto o custo da empreitada que, na maioria dos casos, é quase o dobro do praticado na zona de Lisboa e outros grandes centros urbanos.

 

Texto Aníbal Fernandes

 

Ivo (nome fictício) inscreveu-se numa escola de condução em Beja, em janeiro de 2021. Em abril, depois de ter passado com sucesso o exame de código e realizadas as lições de condução obrigatórias, propôs-se realizar o exame final, mas a falta de examinadores disponíveis no Baixo Alentejo está a dificultar a conclusão do processo.

 

“Fiz o exame do código no Instituto de Mobilidade e Transportes (IMT) de Beja, mas agora já estou à espera vai para seis meses para fazer o exame de condução”, lamenta o candidato a condutor que diz necessitar da carta “para se deslocar para o trabalho sem depender da boa vontade de alguém e sem os constrangimentos dos transportes públicos”.

 

Este jovem de Beja, que pagou até agora 930 euros pela futura carta, diz que, para além da falta de examinadores, “há um problema de gestão. Há dias os examinadores fizeram apenas um exame”, denuncia. A alternativa para algumas escolas da região tem sido “levar os instruendos a outras paragens – ao Barreiro, por exemplo – para fazer o exame”, informa. 

 

Esta situação tem sido objeto de negociações entre os representantes distritais da Associação Nacional de Escolas de Condução Automóvel (Anieca) e o IMT da região, mas o problema permanece por resolver. Aparentemente, a solução depende da conclusão da formação de mais examinadores.

 

O caso de Ana também é paradigmático do que tem vindo a acontecer. No verão de 2020, esta jovem do concelho de Beja começou a tirar a carta numa escola de condução da cidade. Se em relação ao exame de código não houve problemas de maior, os atrasos começaram com a marcação da prova prática. Em plena pandemia, e com os constrangimentos causados por esta, o primeiro exame de condução aconteceu em julho de 2021. Tendo reprovado, Ana pediu novo exame, “no mesmo dia”.

 

Só em novembro desse ano repetiu a prova. “Constrangimentos da pandemia: foi essa justificação que me deram, pelo tempo em que tudo esteve parado e fechado”. Ana reprovou de novo. Repetiu o processo anterior: nesse mesmo dia, voltou a pedir exame de condução. A derradeira prova só foi efetuada a 10 de maio, já deste ano. Ou seja, seis meses depois.

 

A justificação da escola? “O IMT não tinha examinadores suficientes e que, por isso, os exames eram marcados consoante a disponibilidade que era dada às escolas. Nos primeiros dois exames compreendi as razões que me apresentaram. No último, achei que foi um desrespeito por quem está a tirar a carta, uma vez que pagamos balúrdios, o tempo de espera é extenso e, todos os meses, a resposta é sempre a mesma: as escolas não têm culpa”. No total, Ana pagou cerca 1370 euros, entre o custo inicial e os dois pedidos suplementares de exames de condução (285 euros, cada).

 

DEPUTADOS RECEBERAM QUEIXAS DAS ESCOLAS

O caso já chegou aos deputados. O socialista Pedro do Carmo disse ao “Diário do Alentejo” que “é inadmissível o que está a acontecer. O interior não pode ser discriminado”, protesta. O deputado do PS eleito por Beja, que já entrou em contacto com a secretaria de Estado dos Transportes e com o IMT nacional, diz compreender que “os dois anos de restrições”, por causa da pandemia, na formação de examinadores possa estar a pesar na situação, mas defende que “para situações excecionais, tem de haver soluções excecionais”.

 

Também o deputado João Dias disse ao nosso jornal que recebeu as queixas das escolas de condução e está a acompanhar o problema. O comunista diz que as pessoas do setor que o contactaram consideram a situação “caótica, no que diz respeito ao atraso na marcação de exames”, considerando particularmente grave que “os exames de trator agrícola, que eram feitos fora dos centros de exame, também estejam à espera de marcação”. Os queixosos, diz o deputado do PCP, consideram que este cenário está “a pôr em causa” a sobrevivência das escolas de condução do distrito de Beja.

 

Um proprietário de uma escola de condução de um concelho do distrito de Beja, que não quis ser identificado, confirmou ao “Diário do Alentejo” que “os exames estão muito atrasados. Há pedidos de março que ainda estão à espera”, revela, criticando o facto de muitas escolas estarem “um mês inteiro sem levar os alunos a exame” e, depois, num dia, terem de fazer 15 provas práticas.

 

A história conta-se em poucas palavras: segundo este instrutor, Beja nunca teve examinadores, “vinham de Évora uma vez por semana”. No entanto, algo mudou “com a entrada do novo diretor do IMT” regional e, alegadamente, por causa de uma “mudança na política de ajudas de custos”, passaram a vir “muito mais raramente, e não de Évora, mas de Viseu, Guarda e Leiria”.

 

O “Diário do Alentejo” tentou obter esclarecimentos do IMT, quer por telefone, quer por e-mail, mas, até à hora de fecho desta edição, não obtivemos qualquer resposta.

 

PREÇOS EXORBITANTES

Segundo um estudo publicado pela “Deco Proteste” no final do ano de 2019 – antes do confinamento devido à pandemia da covid-19 – Lisboa e Funchal eram as zonas mais em conta para se tirar a carta. No final da lista apareciam os distritos do Alentejo e Braga.

 

Na altura, o preço da carta de condução podia variar entre os 375 e os 920 euros, uma diferença de 545 euros, para quem passasse à primeira sem chumbar. No entanto, com o aumento do preço dos combustíveis, é possível que os valores estejam desatualizados.

 

O estudo concluía ainda que a grande maioria das 184 escolas do Continente opta pelo centros públicos ou privados, mas 37 optam pelo público, por ficar mais perto, 45 pelo privado, por ser mais rápido, e 12 escolas da área metropolitana de Lisboa e duas do Porto indicaram só fazer exames em centros privados e justificaram-no com atrasos na marcação nos públicos. Recorde-se que em Beja não existe a oferta de qualquer centro privado.

 

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