Diário do Alentejo

Bagaço de azeitona deve ser “transformado em composto”

06 de agosto 2022 - 09:00
Nova campanha da Associação dos Amigos das Fortes sensibiliza para problema ambiental gerado pelas fábricas de transformação
Foto | José Ferrolho/ArquivoFoto | José Ferrolho/Arquivo

“As fábricas de bagaço de azeitona são um desastre – A aldeia das Fortes sufoca” é o lema da campanha que a Associação Ambiental dos Amigos das Fortes (AAAF) acaba de lançar e que visa “sensibilizar a opinião pública da comunidade” para o problema ambiental gerado pelas fábricas de bagaço de azeitona.

 

A associação continua a insistir que o bagaço “tem vindo, cada vez mais, a ser considerado um recurso agronómico de grande valor, pelo que, transformado em composto, já é utilizado em algumas explorações agrícolas sustentáveis”. 

 

Texto Nélia Pedrosa

 

A Associação Ambiental dos Amigos das Fortes (AAAF) lançou recentemente uma campanha com o objectivo de “sensibilizar a opinião pública da comunidade” para o problema ambiental gerado pelas fábricas de bagaço de azeitona, nomeadamente, junto àquela aldeia do concelho de Ferreira do Alentejo.

 

Para além da colocação de um outdoor na A2, no sentido Algarve-Lisboa, a campanha intitulada “As fábricas de bagaço de azeitona são um desastre – A aldeia das Fortes sufoca” prevê a realização de tertúlias sobre a temática, envolvendo “organizações não governamentais (ONG), artistas e amigos do ambiente”, a ter lugar na referida localidade, assim como pinturas em paredes da aldeia “que ilustrem” a causa.

 

“Queremos continuar a mostrar que estas fábricas de bagaço são um desastre ambiental, social, emocional”, diz Fátima Mourão, da AAAF, ao “Diário do Alentejo”, lembrando que a fábrica de transformação de bagaço existente junto à aldeia de Fortes, que labora há 13 anos, “tem um impacto enorme na população, no meio ambiente”.

 

“Estamos a falar de emissões de fumo que não param: 24 horas sob 24 horas, sete dias por semana, o ano inteiro”, frisa.

 

“As fábricas de bagaço são, até agora, um mal necessário. Sabemos que a economia do azeite é fortíssima e é por isso que dizemos, também, que a aldeia das Fortes é uma aldeia sacrificada em prol da economia do azeite. Já fizemos todo o tipo de manifestações, fomos três vezes à Assembleia da República, temos a proposta de resolução que diz que deveria haver uma monitorização contínua [da fábrica], mas não há essa monitorização. Já tivemos na aldeia todos os partidos com assento parlamentar, todos percebem que isto é um problema grave, mas nada se faz. Há 13 anos que a fábrica labora. Estamos à mercê de uma chaminé, do vento. A aldeia pode ficar submersa durante horas sob o fumo, um fumo que é particuloso. Caem partículas pretas em cima das casas, dos carros, das hortas, da vegetação. Há dias em que ficamos sufocados. É realmente muito invasivo. Não é uma vida que se queira ter, não há qualidade de vida”.

 

CENTROS DE COMPOSTAGEM “SÃO A SOLUÇÃO”

Fátima Mourão sublinha que continuam a insistir que o bagaço de azeitona, “que é visto até aqui como um resíduo, tem vindo, cada vez mais, a ser considerado um recurso agronómico de grande valor, pelo que, transformado em composto, já é utilizado em algumas explorações agrícolas sustentáveis”, ou seja, existe solução para o problema ambiental.

 

“Já há centros de compostagem. O bagaço é perfeitamente possível de compostar e voltar ao solo, isso sim, é uma economia circular correta”, reforça, lembrando que a Empresa de Desenvolvimento e Infraestruturas do Alqueva (EDIA) assinou já vários protocolos com entidades agroindustriais e agropecuárias da região com vista à criação de Unidades de Recirculação de Subprodutos de Alqueva (URSA).

 

“Nós lutamos pelas alternativas, queremos sempre estar do lado da solução e acreditamos no projeto das URSA, é por isso que vamos querer lutar. Os centros de compostagem são a solução, acreditamos que é esse o caminho, é preciso é agilizar processos”, diz ainda Fátima Mourão, adiantando que é necessário continuar “a alertar os olivicultores, principalmente, as grandes explorações agrícolas com lagares, para que tratem convenientemente o seu bagaço, para que não o vejam como lixo”.

 

“É preciso mostrar que o azeite tem um lado negro. Que o olivicultor comece a perceber que quando diz que tem um produto de excelência, e que está orgulhoso do seu produto, não pode ficar orgulhoso enquanto a queima do seu bagaço continuar a criar grandes problemas ambientais. Assim estamos a dar um mau nome ao azeite. É necessário mudar o paradigma completo desta indústria. Não se pode queimar o bagaço, tem de ir para a compostagem, é uma mais-valia para todos os agricultores, porque não gastam em adubo, será uma revolução industrial”.

 

Durante os dois últimos anos, desde o início da pandemia de covid-19, sublinha Fátima Mourão, a AAAF não parou a sua atividade, tendo participado em encontros e prosseguido com “contactos formais e informais junto de organizações ambientais, entidades, universidades e particulares, que atuam sobre as questões ambientais e climáticas, por forma a prosseguir com a importância de se encontrar uma solução para as fábricas de queima de bagaço”.

 

A ambientalista salienta que “há cada vez mais pessoas, de todo o lado, a abraçar esta causa, que é uma causa de todos”. “Já foram feitos livros sobre as Fortes, filmes, fotografias, temos recebido muita gente e vamos querer continuar a receber. Temos feito videoconferências com professores do curso de arquitetura, em Londres, que trouxeram os seus alunos para verem como é que uma aldeia, ainda no século XXI, na Europa, está a ser destruída e como é que é possível isto continuar.

 

O documentário ‘O Lado Negro do Azeite’, produzido e realizado por Sandra Cóias e Pedro Rego [que aborda os impactos ambientais da produção de bagaço junto à aldeia], também não para de ser exibido por todo o lado”, conclui.

 

VANTAGENS DE COMPOSTAR BAGAÇO DE AZEITONADe acordo com o manual “Compostagem – Uma solução sustentável”, encomendado pelo Ministério da Agricultura àEmpresa de Desenvolvimento e Infraestruturas do Alqueva (EDIA) e que contou com o contributo do Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária, “a produção de composto orgânico, conjugando o bagaço de azeitona com outrossubprodutos/resíduos orgânicos de modo a atingir uma adequada estrutura e relação carbono/azoto, poderá assim ser asolução mais adequada para a valorização agrícola destes materiais pois, através da compostagem, os bagaços são transformados num produto estável (composto) com características adequadas para ser utilizado como corretivo orgânico do solo”. Entre vários aspetos, caracteriza-se por, “devido ao menor teor de humidade e à perda de volume permitir uma redução de custos de manuseamento e transporte e maior facilidade de aplicação” e “possibilitar aincorporação de elementos nutritivos às culturas, reduzindo a necessidade de adubação mineral e química, reduzindopor esta via a poluição difusa potencial”.

 

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