Diário do Alentejo

Aeroporto de Beja: mais barato e a 75 minutos de Lisboa

22 de julho 2022 - 09:40
ANA diz que sem acessibilidades companhias aérea não vêm para o Baixo Alentejo
Foto | José SerranoFoto | José Serrano

O aeroporto de Beja pode ficar a 75 minutos de Lisboa e ser complementar à Portela, sendo custo disso apenas um quarto do que a Vinci diz ir investir na solução Montijo. Manuel Tão, professor catedrático na Universidade do Algarve e especialista em transportes, defende que esta opção tem de ser “tomada já” para não se correr o risco de perder o acesso aos fundos europeus.

 

Texto Aníbal Fernandes 

 

Manuel Tão, geógrafo, professor na Universidade do Algarve e especialista em transportes e planeamento regional, disse ao “Diário do Alentejo” que a solução Beja, como complemento ao aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa, custaria “menos de um quarto daquilo que, recentemente, a Vinci admitiu investir na transformação da base aérea do Montijo”.

 

O professor universitário estima que um “pacote integrado” que inclua a finalização da A26, a eletrificação da linha do Alentejo na totalidade e o novo ramal de ligação ao aeroporto de Beja custaria cerca de 400 milhões de euros, “comparticipados a 80 por cento pelos fundos europeus”, o que significa que a comparticipação nacional não ultrapassaria os 80 milhões.

 

Acresce que não só se resolveria a curto prazo a insuficiência da infraestrutura lisboeta, como se “asseguraria a ligação ao aeroporto de Faro, que dentro de uma década também ficará congestionado”, garante Manuel Tão.

 

“A solução Montijo é uma aberração”, diz o especialista em transportes, garantindo, ainda, que Alcochete “nunca estará construído antes de 2032. Precisamos de uma solução intermédia que resolva o assunto entretanto” e essa solução é Beja que “pode ficar operacional no prazo de 48 meses”.

 

Acresce que com a melhoria da ligação ferroviária, e “sem a necessidade de uma nova travessia do Tejo”, Beja ficaria a 75 minutos da capital com comboios com capacidade para atingir os 200 quilómetros por hora. “Não digo com isto que a A26 não seja necessária, mas a ligação por comboio tem outra escola e oferece outro conforto e menos tempo de viagem”.

 

Isso é importante, porque Beja poderia ser, à semelhança do que acontece com Beauvais, em Paris, uma alternativa para os voos low cost: “quem escolhe essa forma de viajar valoriza o preço em vez do tempo. Ninguém se importaria de demorar mais uma ou duas horas para chegar ao hotel”, diz Manuel Tão.

 

No entanto, alerta para a possibilidade dado o “enriquecimento estatístico”, da região, a breve prazo, poder perder a majoração em relação aos fundos europeus recebidos: “É preciso avançar já com os projetos”, avisa.

 

CIMBAL CONVIDA MINISTRO

Conforme noticiámos recentemente, a Comunidade Intermunicipal do Baixo Alentejo (Cimbal), considera a infraestrutura do aeroporto de Beja “absolutamente essencial para o desenvolvimento” da região e tem colocado este assunto em cima da mesa nos seus contributos para o Plano Nacional de Investimentos – PNI 2030; para o Alentejo 2030 e para o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).

 

Mais uma vez, no passado dia 11 de julho, o Conselho Intermunicipal da Cimbal reuniu – tendo este tema como ponto principal da ordem de trabalhos – e deliberou “convidar o ministro das Infraestruturas e Habitação, Pedro Nuno Santos, para debater a situação” e avaliar a “capacidade de resposta deste equipamento e quais as complementaridades que pode proporcionar a Lisboa e Faro”.

 

 

PCP REÚNE COM ANA

O Grupo Parlamentar do PCP reuniu, a seu pedido, com a administração da ANA para tomar conhecimento sobre das intenções da empresa concessionária do aeroporto de Beja acerca da infraestrutura.

 

João Dias, deputado eleito por Beja, diz que o projeto inicial do aeroporto está ainda a um terço, mas que a administradora executiva da ANA presente no encontro o informou que, para breve, está previsto avançar com mais uma placa de estacionamento para aeronaves e mais sete hangares – dois dos quais para a Mesa, empresa que já opera na infraestrutura.

 

A delegação comunista também ficou a saber que a capacidade atual do aeroporto, em termos de passageiros, é de 500 pessoas por hora – 1,5 milhões por ano – muito pouco para se apresentar como complementar a Lisboa.

 

“Fomos informados que as companhias de aviação – que têm visitado o aeroporto a convite da ANA – não têm manifestado interesse em usar esta plataforma”, uma vez que as acessibilidades a Lisboa não dão garantia de escoamento.

 

“Sem o investimento público necessário na rodovia e ferrovia, não haverá mais passageiros em Beja”. É esta a convicção do deputado comunista. “Cada um dos investimentos [A26 e eletrificação da ferrovia] tem valor por si, mas integrados potenciam-se e potenciam a região, considera João Dias. Este é um problema estilo pescadinha de rabo na boca: sem investimento público não há investimento privado, diz a ANA; sem investimento privado não há investimento público, sugere o ministro.

 

O deputado do PCP disse ao “Diário do Alentejo” que a ANA o informou que “ainda não têm uma estratégia definida para o aeroporto de Beja” e acrescentou que o PCP “não está contra uma nova solução aeroportuária na área de Lisboa, mas defende uma solução para o de Beja” de forma a que possa contribuir para o desenvolvimento da economia regional.

 

AUTARCAS ENVOLVEM-SE

Entretanto, o presidente da Câmara de Beja, numa extensa entrevista à “Rádio Renascença” (“RR”) veio a terreno defender a aposta na infraestrutura aeroportuária do Baixo Alentejo.

 

Paulo Arsénio começou por lembrar que apesar dos objetivos iniciais não terem sido atingidos, a situação em 2022 é muito diferente da observada em 2010 e que levou o Tribunal de Contas a afirmar que o aeroporto de Beja tem “contribuído para o desenvolvimento da região nem para a criação de emprego”. O autarca bejense refere, a este propósito, que a construção do hangar da Mesa, “um investimento na ordem dos 30 milhões” e que já dá emprego, direta e indiretamente, a mais de cem pessoas, pode alterar essa avaliação.

 

Outras das expectativas não cumpridas tem a ver com o nascimento dos grandes projetos na área do turismo, na altura anunciados, que atrairiam milhares de pessoas, mas que não se vieram a concretizar. Paulo Arsénio reconhece essa realidade, mas diz que, “ainda assim, o aeroporto em termos dos chamados voos VIP ou voos premium tem imensa procura. Nesta vertente, o aeroporto trabalha muito e muito bem, sendo um aeroporto muito apreciado pelas condições e características que tem, para esse tipo de tráfego. As pessoas saem com grande rapidez da aerogare e rapidamente são transportadas em viagens, de automóvel ou em shuttle privados, com percursos na ordem dos 45/50 minutos, até aos destinos finais. Essa é uma área em que o aeroporto tem sido claramente bem-sucedido”.

 

O presidente da Câmara Municipal de Beja recordou que antes da pandemia o aeroporto da cidade alentejana foi, de facto, uma alternativa à Portela, devido à falta de slots em Lisboa: “Nessa altura, a ANA não impediu os voos de aterrar em Beja, coisa que voltaria a acontecer, creio, se fosse de novo necessário, dentro das condições que o aeroporto oferece” atualmente.

 

A eletrificação da linha do Alentejo está intimamente ligada à questão do aeroporto e à ligação a Lisboa. Hoje, como é comummente aceite, a distância entre cidades não se mede em quilómetros, mas em tempo. O presidente da autarquia diz que “tem sensibilizado as Infraestruturas de Portugal (IP) a fazerem o denominado Ramal do Aeroporto quando for modernizada e eletrificada a linha Beja-Casa Branca”, que está previsto no âmbito do Portugal 2030 e “cujo projeto está em execução”, mas diz notar “alguma dificuldade da parte da IP” para que isso seja uma realidade.

 

Paulo Arsénio diz que a melhoria do transporte ferroviário se justifica porque “Beja precisa desse transporte ferroviário independentemente do aeroporto; o aeroporto já é uma mais-valia tremenda para a região, mas pode ser muito mais, sendo que o ramal é importante e decisivo para o incremento do tráfego de passageiros”, mas não só: “Nós acreditamos que, a curto ou médio prazo”, o serviço de carga vai ser uma realidade “inevitável”, explica.

 

O autarca recordou ainda que, no final de 2021, a “ANA admitiu ampliar progressivamente o aeroporto de Beja, dando início à segunda fase da infraestrutura. Na prática, isso consiste na ampliação da placa que está permanentemente lotada e também a disponibilização de mais sete a dez lotes para o lado do ar, permitindo que mais sete ou dez empresas se instalem em Beja”.

 

O presidente da Câmara Municipal de Beja vê ainda com bons olhos a hipótese da TAP “deslocar uma parte das suas oficinas para Beja, eventualmente, uma parte da operação do Brasil, seria uma extraordinária opção. Não conheço, nem tenho que conhecer os contratos e as obrigações que a TAP assumiu com o Brasil, mas disponibilizando a ANA mais lotes para o lado do ar, sendo a manutenção aeronáutica um dos grandes negócios futuros da aviação, partindo nós do princípio, tal como sucede com estes 80 técnicos altamente qualificados da Mesa, que a TAP pudesse trazer também um número muito superior de técnicos para Beja, e que essas pessoas passariam a viver no concelho, é claro que seria uma solução absolutamente extraordinária”.

 

José Efigénio, presidente da Câmara Municipal do Alvito, há uma semana, manifestou-se “satisfeito” com a garantia dada pelo Governo de 80 milhões para a eletrificação da ferrovia entre Casa Branca e Beja, uma peça “fundamental” para que o aeroporto “tenha um rumo diferente” e possa “ser aproveitado para ajudar os de Lisboa e Faro”.

 

No entanto, o autarca acrescentou à lista a melhoria do IP8, e “o mau estado de muitas vias da região: “Hoje o tráfego [rodoviário] é outro, com pesados a circular e a transportar o que sai de Alqueva, logo esta questão urge ser resolvida”, argumentou.

 

Por seu lado, no final do mês de junho, a Assembleia Municipal de Beja aprovou uma moção por unanimidade que defende o aeroporto da cidade como “uma excelente e útil alternativa” aos aeroportos de Lisboa e Faro, “em caso de necessidade e de sobrelotação” e recordou que a infraestrutura se “encontra certificada pelo Instituto Nacional de Aviação Civil (INAC) e é um dos quatro aeroportos portugueses que podem receber voos internacionais”, quer de passageiros, quer de carga.

 

E, por estranho que pareça, o assunto também foi debatido na Assembleia Municipal de Lisboa através de uma recomendação do partido Aliança em que se lê que a única alternativa à Portela, é “desviar temporariamente algum do tráfego excedentário da Portela para o Aeroporto Internacional de Beja”, por Lisboa se encontrar a pouco mais de uma hora e 40 minutos de Beja, com ligação por autoestrada.

 

O partido que apoia a vereação liderada pelo bejense Carlos Moedas, argumenta ainda que “a localização periférica”, do aeroporto de Beja o coloca com especial vocação para a operação das companhias low cost e para serviços de médio e longo curso, “tendo a pista principal condições para receber os aviões usados neste tipo de operações”, menciona a recomendação.

 

Também a Assembleia Municipal de Ourique aprovou por unanimidade, no final do mês de junho, uma moção em que se considera que o País “precisa de responder às crescentes necessidades de procura de infraestruturas aeroportuárias, com senso, visão integrada e ambição em contribuir para a coesão territorial”.

 

Defende, por isso, que o aeroporto internacional de Beja deve ser equacionado como parte da solução desse problema a curto, médio e longo prazo. “O aeroporto de Beja tem de fazer parte da estratégia de valorização do interior, a par de outros investimentos que se impõem em termos de mobilidade e de coesão”.

 

BEJA MERECE+

O movimento de cidadãos Beja Merece+ considera que “o Governo seria demasiado estúpido e despesista se não aproveitasse o aeroporto de Beja”, numa altura em que o aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa, sofre uma vaga de constrangimentos.

 

O porta-voz do movimento, Florival Baiôa, diz que a infraestrutura aeroportuária de Beja “não está morta” e defende a criação de um hub transitário – que não existe a Sul do Tejo – que promoveria “a criação de emprego, podia servir os chamados voos transatlânticos ou outros de excesso, quer de Lisboa, quer de Faro”.

 

A dimensão da pista e o facto de existir terreno vago junto ao aeroporto para uma eventual ampliação do mesmo, são também vistas como uma “vantagem” e lança uma pergunta: “Qual é o aeroporto que tem centenas de hectares para se expandir em termos industriais e em termos comerciais? Nenhum! Uma outra vantagem é que fica longe da cidade, logo é pouco incomodativo e permitirá viagens noturnas”, referiu o responsável do Beja Merece+, em declarações à “Rádio Renascença”.

 

 “Esta polémica é uma polémica perfeitamente desnecessária. Por questões ambientais, pensamos que seria um crime fazer o aeroporto no Montijo. Tenho até muitas dúvidas que a União Europeia permita uma coisa dessas. Fazer um aeroporto temporário e depois um outro definitivo, então, isso são loucuras”, concluiu Florival Baiôa.

 

DUAS DÉCADAS DE HISTÓRIA(S)

  • 2000 - (Governo Guterres) Nasce a Empresa de Desenvolvimento do Aeroporto de Beja (EDAB) para promover o aproveitamento civil de parte da Base Militar de Beja.
  • 2002 - Durão Barroso, anuncia em Beja a abertura do aeroporto militar à aviação civil, com valências internacionais, para 2003.
  • 2003 - É assinado um protocolo para a criação do aeroporto civil de Beja.
  • 2005 - Santana Lopes indigita uma nova administração para a EDAB. José Sócrates aprova Estudo de Impacte Ambiental e anuncia disponibilidade de verbas para 2006
  • 2006 - Obra é adiada para 2007, podendo ficar operacional em 2008.
  • 2007 -  Lançada a primeira pedra. Obras começam em abril. Em novembro a TAP desiste de transferir a manutenção e engenharia para Beja.
  • 2008 - Atrasos nas obras empurram conclusão para 2009.
  • 2009 -  Mais atrasos. Concessão do aeroporto passa para a ANA -Aeroportos de Portugal. Começa mais uma saga para a certificação da infraestrutura.
  • 2010 - A abertura é adiada para 2011. Tribunal de Contas projeto devido à “derrapagem orçamental” e com dúvidas quanto à “viabilidade económica”.
  • 2011 -  Primeiro voo - ainda sem certificação - a título excecional liga Beja a Cabo Verde. Passos Coelho toma posse e aeroporto de Beja sai do Plano Estratégico dos Transportes 2015. EDAB é dissolvida.
  • 2012 -  Criado grupo de trabalho para estudar soluções para o aeroporto. Governo avança com a privatização da ANA à empresa francesa Vinci.
  • 2013 - O INAC certifica o aeroporto para todos os tipos de tráfego aéreo, podendo Beja receber, a partir de agora, voos de passageiros.
  • 2014 -  Primeiros voos comerciais entre Paris e Beja. Serve de alternativa à Portela durante a final da Liga dos Campeões da UEFA disputada em Lisboa.
  • 2015 - Grandes projetos turísticos do Alentejo, não se concretizam. Companhias aéreas desinteressam-se
  • 2016 -  A ANA opta pelo segmento do parqueamento de aeronaves. Hi Fly, EuroAtlantic airways e SATA aparecem.
  • 2017 - Plataforma giratória entre operações para alguns operadores aéreos. Voos de aviação privada e charter com alguma regularidade.
  • 2018 -  A Mesa anuncia investimento de 30 milhões de euros na construção de um hangar para manutenção de aviões. O maior avião de passageiros do mundo, o A380, da companhia portuguesa Hi Fly aterra em Beja. Avião da Air Astana declara emergência, mas consegue aterrar no Alentejo em segurança.
  • 2021 -  Aeroporto recebe mais de uma centena de voos Premium. Vinci Airports admite vir a ampliar o aeroporto de Beja, caso haja interesse dos operadores.

 

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