Diário do Alentejo

“Às portas de Beja não se consegue ter rede de Internet”

24 de março 2022 - 12:20

Vítor Besugo, um dos participantes do XVIII Congresso Nacional da Anafre, que decorreu em Braga, de 11 a 13 de fevereiro, sublinha a importância do papel de proximidade prestado pelas juntas de freguesia aos cidadãos e manifesta a necessidade desse reconhecimento, por parte do Estado.

 

Texto José Serrano

 

No Congresso Nacional da Anafre, que decorreu no fim de semana de 12 e 13 de março, em Braga, apresentou uma moção relativa à necessidade de investimento nas acessibilidades digitais para o interior do País.

 

Quais as principais necessidades que elencou, através desta moção?

A moção que apresentei no congresso pretende combater as assimetrias digitais existentes no País, tirando partido da necessidade de implementação da rede 5G [quinta geração de comunicações móveis] no território, onde temos de ser inovadores e não ficarmos, como tantas outras vezes, para trás. A presença de uma rede digital com boa velocidade e sem falhas de comunicação poderá contribuir para atrair e fixar empresas e famílias às regiões do interior, como a nossa, através da possibilidade do desenvolvimento de realidades plausíveis como o teletrabalho, a telemedicina, o ensino online. A rede 5G será determinante para o interior do País e para o seu crescimento económico nos diferentes setores, com destaque para as áreas da agricultura, segurança, saúde, transportes públicos e energia.

 

Como classifica o estado das “estradas digitais” que existem, atualmente, na região?

Não nos podemos esquecer que existem freguesias, no distrito de Beja, que nem sequer coberturas de rede móvel ainda têm. A pandemia veio revelar de forma mais acentuada todos os problemas decorrentes dessa carência – familiares que se encontram numa outra região do País, ou no estrangeiro, não podem comunicar por telemóvel com os seus entes, nessas freguesias, por falta de acesso a redes móveis. Também no ensino essa privação se manifestou, pois houve alunos que não conseguiram marcar presença nas aulas online, por falta dessa mesma rede.

 

Essa insuficiência de rede digital é localizada ou existe, de um modo geral, por toda a região de Beja?

Essa carência existe, aqui, em vários concelhos. Mesmo ao pé de Beja, às portas de uma capital de distrito, existe um problema dessa natureza, muito vincado, na freguesia de Santa Clara de Louredo (conhecida por Boavista), onde não se consegue ter rede de Internet. Sei que existem outras dificuldades idênticas, de acesso do Pinto, no concelho de Serpa, e em freguesias de Aljustrel. Depois, há freguesias em que existe rede só numa determinada área, não existindo em outras – são as chamadas “zonas negras”. Foi para esta realidade que a moção, por mim apresentada, pretendeu alertar, para que haja investimento capaz de colmatar as assimetrias digitais que até agora se têm verificado entre o litoral e o interior.

 

Considera que essas necessidades revelam um alheamento, por parte dos responsáveis políticos, pelos territórios do interior alentejano?

Os políticos locais tentam sempre alertar o Governo acerca das dificuldades que se vivem no território. Os congressos da Anafre servem também para mostrar as grandes assimetrias que existem num país tão pequeno como Portugal, que contribuem para a desertificação dos territórios do interior, demonstrada nestes últimos censos da população (Censos 2021). Há ainda freguesias que não têm sequer uma caixa multibanco, para que as pessoas possam levantar dinheiro ou fazer pagamentos. Veja-se o atraso das acessibilidades físicas, o estado a que chegaram as estradas de Beja, onde não há uma autoestrada que ligue a cidade à capital. Isto vem já de há muitos anos. Há que tentar reverter essa situação, começar a olhar para o território de outra maneira.

 

No âmbito da moção que apresentou, quais as resoluções que considera urgentes serem tomadas?

A instalação de infraestruturas físicas de uma rede de telecomunicação e a criação de incentivos fiscais para quem pretenda instalar-se no interior do País. A pandemia veio demonstrar que, com boas autoestradas digitais, é possível optar por trabalhar e viver fora das grandes cidades. Observou-se que são muitas pessoas que preferem ir para territórios onde haja menos gente e mais espaço físico, para poderem respirar melhor. Há, pois, que criar essas condições, capazes de atrair famílias para o nosso território. Nesse sentido, a rede 5G poderá ser uma mais-valia.

 

Durante a sua comunicação, ao congresso, teve oportunidade de colocar outras considerações?

Coloquei, entre outras, a questão da necessidade de rever o valor do IMI rústico [Imposto Municipal sobre Imóveis dos prédios rústicos], que deverá ser aumentado, de acordo com o número de hectares. Consideramos que o existente é muito injusto, comparativamente ao IMI dos prédio urbanos, e dou um exemplo: uma família com dois filhos, que vive num apartamento T1 ou um T2, em Beja ou em Beringel, paga de IMI urbano 300 ou 400 euros, e depois tem grandes investidores, empresários agrícolas de amendoais e olivais, que a 500 metros da nossa casa pagam de IMI rústico 30 ou 40 euros, por 50 hectares. É uma injustiça o que se está a passar, a diferença é de um para 1000, de acordo com as contas que nos chegaram. Além disso, a verba do IMI rústico é a que vai para as juntas de freguesia, podendo ser, para estas, uma contrapartida financeira importante. Assim não o é. É preciso que haja uma revisão desse valor.

 

A reversão das freguesias agregadas foi outro dos temas em destaque no congresso, após a entrada em vigor, a 21 de dezembro de 2021, da nova lei que define o regime jurídico de criação, modificação e extinção de freguesias, que revoga a que ficou conhecida como “lei Relvas”, de agregação de freguesias. Quais as principais conclusões ou decisões resultante desta discussão?

O caminho já está a ser percorrido. Muitas freguesias já iniciaram este processo, a dar os primeiros passos no sentido da desagregação e a reposição das suas freguesias, com o pedido de apreciação nas assembleias de freguesia, para essas alterações. O passo seguinte será levar à assembleia municipal essa pretensão, para que, no fim deste processo, seja apreciada pela Assembleia da República. É um processo que já não tem volta a dar, as pessoas já estão a começar a avançar.

 

Crê que o argumento de poupança de recursos financeiros, utilizado, em 2013, para a agregação de freguesias, poderá pesar contra essa reversão ou, por outro lado, considera que essa argumentação se manifesta débil?

Só quem não conhece a realidade das freguesias é que pode achar que a “lei Relvas” veio contribuir para se poupar de forma significativa. Em praticamente todas as freguesias do distrito de Beja, o vencimento dos presidentes de junta é de 275 euros, auferindo o tesoureiro e o secretário 230 euros. Não é com esses valores que o Estado ia fazer uma poupança muito grande. Juntar freguesias para poupar dinheiro – não tem por onde se lhe pegue.

 

Das freguesias agregadas em 2013, na região de Beja, quais as que já lhe manifestaram a intenção de se desagregarem em duas ou mais novas freguesias, possibilidade prevista na nova lei?

Há, por todo o território, freguesias que pretendem a reversão da agregação de freguesias e a reposição das antigas. A União das Freguesias de Santa Vitória e Mombeja, em Beja, a União das Freguesias de Ferreira do Alentejo e Canhestros, a União das Freguesias de Vila Nova de São Bento e Vale de Vargo, em Serpa, são algumas das localidades, na região, a título de exemplo, que o pretendem.

 

Quando prevê que essa intenção possa ser uma realidade?

Penso que tal poderá acontecer muito em breve. Nas freguesias que pretendem a reversão estão desejando que esse dia chegue. Havia aqui uma falta de conhecimento relativamente aos procedimentos necessários para o fazer, mas julgo que, em pouco tempo, serão esclarecidas todas essas dúvidas, de acordo com a portaria criada.

 

Qual a posição que manifesta acerca da desagregação das freguesias, no território que representa como coordenador da Anafre?

Há que devolver a palavra às pessoas, são elas que sabem o que será melhor para elas. Elas é que sabem os serviços que perderam ou os que conquistaram. O território, de Barrancos a Odemira, é diferente, umas freguesias ganharam com a agregação, outras perderam. O importante é que sejam as pessoas de cada freguesa a decidirem o que é melhor para elas.

 

Considera, no entanto, que a agregação de freguesias se revelou, em alguns casos, socialmente prejudicial para os cidadãos?

Penso que com esta agregação se perdeu, em alguns casos, o trabalho de proximidade que as juntas de freguesia representam junto das populações. É, muitas vezes, nos edifícios da junta de freguesia que os cidadãos vão receber a reforma, pagar a água e a luz, marcar uma consulta para ir ao médico – há a tal proximidade para resolver os problemas. É às juntas de freguesia e aos seus presidentes a quem primeiro as pessoas recorrem, e isso faz toda a diferença.

 

Outro dos assuntos em debate, no congresso, relacionou-se com as despesas extraordinárias apresentadas pelas freguesias, estimadas em 40 milhões de euros, na ajuda a cidadãos afetados pela pandemia, valor que até agora ainda não foi ressarcido pelo Governo, que tem esse comprometimento. Há alguma nova informação face a este assunto? A Anafre sabe de que forma essas despesas vão ser apoiadas?

Num dos momentos da minha intervenção tive oportunidade de mostrar o meu desagrado, face a esta situação. As juntas de freguesia estiveram sempre na linha da frente no combate à pandemia. Nomeadamente, na aquisição de máscaras, géis e tapetes desinfetantes, no transporte de muitos idosos até à testagem e à vacinação, nos apoios que demos às escolas, para que nada falte para a sua segurança. Todos estes gastos extraordinários com a Covid-19, muito dispendiosos, têm sido reportados, mensalmente, para a Direção-Geral das Autarquias Locais. Certo é que, até ao momento, ainda não fomos ressarcidos de nenhuma verba. Penso que, acima de tudo, essa devolução seria um reconhecimento do Estado para com o trabalho desenvolvido pelas juntas de freguesia, neste combate.

 

Estamos a falar de uma parte importante das verbas que as juntas de freguesia, pertencentes à delegação de Beja, têm disponíveis?

É, sem dúvida, uma parte importante. Em Beringel, por exemplo, um território que tem cerca de 700 idosos: todos eles tiveram de ser vacinados e não podemos usar uma carrinha de nove lugares, tivemos de usar uma carrinha de três lugares, para garantir o distanciamento físico. São muitas viagens e isso significa uma grande despesa. Mas nós não podemos deixar as pessoas para trás. Estamos cá para que isso não aconteça.

 

Depreendo que ainda não foi avançada nenhuma data em concreto, por parte do Governo, para essa devolução…

Ainda não. Existe esse compromisso, ficamos a aguardar.

 

 

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APROVAÇÃO DA VERBA CONTEMPLADA NO OE 2022

Jorge Veloso, presidente da Anafre, em declarações à Lusa que precederam o congresso da associação, referiu que os autarcas esperam ver aprovada a verba que lhes tinha sido destinada na proposta de Orçamento do Estado para 2022 (OE 2022), que é, sublinhou, “somente o único Orçamento do Estado até hoje que cumpre a Lei das Finanças Locais, com 2,5 por cento de receitas de impostos do Estado a ser transferido para as freguesias”. De acordo com Jorge Veloso, o aumento previsto “é na ordem dos 15 por cento, para cada freguesia”, um valor a que se junta o montante global de 29 milhões de euros para que todas elas possam ter pelo menos um autarca a meio tempo. Vítor Besugo, Coordenador da Delegação de Beja da Anafre, manifesta que, a ser aprovada esta verba, inscrita no OE 2022, “este será, sem dúvida, o melhor orçamento de sempre para as juntas de freguesia”.

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