Diário do Alentejo

Parlamento defende proteção e valorização do barranquenho

06 de outubro 2021 - 10:00

Os projetos-lei do PS e do PCP que visam a proteção, valorização e reconhecimento do barranquenho e da sua identidade cultural, foram aprovados por unanimidade, em sessão plenária na Assembleia da República. Se estes projetos vierem a ser concretizados, o barranquenho tornar-se-á a terceira língua oficial em Portugal, a seguir ao português e ao mirandês.

 

Texto José Serrano*

 

A Assembleia da República aprovou por unanimidade os projetos-lei do Partido Socialista (PS) para “Proteção e Valorização do Barranquenho” e do Partido Comunista Português (PCP) para “Reconhecimento e Proteção do Barranquenho e da sua Identidade Cultural”. Todos os partidos concordaram com a necessidade de reconhecer, como língua oficial, e proteger, como manifestação cultural imaterial identitária, o barranquenho – falar típico do concelho raiano de Barrancos, que cruza português e espanhol. Os diplomas agora aprovados defendem que o barranquenho seja ensinado na escola, estudado e investigado.

 

Pedro do Carmo, deputado do PS e primeiro subscritor do documento, advoga a necessidade de espaço para a diversidade dentro da homogeneidade linguística do País, defendendo o “património linguístico enquanto traço identitário do património imaterial das populações”. A proposta do PS tem por base o Programa de Preservação e Valorização do Património Linguístico e Cultural de Barrancos, que tem vindo a ser desenvolvido pela Câmara Municipal de Barrancos, em conjunto com a Universidade de Évora.

 

O deputado comunista João Dias explicou que o projeto do PCP se diferencia por introduzir o reconhecimento da sua identidade cultural, dos hábitos e costumes do povo, as tradições, a gastronomia e a sua memória.

 

Os dois projetos, aprovados em sessão plenária, baixam agora à 12.ª comissão, sendo que ao serem concretizados torna o barranquenho a terceira língua oficial em Portugal, a seguir ao português e ao mirandês, reconhecida como segunda língua oficial do país, desde 1999.

 

ENTUSIASMO EM BARRANCOS

A notícia da aprovação dos dois projetos-lei foi recebida “com grande entusiasmo e muita satisfação” por parte da população de Barrancos, revela, em declarações ao “Diário do Alentejo” Maria Manuela Lopes, vereadora com o pelouro do património, da Câmara Municipal de Barrancos, que realça o facto de a decisão ter sido tomada por unanimidade: “Sentimo-nos orgulhosos pelo reconhecimento, dos diversos quadrantes políticos, da importância deste projeto de defesa e valorização do barranquenho, que a todos engrandece”.

 

A vereadora sublinha a importância deste reconhecimento, “ao mais alto nível” considerando-o “um grande passo na prossecução de todo o trabalho que tem vindo a ser desenvolvido” para a proteção e valorização do barranquenho: “A língua barranquenha é parte integrante da identidade cultural de Barrancos e de todos os barranquenhos. Esta aprovação vê reforçada a sua auto estima e eleva o seu patamar de coesão enquanto comunidade que se desenvolveu entre contactos, recebendo influências diversas, que resultam numa marca e identidade cultural muito própria – reconhecendo, no fundo, que se é português mas sobretudo barranquenho!”.

 

CONSOLIDAR O BARRANQUENHO

Maria Manuela Lopes refere que o projeto de Preservação e Valorização do Património Cultural do Barranquenho, que envolve “o meio científico e o município, motor desta iniciativa”, de tão vasto, “está a dar os primeiros passos no caminho da sua consolidação” e que deverá chegar mais longe, envolvendo toda a comunidade de falantes de barranquenho: “Consideramos que a concretização do Centro Interpretativo do Barranquenho será um grande contributo para concretizar este objetivo. Ter um espaço físico onde podemos aceder a informação, apreciar a exposição de objetos, consultar documentos científicos, entre outras atividades, funcionará como elemento agregador de toda a comunidade”.

 

Para além das funções de preservação da língua e de valorizarão identitária da comunidade, o reconhecimento da língua barranquenha poderá “ser mais um elemento a atrair visitantes a este território”, considerando haver a necessidade “de integrar todos os traços identitários de Barrancos e oferece-los como ‘pacote turístico’”.

 

A vereadora informa ainda a intenção de o barranquenho, no futuro, “passar de língua oral para língua escrita”, sendo possível usá-lo oficialmente “em situações muito específicas”, e simultaneamente “ser apoiado pelas mais diversas instituições na sua construção, enquanto veículo de ensino e afirmação”.

  • Com Lusa

 

LÍNGUA HÍBRIDA SEM TRADIÇÃO ESCRITA

O barranquenho é uma língua híbrida sem tradição escrita, única no mundo pelo seu caráter misto de português e espanhol, atualmente falada pelos cerca de 1.300 residentes daquela região. Segundo a Câmara Municipal de Barrancos, o barranquenho é o resultado do contacto entre o português, com sotaque alentejano, e o espanhol, nas variedades andaluza e estremenha, estando a sua origem ligada aos assentamentos de súbditos do reino de Castela na Idade Média à volta do Castelo de Noudar.

 

Já as professoras universitárias Maria Victoria Navas e Clara Barros referem que o barranquenho “apresenta traços particularmente arcaizantes e marcas de uma forte influência do espanhol”. E acrescentam: “Tais características explicam-se pela especificidade da sua localização e da sua história – marcadas pelo isolamento no contexto português e pela continuidade de povoamento espanhol”. De acordo com estas académicas, o isolamento “foi um fator de manutenção do dialeto”, já que as ligações eram más em todas as direções, mas sobretudo precária a comunicação em relação ao lado português, “sendo recente” a ligação a Moura. “Os contactos culturais e humanos com a Espanha, a escassos nove quilómetros, foram sempre mantidos. Daí a presença de aspetos culturais de nítida influência espanhola como os touros de morte, o folclore andaluz, as romarias, e os festejos natalícios com canções espanholas”, sublinham.

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