Diário do Alentejo

Projeto-piloto para regadio em Alqueva alvo de críticas

19 de agosto 2021 - 09:15

A criação de um projeto-piloto para as culturas de olival e amendoal na zona de influência de Alqueva e para as culturas hortícolas no Aproveitamento Hidroagrícola do Mira – bem como para a produção de abacate no Algarve – estão a ser alvo de duras críticas dos agricultores: “inapropriada”, “aberração” e “mais do mesmo” é a forma como as várias associações representativas do setor se referem ao documento. Já o movimento Juntos Pelo Sudoeste considera que a Resolução do Conselho de Ministros não passa de uma “repescagem” de legislação antiga.

 

Texto Aníbal Fernandes

 

Segundo a Resolução de Conselho de Ministros n.º 97/2021 de 27 de julho de 2021, o que se pretende é “a promoção de uma agricultura moderna, competitiva e orientada para os mercados, que contribua para o crescimento económico, o emprego e o equilíbrio das contas externas, capaz de assegurar uma alimentação segura e saudável, com uma utilização sustentável dos recursos naturais (solo, água, biodiversidade), que responda aos efeitos das alterações climáticas e que contribua para a coesão social e territorial”.

 

No preâmbulo da resolução, o Governo diz que “uma agricultura mais produtiva, competitiva nos mercados internacionais, e para uma maior resiliência da atividade produtiva face à grande variação interanual da precipitação e ao agravamento do índice de aridez e das secas, devido ao fenómeno das alterações climáticas, pelo que importa manter esta dinâmica, criando melhores condições para o aumento do rendimento dos produtores, de forma a tornar a atividade agrícola mais rentável, atrativa e competitiva, promovendo a fixação de pessoas nas regiões de menor densidade populacional, e contribuir para a redução do défice da balança comercial do setor agroalimentar”.

 

Para isso, o Governo decidiu-se pela criação de um projeto-piloto para as culturas de olival e amendoal, na Zona de Influência de Alqueva, para as culturas protegidas no Aproveitamento Hidroagrícola do Mira e para a cultura de abacate no Algarve.

 

A Confederação dos Agricultores Portugueses (CAP) foi a primeira organização de agricultores a reagir à medida anunciada pelo Governo considerando que a visão do executivo socialista sobre agricultura intensiva é “uma verdadeira aberração”, vai acabar com a “iniciativa empresarial” e que favorece os “setores extremistas da nossa sociedade”.

 

Já a Confederação Nacional de Agricultores, pela voz do dirigente Joaquim Manuel Lopes, diz que a medida “é mais do mesmo” e não passa de uma “tentativa de passar a ideia de que está tudo controlado” no que se refere ao modo intensivo de fazer agricultura.

 

Por seu lado, a Federação das Associações de Agricultores do Baixo Alentejo (Faaba) considera “a oportunidade para a realização deste estudo completamente inapropriada e que só se justifica, não por questões técnico-científicas, ambientais, sociais e económicas, mas sim para dar cobertura a clientelismo político de partidos que ainda viabilizam a governação atual”.

 

A Faaba acusa o Governo de ignorar “um estudo recentemente solicitado pelo Ministério da Agricultura à EDIA sobre a cultura do olival na área do EFMA” e cujas conclusões “referem um conjunto de boas práticas agrícolas e ambientais, incluindo a prática de sistemas de produção integrada e a adoção de tecnologias de precisão para uso eficiente da água que tornam esta cultura, tipicamente mediterrânica, competitiva e sustentável”.

 

A organização dos agricultores do Baixo Alentejo recorda ainda que “a área de culturas ditas intensivas no Alentejo que tiram partido do regadio representará, no futuro, não mais do que 15 por cento da superfície agrícola utilizada total da região” e critica o Governo pela falta de “uma visão macro sobre a vasta região do Alentejo, considerando a multifuncionalidade dos sistemas de produção existentes”, e por “preferir inventar mais legislação para regulamentar a agricultura intensiva, como se esta prática constituísse um crime de lesa pátria por parte dos agricultores”.

 

Também a CAP garante que os agricultores desconhecem qualquer estudo que revele desequilíbrios entre a atividade agrícola, ambiente e conservação dos recursos naturais, que possam justificar um projeto-piloto para as regiões e culturas em causa.

 

“ABRE ESPAÇO A TUDO”

 

Por sua vez, a CNA diz que esta resolução “abre espaço a tudo”, nomeadamente, ao “alargamento dos perímetros de rega”. “A terra é o mais importante instrumento de produção que o homem tem à sua disposição para produzir a sua alimentação” e, como tal, “deve estar ao serviço do povo português e da sua alimentação bem como ao serviço da estratégia produtiva do país e não dos interesses dos grandes proprietários ou do grande capital financeiro, cujo objetivo central é explorar os solos até à exaustão e ganhar o mais possível no menor espaço temporal, ou dos interesses políticos que representam os anteriores”, defende Joaquim Manuel Lopes.

 

A CAP, por seu lado, considera “extremamente grave” que o Estado confunda a atividade de grande parte dos agricultores com a atividade de operadores “pouco escrupulosos e oportunistas” e exige o abandono do projeto criticando o recurso à figura das resoluções que considera uma “forma encapotada” de legislar.

 

A Faaba recorda que “os agricultores são os primeiros interessados em cumprir os requisitos de sustentabilidade global das suas explorações” e que são eles “que contribuem para a soberania alimentar nacional e ao mesmo tempo são os guardiães de biodiversidade, tornando-se nos verdadeiros ambientalistas praticantes.

 

“Por tática puramente política, em vez de se basear em conhecimento técnico-científico já produzido, o Governo encomenda novos estudos, legisla avulso, ao sabor de crenças de ambientalistas radicais que não conhecem o território e que militam em forças políticas minoritárias”, acusam os agricultores do Baixo Alentejo.

 

JUNTOS PELO SUDOESTE CRITICA

 

O movimento Juntos pelo Sudoeste (JPS) salienta, em comunicado, que a região-piloto que o Governo pretende criar “configura nem mais, nem menos do que uma sobreposição de regimes jurídicos, ou seja, ‘do velho se faz novo’ sem que o ‘velho’ tenha sequer sido devidamente aplicado”. Esta organização ambientalista relembra que a Diretiva 2011/92/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, preconiza “a avaliação da vertente ambiental, económica, laboral e até de responsabilidade social” de qualquer projeto a desenvolver no Perímetro de Rega do Mira, que é, simultaneamente, Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina (PNSACV) e Rede Natura 2000” e denuncia a prática recente que tem sido de “constante contorno” deste instrumento. Por outro lado o JPS considera que uma resolução do Conselho de Ministros não se sobrepõe a “um decreto-lei, como é o caso do que institui a avaliação de impacto ambiental”, e desconfia que a intenção seja “criar um mecanismo, paralelo, menos exigente, que os produtores possam usar para dizer que as suas explorações são avaliadas dos pontos de vista ambiental, económico, laboral e da responsabilidade social”.

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