Diário do Alentejo

Projeto científico estuda costa alentejana

12 de agosto 2021 - 12:30

Uma equipa de investigadores do Laboratório de Ciências do Mar da Universidade de Évora está a desenvolver no litoral alentejano o projeto “Apoio à Rede Nacional de Arrojamentos – Rede Regional Alentejo (Arrojal)”, que visa a criação “de uma rede regional de arrojamentos de cetáceos e tartarugas marinhas ao longo da costa alentejana”, de Troia a Odeceixe. Tem como objetivos essenciais compilar informação sobre “as espécies de mamíferos e repteis marinhos arrojados”, avaliar as causas de morte, e recolher amostras biológicas. 

 

Texto Júlia Serrão

 

A 10 de maio, os investigadores responderam ao primeiro alerta de arrojamento de um animal morto. O animal, identificado como sendo um golfinho comum, encontrava-se junto à Lagoa da Sancha, em avançado estado de decomposição. Até 1 de agosto, os dois biólogos do Laboratório de Ciências do Mar da Universidade de Évora (Ciemar) e investigadores do Centro de Investigação em Ciências do Ambiente (MARE) da mesma universidade, tinham recebido mais dois “alertas de arrojamento” de animais marinhos na costa alentejana – situação que acontece quando o animal encalha, geralmente na praia, sem conseguir voltar para a água.

 

“Também estavam mortos”, observa Francisco Neves, acrescentando que os arrojamentos de animais mortos são mais frequentes do que os de animais vivos. Nestes casos, a equipa faz a identificação, avalia a causa de morte e “recolhe amostras biológicas que permitam caracterizar a biologia e ecologia das espécies”, contribuindo para “as coleções do banco nacional de tecidos de animais marinhos”. O novo projeto visa ainda “o aumento da literacia dos oceanos e a divulgação científica”.

 

A recolha de dados contribui para um maior conhecimento das espécies, mas também para “perceber das suas interações” com o ser humano que, segundo o biólogo, são uma das principais causas dos encalhamentos a nível nacional. “Estamos a falar, por exemplo, da captura acidental com redes ou outras atividades humanas”.

 

Teresa Silva, uma das coordenadoras do projeto, comenta que os arrojamentos resultam “essencialmente da interação” dos animais “com as artes de pesca”. A bióloga Ciemar e investigadora do MARE explica que os animais “são acidentalmente capturados nas redes” quando vão alimentar-se de peixe. “Acontece com as tartarugas, como com os mamíferos marinhos. Mas muitas vezes, ao ficarem presos e submersos para além da sua capacidade, os golfinhos também se afogam. Todas essas questões ficam marcadas, e é possível saber [o que sucedeu] através da necropsia.”

 

O número de ocorrências até ao momento não permite concluir quais os animais que mais arrojam na região, mas Margarida Rolim, a investigadora que completa a equipa no terreno, refere que, “a nível nacional, nas outras redes, é o golfinho comum”.

 

ALERTAS E PATRULHAMENTO

 

A equipa tem como base principal o Laboratório de Ciências do Mar da Universidade de Évora, em Sines. No Laboratório Monte do Paio, instalações cedidas pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Floresta (ICNF), situado na Lagoa de Santo André, fazem-se as necropsias [autópsias].

 

Para além de dar resposta aos “alertas de arrojamento” – através da rede social do projeto no Facebook, a população é sensibilizada a alertar estes casos, dando-se recomendações de como agir – os dois investigadores fazem monitorizações, patrulhando uma vasta área de atuação, que tem muitos locais de acesso difícil e, por isso, com “pouca visitação”. A articulação com as entidades com jurisdição na zona intervencionada, desde a Polícia Marítima ao ICNF, vigilantes da natureza, autarquias, a nadadores-salvadores, foi uma prioridade desde o início do projeto, de acordo com Francisco Neves. “São contactos importantes também para nos darem os alertas, já tendo resposta na área. Portanto, o que a nossa equipa vem fazer é, de certa forma, encaixar-se nesta cadeia de contactos e ser mais um elo na resposta ao arrojamento”.

 

Na situação de um encalhamento vivo, o papel dos investigadores é muito mais redutor. “Faz-se apenas as medições, pois o principal objetivo é o bem-estar e a recuperação do animal”, justifica o biólogo. O trabalho da equipa passa por dar “auxílio às autoridades competentes”, devendo os animais serem transportados para o Centro de Reabilitação de Animais Marinhos de Aveiro ou para o porto de abrigo do Zoomarine, no Algarve. “A ideia no arrojamento vivo será sempre tentar manter a vida do animal, de modo a poder ser libertado no seu meio. Mas a grande maioria destes casos não tem um fim positivo porque os animais quando arrojam vivos é porque já não estão bem”, esclarece Teresa Silva.

 

A par da comunicação em rede social própria, dando conta das atividades relevantes, das ações de formação e instruindo como proceder perante o encalhamento de animais, o projeto Arrojal tem uma vertente de divulgação científica, que “pretende chegar ao máximo de pessoas”, esclarece Margarida Rolim. Os investigadores dão conta de que está a ser planeada uma atividade nesse âmbito que, em princípio, terá lugar nas praias. A ideia é explicar o projeto, o trabalho da equipa, e sensibilizar as populações “para os perigos que estas espécies atravessam no mar alto e no seu quotidiano”, resume Francisco Neves, referindo ainda que o projeto visa também o estudo “da biologia e da ecologia das espécies” marinhas que ocorrem na costa alentejana.

 

REDE NACIONAL DE ARROJAMENTOS

 

Resultado de uma colaboração entre a Universidade de Évora e o Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), com financiamento do Fundo Ambiental, a Rede Regional Alentejo pretende dar apoio à Rede Nacional de Arrojamentos, coordenada pelo ICNF, que está dividida em redes regionais. Trata-se de um projeto de um ano – na prática só começou em maio, mas termina em dezembro –, não havendo certezas quanto à sua renovação. Os investigadores esperam que possa continuar por muitos mais anos, “porque é importante e pelo investimento que se está a fazer, nomeadamente a nível da formação”, observa Teresa Silva. “Só faz sentido pensar no Arrojal como o início de um projeto que vai durar muito tempo. Enquanto houver animais, eles vão arrojar e, por isso, este trabalho faz todo o sentido a longo prazo”. Os três investigadores esperam que haja interesse também das entidades estatais de continuar com a rede do Alentejo, a par das duas outras existentes há já vários anos, a do Norte e a do Algarve.

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