Os imigrantes vêm para o Baixo Alentejo, em geral, e para a Costa Vicentina, em particular, em busca do ‘El Dorado’, mas o sonho sai-lhes demasiado caro. Pagam a regularização, pagam muito por habitações superlotadas e contribuem, ainda, para a desregulamentação do mercado de trabalho. Aqueles que são originários da Ásia despendem, em média, cerca de 10 mil escudos só para o processo de imigração.
O estudo, de 2019, “O impacto da imigração no setor agrícola: o caso do Alentejo”, de João Carvalho e Sandro Teixeira, financiado pelo Fundo de Asilo, Migrações e Integração, do Alto Comissariado para as Migrações, revela que a maioria dos trabalhadores agrícolas que acedem à Costa Vicentina, têm como principal objetivo a regularização da sua situação de emigrante para, depois, mudarem para outros destinos. Para isso, chegam a pagar 10 mil euros às redes de tráfico nos países de origem.
As explorações de frutos vermelhos do litoral alentejano necessitam de muita mão-de-obra para operarem e funcionam como “uma espécie de placa giratória” para estes trabalhadores sazonais, diz João Carvalho, doutorado em Ciência Política pela Universidade de Sheffield, no Reino Unido, e investigador do Instituto Superior Universitário (Iscte), da Universidade de Lisboa.
“Os imigrantes imaginam o ‘El Dorado’ da Suécia e não o ordenado mínimo de 600 euros que vêm ganhar em Portugal”, mas onde, se conseguirem entrar para o mercado de trabalho, podem regularizar a sua situação. “A vulnerabilidade das pessoas quando estão ao serviço destas empresas é elevada, roça o ilegal e legal”, denuncia.
A investigação aponta uma enorme desregulamentação do mercado de trabalho resultante das numerosas empresas de prestação de serviços e recursos humanos cujo lucro tem por base a exploração ilegal dos trabalhadores estrangeiros através da intermediação com os empregadores. A fiscalização da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) torna-se difícil uma vez que as ditas empresas abrem e fecham com muita rapidez.
Os especialistas apontam ainda para responsabilidades do Estado nesta situação que, no seu entender, deveria promover acordos bilaterais para a contratação de mão-de-obra nos países de origem de forma a diminuir o valor cobrado pelos traficantes e são da opinião que os custos da regularização deveriam ser suportados, em parte, pelos empregadores.
A legislação portuguesa devia também ser adaptada devido ao caráter sazonal da atividade e não obrigar os trabalhadores a fazer contribuições para a segurança social durante 12 meses. A criação de um subsídio de desemprego pago pelas empresas beneficiadas é outra das propostas apontadas e que é vista como a forma de promover a fixação dos trabalhadores na região. Para a escassez de habitação e para combater os preços inflacionados da mesma, o estudo propõe a criação de albergues comunitários, geridos por entidades públicas, onde seria fornecido apoio social, jurídico, protegendo, assim, os trabalhadores das redes de traficantes.
MP E SEF INVESTIGAM
O Ministério Público de Odemira tem em curso 11 inquéritos sobre auxílio à imigração ilegal para efeitos de exploração laboral. A que se somam 32 inquéritos do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) a decorrer em diversas comarcas do Alentejo, seis dos quais em Odemira, pelos crimes de tráfico de pessoas, auxílio à imigração ilegal e angariação de mão-de-obra ilegal.
Fonte do SEF sublinha que a instituição tem vindo “a acompanhar de perto a permanência e a atividade de estrangeiros no Alentejo, em especial os que trabalham nas explorações agrícolas intensivas”. Ainda segundo a mesma fonte, desde 2018, na região do Alentejo, foram detidos 11 suspeitos e constituídos arguidos 37 pessoas e 14 empresas, tendo ainda sido sinalizadas, no mesmo período, 134 vítimas de tráfico de pessoas para exploração laboral.
O SEF frisa que, a troco de trabalho, os angariadores prometem alojamento, alimentação, transporte e salário, emitindo e assinando contratos com referências a subsídios de alimentação, a folgas, férias e a horários de trabalho.
MAIS DE 9600 IMIGRANTES
Segundo dados provisórios do SEF, residem legalmente no concelho de Odemira 9615 imigrantes legais, 2353 dos quais cidadãos do Nepal e 2328 da Índia, seguidos por cidadãos da Bulgária (930) e da Tailândia (785), que trabalham na agricultura, sobretudo nas estufas.
Entretanto, o sindicato que representa os inspetores do SEF acusou o Governo de ter permitido a “escravização dos migrantes”, recordando que em 2018 denunciou a situação dos trabalhadores agrícolas sazonais no Alentejo. O presidente do Sindicato da Carreira de Investigação e Fiscalização do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SCIF/SEF), Acácio Pereira diz que, além do sindicato ter denunciado as situações de exploração, o próprio SEF reportou no Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) a existência de casos de tráfico de seres humanos e crimes conexos ligados à questão dos migrantes em Portugal.
“O Governo tem andado a dormir e mais concretamente o senhor ministro da Administração Interna fazendo de conta que a situação não existe, permitindo que as empresas escravizem os trabalhadores, porque é de escravização que estamos a falar, permitido que esse trabalho entre na economia e que essa miséria humana continue a existir”, critica o presidente do sindicato.