Diário do Alentejo

Académico da UE contra “falácia” dos novos olivais

08 de abril 2021 - 16:40

Mário Carvalho, investigador do Instituto Mediterrâneo para a Agricultura, Ambiente e Desenvolvimento, defende que “a ideia de que esta nova agricultura veio trazer trabalho e dinamismo ao Baixo Alentejo é uma falácia. As populações periféricas continuam desempregadas”.

 

Texto Rita Palma Nascimento

 

É com a convicção de que apenas uma nova agricultura poderá fazer face à emergência climática no Alentejo, que Mário Carvalho, investigador do MED - Instituto Mediterrâneo para a Agricultura, Ambiente e Desenvolvimento, defende o modelo de agricultura de conservação, “uma agricultura que produz mais, consumindo menos recursos e utilizando técnicas antigas como as sementeiras diretas, a rotação de culturas que aumentam a resiliência dos ecossistemas e a devolução dos resíduos ao solo de origem”.

 

Segundo o investigador, a primeira resposta no combate às alterações climáticas é a melhoria das condições do solo. “Conseguindo elevar o atual teor de matéria orgânica de um para três por cento (valor à data da primeira grande campanha de trigo) será possível aumentar a capacidade de retenção de água útil no solo, uma vez que será possível a sua infiltração em maior escala”.

 

Mário Carvalho avança ainda que a percentagem de água da chuva que escorre nos terrenos agrícolas, por degradação dos mesmos, supera aquela que atualmente se perde por alterações do clima. Importará, então, segundo a sua perspetiva, aumentar a eficiência da atividade agrícola, com o objetivo de conciliar economia e ambiente. Numa breve explicação: “Só há gestão da fertilidade do solo se, em parte, o carbono produzido pelas plantas através da fotossíntese ficar disponível para alimentar a matéria orgânica” e isto consegue-se através “da manutenção dos resíduos das culturas sobre os terrenos”.

 

Sobre os resultados concretos do desenvolvimento e aplicação do modelo de agricultura de conservação, o investigador refere ter sido possível, através de métodos inovadores, aumentar progressivamente a produção reduzindo o consumo de pesticidas, fertilizantes e água. “O projeto (que está a desenvolver no MED) tem atualmente 20 anos e a produtividade das culturas continua a aumentar”.

 

Mas será este um modelo aplicável e extensível ao restante território? “As dificuldades de expansão são de duas naturezas, desde logo a política de financiamento público da agricultura, capaz de criar nos empresários um certo imobilismo, conforto e renitência à mudança. É uma atividade de grande risco em que é necessária uma visão mais alargada” para se sair da zona de conforto. Depois existem as questões técnicas pois, acrescenta, “é necessário apoio para efetivar a transição, uma vez que a agricultura de conservação é um sistema muito diferente e que tem necessidade de um diagnóstico constante. Isso requer capacidade científica e técnica”.

 

Por outro lado, Mário Carvalho evidencia a importância da transmissão de conhecimento entre cientistas e agricultores, considerando prioritária a investigação multidisciplinar, a longo prazo, com base na aplicação. “A ciência em Portugal privilegia investigações disciplinares a curto prazo e com pouca ligação à aplicação. Do conhecimento produzido, muito pouco chega aos agricultores, deixou de haver um sistema de extensão rural”, que era da competência do Ministério da Agricultura.

 

Num aprofundar da questão, afirma que “não há solução tecnológica agrícola que não considere as condições locais”, especificidade dos solos, do clima e da disponibilidade de água, tema sensível ao investigador. “A produtividade da água é uma questão central no contexto da agricultura mediterrânica. O que está a acontecer no Alentejo, nomeadamente nas áreas regadas pelo Alqueva é a forma como se encara o investimento e a disponibilidade de água, a fim de se conseguir uma agricultura supostamente competitiva. Que não é. A água está a ser vendida a baixo do custo e está a ser subsidiada pelo contribuinte”.

 

Mário Carvalho lembra que o perímetro de rega de Alqueva “está a ser palco do crescimento das culturas intensivas, como olival e amendoal”, sendo que este último “assume um consumo de água três vezes superior”. Em situação futura de seca recorrente e extrema, segundo apontam os estudos, “as amendoeiras serão as primeiras a sofrer, mas também não vai haver água disponível para os restantes sistemas. A água é um bem estratégico para a sustentação dos sistemas agro-silvo-pastoris, por exemplo, que é o modelo agrícola que verdadeiramente permite a sustentação do território, capaz de aumentar a resiliência dos ecossistemas. O que acontece é que não estando o Alqueva ligado em rede às restantes barragens, estamos a desligá-lo da sua principal função, a sustentação deste território”.

 

DESCIDA DO PREÇO DO AZEITE SERÁ “PROBLEMA SÉRIO”

 

Em declarações ao “DA”, Mário Carvalho alerta para a possibilidade de “muitos” dos projetos de agricultura superintensiva instalados no perímetro de rega de Alqueva]” puderem “vir a falir” a médio prazo. “É a lei do mercado, da oferta e da procura. O preço do azeite desceu consideravelmente e há excedente no mercado. Não vai dar para todos e haverá lugar a imparidades, o que será um problema sério para a região e para o país”. Do ponto de vista social, defende, estes modelos de agricultura intensivos “também não estão a ter o impacto desejado, uma vez que a maioria das empresas é estrangeira, que a mão de obra qualificada é sobretudo espanhola e que para o trabalho não qualificado são contratados imigrantes que vivem em condições deploráveis. Portanto, a ideia de que esta nova agricultura veio trazer trabalho e dinamismo à região é uma falácia. As populações periféricas continuam desempregadas”. Segundo Mário Carvalho, a pergunta que se coloca é simples: “Estará o Estado a recuperar o investimento feito, tendo como contrapartida o benefício público” e a redução do impacto das alterações climáticas no Alentejo?

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