Diário do Alentejo

Odemira espera há 30 anos por nova estrada

25 de março 2021 - 09:35

Passam agora 10 anos desde que o “Estudo de Avaliação da Rede Rodoviária Nacional no Litoral Alentejano e Algarvio” foi divulgado publicamente e prontamente contestado pela Câmara de Odemira. Mas a história do IC 4 – é disso que se trata - começa em 1991. Três décadas depois, o segundo concelho mais populoso do distrito de Beja continua tão distante – ou mais – do resto do país. E, aparentemente, este parece ser um caso perdido.

 

Texto Aníbal Fernandes

 

Em linha reta a distância entre Odemira e Beja é de 82 quilómetros, mais uma dezena por estrada. Uma hora e 24 minutos para fazer um percurso que, com melhores acessibilidades, poderia demorar menos um terço do tempo. Sines, por exemplo, que integra o distrito de Setúbal, está a 99 quilómetros da Pax Julia, mas o percurso, por estrada, demora apenas uma hora e 16 minutos.

 

Em 1991, quando do estudo prévio do Plano Rodoviário Nacional, foi decidido projetar e avaliar a ligação entre Sines e Lagos (IC4), ligação essa que beneficiaria em muito o concelho de Odemira. Dois anos depois, em 1993, o estudo concluía que o traçado não era compatível com o estatuto da Área Protegida do Parque Nacional do Sudeste Alentejano e Costa Vicentina.

 

Perante este “constrangimento” o documento propunha “como alternativa” beneficiar e requalificar as estradas nacional 120 e 263 – que ligam Odemira, respetivamente, a Sines e Ourique – ou uma solução em perfil de itinerário complementar (IC) “mais para o interior”.

 

Os anos passaram e nada foi feito. O segundo Governo de José Sócrates, em 2007 – já acossado pela crise - deixou cair o projeto que, em 2010, Passos Coelho haveria de repor na agenda no âmbito da Rede Rodoviária Nacional do Litoral Alentejano e Algarvio, a tal ligação entre Sines e Lagos: o famigerado IC 4, em cujos objetivos estava referenciado melhorar as ligações entre Odemira e Beja, Aljezur, Sines e Santiago do Cacém.

 

É aqui que a história se complica. O estudo – que o “Diário do Alentejo consultou – “multissetorial, moroso e complexo”, avaliou vários cenários e culminou numa proposta que, em síntese, deixava tudo na mesma, ou mais ou menos. E, agora, passados dez anos, a concretização do IC 4 (ou outra alternativa) continua fora do Plano Nacional de Investimentos e do Plano de Resiliência e Recuperação

 

UM CASO PERDIDO?

 

“Continuamos a lutar pela sua concretização”, garante o presidente da Câmara de Odemira. José Alberto Guerreiro tem o diagnóstico feito: “As atuais acessibilidades alternativas são as vias centenárias das EN 120 e EN 263, que nos permitem o acesso ao Algarve e ao IC 1, ambas com percursos distantes de quase 50 quilómetros à sede do concelho, que se apresentam muito desgastadas, com bermas estreitas e perigosas e pavimento esburacado e com muitas depressões junto à berma, agravando as condições de segurança e acrescendo a sinistralidade rodoviária, só disfarçada nos números atuais devido à redução de tráfego imposta pelas condicionantes decorrentes da pandemia de covid-19”.

 

Hélder Guerreiro, atualmente vogal do Alentejo 2020 na Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Alentejo (CCDRA) e ex-vice-presidente da Câmara de Odemira, há muito que refere publicamente ao tema. Na última semana voltou a colocar o assunto nos media, mais propriamente na crónica que apresenta na Rádio Pax.

 

O ex-autarca não está otimista em relação à resolução do problema. Desde logo porque não está na agenda de investimentos governamental e, aparentemente, está fora do famoso PRR e da sua bazuca e teme que com o andar da carruagem se privilegie a ligação Sines-Beja o que, na sua opinião, “é errado, por apenas beneficiar os grandes centros urbanos”.

 

Este cenário aponta para uma “separação do Litoral Alentejano do Baixo Alentejo”, afirma Hélder Guerreiro, que veria com bons olhos a discussão no próximo quadro comunitário de “perspetivas conjuntas entre as Comunidades Intermunicipais do Litoral Alentejano (Cimal) e do Baixo Alentejo (Cimbal)”, à imagem do que acontece para, por exemplo, à gestão da água e dos resíduos urbanos.

 

O vogal do Alentejo 2020 teme que o futuro próximo traga um afastamento de Odemira do distrito de Beja com consequências nefastas para a “representatividade” da região, nomeadamente, “ao nível da representatividade na Assembleia da República”, com a integração do concelho num círculo do Litoral Alentejano e a perda inevitável de um deputado pelo Baixo Alentejo. “Temos discutido o assunto e acho que a ligação desejável é a Beja. É preciso inverter a situação, se não investirmos na ligação das pessoas aos serviços existentes, as populações descobrem outras maneiras mais fáceis”, como por exemplo já acontece com o recurso a serviços de saúde no Algarve, concretiza Hélder Guerreiro.

 

José Alberto Guerreiro não vê que o facto de Odemira estar, por um lado, ligada ao distrito de Beja e, por outro ao Litoral Alentejo seja um fator inibidor para o encontro de uma solução para este problema: “Julgamos que não. A decisão é política, de âmbito nacional e de estratégia para a valorização e potenciação da região de Odemira, Aljezur, Vila do Bispo e Lagos, e como tal consideramos que são estes os concelhos diretamente ligados a esta pretensão e não podemos esperar que as sub-regiões a Norte de Odemira ou a interior deste possam ser determinantes na sua reivindicação”.

 

E nem o potencial interesse de Beja, e do Baixo Alentejo, numa ligação ao litoral através de Odemira o fazem mudar de opinião: “As acessibilidades são importantes e condicionam a atração de investimento para o concelho, prejudicando a economia local e do país. Porém, mesmo nesse quadro, continuamos a afirmar Odemira, ano após ano, com mais riqueza e emprego, pelo que num futuro breve será o País a concluir que esta via é fundamental e inadiável, tendo todos a ganhar com a sua concretização”.

 

ACESSOS FACILITADOS

 

Luís Oliveira, comandante dos Bombeiros Voluntários de Odemira não tem dúvidas de que a construção do IC4 “ia facilitar o acesso aos hospitais” que hoje são encaminhados, no caso dos utentes da zona Sul do Concelho, para Portimão e, os restantes, para o hospital de referência, em Santiago do Cacém. E constata que “a reestruturação territorial que colocou Odemira no litoral” teve como consequência o afastamento em relação a Beja: “Ainda estamos no distrito de Beja, porque ainda há distritos”, conclui.

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