Diário do Alentejo

“Não há conhecimento desligado do compromisso social”

09 de março 2021 - 16:15

Historiador e arqueólogo, docente universitário, um dos pioneiros do Campo Arqueológico de Mértola, ex-presidente da Câmara de Moura, Santiago Macias, de 57 anos, é o novo diretor do Panteão Nacional, em Lisboa. Escolhido através de concurso internacional, entra em funções a 1 de abril. O mandato é de três anos.

 

Texto Carlos Lopes Pereira

 

“Não pode haver prática ou conhecimento científico desligado do compromisso social”, defende Santiago Macias, que acaba de ser anunciado como novo diretor do Panteão Nacional, em Lisboa. Em entrevista ao “Diário do Alentejo”, o historiador revela que a divulgação do Panteão Nacional junto da juventude é uma das áreas em que pretende desenvolver iniciativas, “porque o conhecimento da História e a preservação da memória coletiva são matérias fundamentais”.

 

Como é que um historiador e arqueólogo, com longos estudos e vasta bibliografia sobre o Islão em Portugal, “aparece” agora como diretor do Panteão Nacional, em Lisboa?

Não vejo este novo cargo exatamente como uma “aparição”. Se há coisa que rejeito é a ideia de carreira formatada e rígida. Quem começa a fazer História Medieval é obrigado a fazer História Medieval toda a vida? Não me parece... Nunca deixei, nem deixarei, de trabalhar sobre o período islâmico. Mas tenho-me permitido inúmeras outras experiências que não vejo como um capricho diletante. Ao contrário, aplico-me a fundo e tento fazer o melhor possível. Assim foi na Câmara de Mértola, assim foi na presidência da Câmara de Moura, assim será no Panteão. E são, todos eles, temas “aparentados”. Repare que, depois de 12 anos como autarca, o que mais senti foi a necessidade de outro grande desafio. Quando abriram as candidaturas, achei que o Panteão Nacional se adequava a essa ideia de um grande desafio. Porque a preocupação com a importância do passado que esteve presente na minha investigação, o empenho na reabilitação urbana, que foi uma linha de trabalho importante enquanto autarca, e a preservação da memória coletiva, simbolizada em quem o Panteão homenageia, são vetores ou áreas de uma mesma área de intervenção. E traduzem a importância que a História tem. Ou deve ter.

 

Ter ficado em primeiro lugar no concurso internacional para diretor do Panteão Nacional implica ter apresentado um determinado projeto de trabalho para três anos que agora vai procurar concretizar?

Sim, precisamente. Éramos avaliados pelo currículo e pelo nosso projeto de trabalho. Esse projeto de trabalho teve de ter em conta as condições específicas do monumento, o seu potencial próprio e os recursos de que dispomos. Não há receitas. Nem soluções miraculosas. Nem planos “chapa-quatro”. O Panteão é diferente do Museu de Arqueologia ou do Soares dos Reis. E é essa especificidade, que é própria de cada sítio, que constitui o desafio.

Também não pode haver rigidez na forma como formulamos as propostas. As minhas intenções têm de ser ajustadas em função da realidade do que se vai encontrar e das próprias diretrizes da Direção-Geral do Património Cultural (DGPC). Mas tentando não me afastar do que, de início, tracei.

 

Qual a filosofia que leva para a direção do Panteão Nacional e que ideias inovadoras tem para pôr em prática?

Ora bem, isso entronca no que estava a dizer. Há temas que se prendem com a conservação do monumento propriamente dito que têm de ser tidas em linha de conta. Há depois, intervenções que resultam de decisões da Assembleia da República. A decisão de dar honras de Panteão a Eça de Queirós vai obrigar a reformulações dos espaços. Há áreas em que irei desenvolver iniciativas: a divulgação do Panteão junto da juventude, porque o conhecimento da História e a preservação da memória coletiva são matérias fundamentais; depois, o envolvimento dos municípios que estão ligados aos homenageados (Torres Novas, Silves, Sernancelhe, etc.) em atividades do Panteão; depois ainda, a preparação de exposições relacionadas com o edifício ou com os que ali se encontram. Creio, enfim, ser muito importante que todas as atividades tenham um elevado grau de envolvimento e de participação dos cidadãos. Interna e externamente.

 

Num tempo em que surgem interpretações diversas, e até opostas, sobre o passado histórico, nomeadamente acerca do século XX português, o que acha do facto de o Panteão Nacional acolher hoje, entre outras, figuras como Óscar Carmona, presidente da República durante o fascismo, e Humberto Delgado, que combateu a ditadura e por ela foi assassinado?

Interpretações diversas sempre houve... Essa “contradição” das presenças que refere ajuda-nos justamente a refletir sobre a História. Sobretudo se tivermos em conta que a realidade do Panteão é a que existe. Não me parece que haja utilidade em abrir, agora, um debate sobre quem está e não deveria estar, ou vice-versa.

 

Peço-lhe que, em traços gerais, fale do seu percurso pessoal, profissional e político, desde Moura até aqui

Tem sido, antes de mais, um percurso “não planeado”. Tenho colegas que, aos 20 anos, já sabiam que queriam ser museólogos ou chegar a catedráticos. Não vejo nisso nada de negativo, nem tenho de ver. São opções pessoais... Mas o meu caminho, como dizia, não teve lá grande planeamento. Aos 20 anos queria apenas trabalhar em Moura e lá fazer arqueologia. Depois, estive muitos anos em Mértola. Não acreditaria se, há 35 anos, me dissessem que ia ser presidente da Câmara de Moura ou diretor do Panteão Nacional. É evidente que tive linhas de orientação (desenvolver trabalho na minha área, doutorar-me, escrever livros, comissariar exposições etc.). Mas não me desliguei de uma ação pública e política que fosse reflexo das áreas de investigação. Uma das grandes lições do projeto de Mértola foi, para mim, essa ideia de que não pode haver prática ou conhecimento científico desligado do compromisso social. Foi isso que procurei fazer em Moura. Julgo ter conseguido. É isso que tentarei fazer no Panteão.

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