Diário do Alentejo

Covid-19: Trabalhadores na linha da frente

16 de fevereiro 2021 - 11:45

Domingos é vigilante numa empresa de distribuição alimentar. Mara é bancária. Pedro trabalha nos serviços de higiene e limpeza da Câmara de Beja. Histórias de profissionais para quem não há confinamento.

 

Texto Ria Palma Nascimento

 

“Sinto que, regra geral, se cumprem as medidas de segurança à risca. O local onde tenho maioritariamente que intervir é junto às caixas de pagamento, propício a aglomerações que têm que ser controladas. Não me recordo de nenhuma situação de incumprimento consciente e deliberado, ou atitude de resistência às medidas impostas”. Vigilante desde há oito anos, Domingos Martinho diz que as regras do confinamento têm estado a ser cumpridas pela generalidade dos cidadãos. Ele, um dos muitos trabalhadores cuja atividade profissional obriga ao exercício de funções em plena pandemia, revela que o seu quotidiano sofreu diversas alterações: “Temos a obrigação de medir a temperatura corporal antes de iniciar o turno, lavar diariamente o fardamento e tocar no mínimo de objetos possível”.

 

Pai de uma criança em idade pré-escolar, Domingos Martinho diz que estes são tempos que “exigem prevenção” e cuidados acrescidos com as crianças: “são mais expansivas, irrequietas, têm necessidade de contacto e de partilha, de mexer, de provar… sendo-lhes difícil a perceção e cumprimento de determinadas regras de proteção”.

 

Bancária desde 2004, Mara Ramalhinho seguiu o caminho que sentiu ser aquele que mais perspetivas de trabalho e de valorização pessoal e profissional lhe traria. De trato fácil, criou a sua identidade no atendimento presencial e personalizado, até março do ano passado, altura em que as medidas de combate à pandemia exigiram que as entidades bancárias passassem a trabalhar à porta fechada e, sempre que possível, com recurso ao teletrabalho. Mara, assume-se defensora dessa modalidade em rotatividade: “O ideal seria que nos mantivéssemos em casa e só nos deslocássemos ao balcão em último recurso. Porém, é ilusório. Somos uma atividade de grande componente presencial e considerada bem essencial”.

 

Entre diversas alterações à rotina, passou a evitar reuniões presenciais, almoços conjuntos e o café com os colegas, acrescentando que desinfetar a “área de trabalho” passou a ser uma rotina. “Não mexo em nada que não esteja na minha área de conforto sem desinfetar as mãos”.

 

Técnico de emergência pré-hospitalar do INEM, a exercer funções em Castro Verde, Nuno Dimas, 39 anos, não tem dúvidas ao afirmar que a pandemia “veio mudar o nosso quotidiano”, quer a nível profissional quer familiar. “Estamos na linha da frente e no contacto inicial antes de os doentes chegarem ao hospital, nunca sabemos quem tem ou não o vírus, por isso é extremamente importante protegermo-nos”, como se todos estivessem infetados com covid-19.

 

As alterações foram muitas e as privações dolorosas. “Foi necessário adaptar o trabalho à pandemia, tal como o uso de equipamento de proteção individual (EPI), formações sobre os riscos e os cuidados a ter com os doentes que tenham, ou não covid-19. Os EPI passaram a fazer parte do nosso dia-a-dia, em jeito de brincadeira chamamos-lhes o veste e despe”. A nível pessoal também houve alterações. “O meu círculo de amizades foi alterado, fui obrigado a reduzir o meu grupo de contacto, ou seja, fora do trabalho apenas posso estar com a minha mulher, com a minha mãe e com o meu irmão”.

 

Paulo Bernardino é assistente operacional de ação médica no serviço de cirurgia geral do Hospital José Joaquim Fernandes, em Beja. Um ano de voluntariado na instituição levou-o à compreensão do grau de importância dos profissionais de saúde. “Poder auxiliar pessoas que se encontram fragilizadas pela doença é uma das minhas motivações”, afirma, reconhecendo que a pandemia trouxe o medo. E que o medo obrigou os profissionais de saúde a recorrerem a “uma dose extra de coragem e de responsabilidade”.

 

Segundo Paulo Bernardino, “as rotinas no serviço foram alteradas para que acompanhassem o nível de alerta que foi instalado pela pandemia. Hoje, quando um doente toca uma campainha a solicitar a nossa ajuda temos que parar e verificar primeiro se estamos a utilizar corretamente toda uma parafernália de equipamentos de proteção individual que antes da pandemia não eram necessários”.

 

“Na relação com os outros profissionais adotámos regras mais rígidas como, por exemplo, a toma de refeições na copa que passou a ser um ato solitário”, acrescenta, revelando que “muitos colegas” de profissão foram “obrigados” a deixar as respetivas casas “por medo de se tornarem um foco de infeção para as suas famílias”.

 

Natural de Serpa, Ricardo Nolasco trabalhou durante dois anos no setor da transformação de azeites e, há três, abraçou o sonho de ser técnico de campo. Sonho despontado das raízes familiares, mais concretamente das vivências com os seus avós, que agora pouco visita, por precaução, desde o início da pandemia. “A verdade é que a agricultura não pode parar”, diz-nos. “Enquanto técnicos e assessores agrícolas não podemos cessar atividade e confinar, uma vez que o nosso trabalho é fundamental para que não faltem alimentos no comércio alimentar e, por consequência, na mesa de cada um dos portugueses. Porém, a agricultura é, também, um dos setores que mais contribuiu para minimizar o impacto da atual crise económica, como sucedeu noutras crises anteriores”.

 

Sobre as medidas de prevenção adotadas, Ricardo fala-nos no uso obrigatório de máscara, no respeito pelo distanciamento e na utilização de plataformas ‘online’ para realização de reuniões. As visitas ao campo também mudaram: “Faço-as sozinho, no meu carro, e o agricultor acompanha-me no carro dele, não partilhamos espaços comuns”.

 

Coordenador do serviço de limpeza de instalações municipais, na Câmara de Beja, Pedro Barrocas é outro dos muitos milhares de trabalhadores portugueses que continuam a exercer a sua atividade profissional em tempos de pandemia. “O que mais me tem afetado é a privação do contacto pessoal e das relações sociais e profissionais. O receio do contágio e posterior contaminação de familiares”. Sendo-lhe possível distribuir e orientar trabalho através do telemóvel, foi-lhe possível estar em teletrabalho durante o primeiro confinamento. Porém, lembra, “a fiscalização dos locais tem obrigatoriamente que ser feita presencialmente”.

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