A pandemia da covid-19 está também a ter consequências na vida dos imigrantes, que até viam em Portugal a oportunidade para uma vida melhor. Os pedidos de ajuda às diversas instituições, como a Cáritas e a Solim, não param de aumentar.
Texto Marta Louro
A Cáritas Diocesana de Beja dispõe de um Centro Local de Apoio à Integração de Migrantes (Claim) que tem como missão proporcionar aos migrantes respostas locais articuladas ao nível das suas necessidades de acolhimento e integração. O Claim, financiado pelo FAMI- Fundo Asilo, Migrações e Integrações, e pelo Alto Comissariado para as Migrações, visa dar resposta em diferentes áreas tais como: Regularização/nacionalidade, reagrupamento familiar, retorno voluntário, trabalho, saúde, educação/formação profissional, segurança social, apoio social e promoção da interculturalidade.
Segundo Teresa Martins, assistente social coordenadora da área das migrações da Cáritas Diocesana de Beja, “no ano de 2020 o CLAIM da CDB realizou 983 atendimentos, correspondendo a 790 homens e 193 mulheres”. No ano passado, “foram registados 227 pedidos, que passam essencialmente por pedidos de apoio alimentar, económicos e de alojamento”. Os imigrantes são maioritariamente provenientes do Senegal, Índia, Brasil e Guiné Bissau. “Na sua maioria, estes pedidos provêm de imigrantes que estão cá sozinhos, principalmente os africanos, os indianos e os brasileiros, mas já nos têm chegado pedidos de famílias que já estão a tentar integrar-se na nossa comunidade. Quando existem crianças nestes agregados familiares as necessidades são ainda mais acrescidas”.
Teresa Martins considera “que o aumento destes pedidos surgiu na sequência da pandemia uma vez que muitos imigrantes ficaram privados de trabalhar, sendo que a maior parte trabalham na agricultura e têm contratos sazonais. Mesmo que nalguns casos tenham direito ao subsídio de desemprego é um procedimento que demora algum tempo e enquanto aguardam por este apoio, ficam desprotegidos”.
Essas pessoas, acrescenta, vivem em “condições de habitabilidade que na maioria dos casos não são as mais adequadas, sendo que muitos imigrantes vivem em condições de habitabilidade precária, em casas sobrelotadas e em condições sub-humanas. A dificuldade em encontrar casas para arrendar a preços acessíveis e que disponham de boas condições de habitabilidade é um problema identificado e que apresenta uma grande preocupação no nosso serviço. Este é um assunto muitas vezes abordado junto das entidades competentes, nomeadamente com as autarquias, que poucos recursos têm para dar resposta a este problema”.
Em relação às famílias, também apresentam muitas dificuldades em conseguir casas em boas condições, porque os valores das rendas são muito altos e não conseguem suportar esses valores, muitas vezes partilham apartamentos/casas com outras famílias, onde perdem muita da sua privacidade familiar.
Também a Solim – Solidariedade Imigrante, verificou um aumento no número de atendimentos. “Após 18 de março de 2020, o atendimento presencial foi substituído pelo virtual – Internet e sobretudo WhatsApp, uma ferramenta muito utilizada pelos imigrantes. Nestes 10 meses de pandemia já foram ultrapassados os 700 atendimentos, na maioria para completar processos de obtenção ou renovação de autorizações de residência”.
Segundo Alberto Matos, presidente da delegação de Beja da Solim, “a palavra imigrante é um adjetivo, isto é, não somos uma associação de apoio ao imigrante, mas do próprio imigrante. A esmagadora maioria dos associados e dos corpos gerentes são imigrantes e isso faz toda a diferença. Há alguns portugueses de boa vontade que colaboram na associação, mas somos uma pequeníssima minoria”.
A associação tem atualmente 40 mil associados, de 98 nacionalidades. Inscritos na delegação de Beja estão 1450 imigrantes, de 35 nacionalidades. O número total de atendimentos multiplica pelo menos por 10 o número de sócios, rondará os 20 mil em quase 19 anos de atividade.
Na Solim, os imigrantes são maioritariamente originários da África Ocidental (Senegal, Guinés, Gâmbia, Mali, Costa do Marfim, Nigéria); Ásia (Índia, Paquistão, Nepal, Bangladesh), Leste Europeu (Moldávia, Ucrânia); e América Latina (Brasil, Venezuela, Argentina).
Os cidadãos procuram a associação “na sua larga maioria para a obtenção de autorização de residência, o primeiro patamar dos direitos de cidadania; seguem-se as questões laborais, com o encaminhamento de queixas à ACT e aos tribunais de trabalho, bem como à Segurança Social pela retenção das contribuições por entidades patronais”.
No entanto, a “área de destaque tem sido a saúde, com a obtenção do número de utente, a sinalização e o acompanhamento de casos de covid-19 que, felizmente, não causaram mortes entre uma comunidade imigrante bastante jovem. “A prioridade hoje, também da comunidade imigrante, é vencer a pandemia sem deixar de trabalhar para obter e manter o estatuto legal. É fundamental ultrapassar as incertezas no futuro do SEF, garantindo o escrupuloso respeito pelos direitos humanos e recuperando atrasos de mais de um ano no setor administrativo. As vidas de quem produz riqueza e contribui para o país não podem ser consumidas numa precariedade permanente”, diz Alberto Matos.
Apesar dos medos que a pandemia pode provocar, até ao momento, o desejo de regressar à terra natal é “raramente” demonstrado, “até porque “estamos a falar de camadas muito jovens – a maioria na casa dos 20 ou 30 anos – que querem construir um futuro, se possível chamar as famílias. Quem atravessou desertos e oceanos para chegar à Europa, desafiando a morte, não regressa à sua terra antes de alcançar objetivos. Ninguém quer sofrer a síndrome do imigrante falhado”, conclui.