Diário do Alentejo

Aulas em Serpa só com mantas e luvas, por causa do frio

16 de janeiro 2021 - 16:00

O que "deveria ser insólito" é "comum" na degradada Escola Secundária de Serpa, que tem 44 anos e precisa de obras de requalificação, conta Francisco Oliveira, diretor do Agrupamento de Escolas n.º 2 de Serpa, do qual faz parte o estabelecimento de ensino.

 

Segundo o diretor, a escola tem "vários problemas", como infiltrações, que fazem com que chova dentro das salas, falta de isolamento térmico e uma rede elétrica antiga e que não comporta a climatização, impedindo que muitas salas tenham ar condicionado.

 

Por isso, lamentou, no inverno o frio é "difícil de suportar" na maior parte das salas de aula, especialmente nas que não têm ar condicionado. Naquelas salas, contou, é "muito comum" os alunos usarem vários apetrechos para tentarem combater o frio e se aquecerem, como casacos quentes com gorro, cachecóis, luvas, vários pares de meias nos pés e mantas e cobertores sobre os ombros e as pernas.

 

A situação, "já complicada em circunstâncias normais", agravou-se este ano com as normas da Direção-Geral da Saúde (DGS) devido à pandemia de covid-19 que "obrigam ao arejar salas", através da abertura de portas e janelas. "Agora, devido ao frio intenso, fecham-se as portas e quase todas as janelas das salas, mas, nos intervalos, abrem-se de novo para permitir o arejamento e, assim, qualquer aquecimento conseguido durante a aula vai portas e janelas fora e volta-se à temperatura ambiente"..

 

Já a estratégia dos professores "é andarem também bem agasalhados e de um lado para o outro nas salas", conta Francisco Oliveira. "Todos, alunos e professores, sofrem bastante, mas os alunos sofrem mais, porque têm de estar sentados", frisou, referindo que só as obras de requalificação poderão resolver este e outros problemas da escola.

 

Vítor Brasão, professor na Escola Secundária de Serpa, publicou, na terça-feira, na sua página na rede social Facebook, uma fotografia que tirou a uma aluna do 10.º sentada numa sala da escola com casaco, gorro na cabeça, máscara e embrulhada numa manta. "A intenção da fotografia é voltar a alertar as entidades competentes para a necessidade de combater a degradação da escola", onde a maior parte das salas não tem sistema de aquecimento, explicou à Lusa.

 

Tal como a aluna da fotografia, que não é identificada e autorizou o professor a fotografá-la, "há muitos alunos" da Secundária de Serpa que, para combater o frio nas salas, "usam casacos com gorro, cachecóis, luvas e mantas para se aquecerem e, no final das aulas, deixam os apetrechos na escola para usarem no dia seguinte". O frio afeta também professores, que "tentam circular nas salas e há alguns que nos intervalos das aulas vão ao carro e ligam a ‘chauffage' para aquecerem as mãos".

 

Segundo o professor, a pandemia de covid-19 "veio agravar um pouco um problema que a escola já tinha", mas "o objetivo da fotografia não é centralizar a atenção na pandemia. É alertar para a necessidade das obras na escola, que nunca mais arrancam, e alunos, professores e funcionários andam sistematicamente a sofrer e sem condições para o ensino-aprendizagem".

 

PROTESTOS EM SERPA

 

Perto de 200 alunos da Escola Secundária de Serpa, alguns enrolados em mantas e todos com várias camadas de roupa, protestaram esta semana, na rua, contra o frio que sentem nas salas de aulas. Com um saquinho na mão, dentro do qual se vislumbra uma manta, Maria Vitoriano, de 12 anos, explica que este acessório faz parte do material que leva para a escola, quando o frio aperta.

 

“Na minha escola anterior não tinha este frio. Mas, quando vim para esta, deduzi logo que tinha que trazer mantas”, disse, realçando que a sua mãe, antiga aluna da mesma escola, lhe contou que, na sua altura, “também tinha frio e já havia rachadelas nas paredes”. Mesmo com a manta para a aquecer, nas aulas, Maria nem tira as luvas, senão torna-se “difícil” escrever: “Temos que escrever com luvas, só que o lápis escorrega”.

 

Nesta escola há dois anos, Patrícia Ferro, de 17 anos, já sabe o que “a casa gasta” e, por isso, o frio que se faz sentir mais intensamente desde há dias não a apanhou desprevenida. Mas nada resolve. “Costumo trazer gorro, luvas, às vezes três ou quatro blusas, por vezes térmicas, e até pijama, calças e ‘collants’ ou três pares de meias e casaco. Muita roupa, para não passar tanto frio, mas mesmo assim tenho frio”, indicou, embrulhada numa manta polar. “Sala gelada, cabeça parada” ou “Para estarmos ao frio, estamos na rua” foram alguns dos cartazes exibidos pelos jovens, de turmas do 7.º ao 12.º anos.

 

AQUECIMENTO FALHA EM SANTIAGO DO CACÉM

 

Na Escola Secundária Manuel da Fonseca, em Santiago do Cacém, há igualmente relatos de alunos que “levam mantas e alguns aconchegos" para se protegerem do frio, diz Célia Soares, presidente da Associação de Pais do Agrupamento de Escolas de Santiago do Cacém.

 

Esta situação, deve-se à "falta de eficácia" do aquecimento central da escola, agravada pelo arejamento das salas devido à covid-19. "Já no ano passado e nos anos anteriores, os alunos levavam mantas para a escola, o que é demasiado desconfortável. Este ano, esta situação agravou-se devido à covid-19, que obriga a ter portas e janelas abertas", lamentou a representante dos pais.

 

Manuel Nobre, presidente do Sindicato dos Professores da Zona Sul (SPZS), diz que a situação de frio em várias escolas acontece porque o Ministério da Educação “não permitiu a redução do número de alunos por turma". Por isso, "é natural que salas de aula com quase 30 alunos e pouca distância entre eles tenham de ter janelas e portas abertas para permitir o arejamento e uma melhor circulação de ar. É um problema que o Ministério da Educação não quis reconhecer quando se propôs medidas concretas, como a redução do número de alunos por turma", frisou.

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