Diário do Alentejo

Beja: “Mudança de tutela do museu acabou com a instabilidade”

17 de setembro 2020 - 16:00

O Museu Rainha D. Leonor, em Beja, “finalmente está a ter a atenção que as importantes coleções, edifício e memória desta instituição secular merecem”. A opinião é de Maria de Jesus Monge, presidente do ICOM Portugal – Conselho Internacional de Museus, que recentemente visitou museus em Beja, Mértola e Évora, acompanhando a deputada Alexandra Vieira, do Bloco de Esquerda.

 

Texto Carlos Lopes Pereira

 

A presidente do ICOM Portugal considera que a passagem do Museu de Beja para a tutela da Direção Regional de Cultura do Alentejo “terminou décadas de instabilidade”. Em entrevista ao “Diário do Alentejo”, Maria de Jesus Monge critica a anunciada extinção das direções regionais de cultura e a sua absorção pelas comissões de coordenação regionais “sem que estejam a ser acauteladas competências e circunstâncias específicas”. 

 

Como decorreu a recente visita a museus em Beja, Mértola e Évora?

Os momentos singulares que vivemos vieram acentuar as grandes dificuldades com que lutam diariamente os museus e os seus profissionais. A direção do ICOM Portugal acompanha e procura dar voz a estes problemas, por todos os meios que tem ao seu alcance. Assim, temos vindo a informar e a manter um diálogo ativo com os vários grupos parlamentares. (…)  A 3 de Setembro correspondemos ao interesse manifestado pela deputada Alexandra Vieira, do BE, na sequência do alerta do ICOM Portugal sobre o encerramento do Museu Nacional Frei Manuel do Cenáculo, em Évora, que se traduziu no envio de uma carta à ministra da Cultura pedindo medidas urgentes para garantir a abertura ao público do único museu nacional a sul do Tejo. A deputada concordou em aproveitar esta deslocação para conhecer melhor várias das situações com que se confrontam os museus no Alentejo. Agendaram-se assim visitas a museus de Mértola, Beja e Évora. Em Mértola (…), a conversa e visitas realizadas confirmaram o impacto positivo a vários níveis que este exemplo, tão bem conhecido e reconhecido por todos, trouxe para um território longínquo e despovoado. Contudo, mesmo aí, sente-se a falta de recursos humanos, designadamente de quadros técnicos especializados. Torna-se imperativo quer a implementação efetiva da Lei-Quadro dos Museus, quer a realização de ações concretas tendo em vista a coesão museológica nacional, quer o revigorar da Rede Portuguesa de Museus.

 

Em Beja, no Museu Rainha D. Leonor, a preocupação expressa pelos técnicos (…) evoca as décadas de dificuldades que conduziram aquele museu secular ao estado de extrema degradação, de que só agora começa a recuperar. A anunciada extinção das direções regionais de cultura, atual tutela do museu, e sua absorção pelas comissões de coordenação regionais, sem que estejam a ser acauteladas competências e circunstâncias específicas, preocupa todos os que desejam que este e outros museus regionais tenham condições para cumprir a sua missão. O Museu Nacional Frei Manuel do Cenáculo, em Évora, tem estado sob os holofotes pelas piores razões: a passagem a museu nacional, sob tutela direta da Direção Geral do Património Cultural, traduziu-se no acentuar da falta total de recursos humanos e técnicos. O encerramento um fim de semana por mês durante o verão, é um dos exemplos do calvário deste museu, e que parece não ter fim à vista.

Como encara a possibilidade da integração próxima da Direção Regional de Cultura do Alentejo na Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Alentejo?

O ICOM Portugal já manifestou publicamente a preocupação com o processo em curso. A falta de reflexão e adequada passagem de competências para um organismo que não tem vocação para gerir serviços públicos, designadamente com a especificidade das instituições de Património Cultural, não faz prever qualquer melhoria. Preocupa-nos a diluição da capacidade de gestão num órgão que irá tutelar áreas muito diversas, sobretudo quando assistimos a um silêncio absoluto sobre como será feita essa gestão. O ICOM está particularmente apreensivo no que respeita às equipas técnicas e ao garante de que serão asseguradas as competências essenciais ao cumprimento da missão dos museus.

 

Em relação ao Museu Rainha Dona Leonor, em Beja, acha que a mudança da tutela contribuiu para a resolução dos problemas que afetam o museu?

A passagem do Museu de Beja para a tutela da Direção Regional de Cultura do Alentejo terminou décadas de instabilidade, durante as quais o museu não teve a possibilidade de cumprir as suas obrigações para com a comunidade, os investigadores, o público em geral. A assinatura entre a Direção Regional e Cultura do Alentejo e a Câmara Municipal de Beja de um protocolo que garante o início das obras essenciais é um excelente sinal de que finalmente o museu está a ter a atenção que as importantes coleções, edifício e memória desta instituição secular merecem. O concurso para provimento do lugar de diretor é mais um sinal positivo na normalização da gestão do museu. O ICOM Portugal continuará a acompanhar de perto e a estar disponível, nomeadamente para dar voz à necessidade de dotar o museu de recursos para cumprir as suas funções, tanto a nível humano como financeiro.

 

De que forma a pandemia de covid-19 tem afetado os museus no País e quais as perspetivas de retoma das suas atividades “normais”? 

A pandemia de covid 19 e as medidas sanitárias que impõe, a começar pelo confinamento e, agora, até data incerta, nas restrições que afetam a todos, tem necessariamente um impacto imenso nos museus. O último número do Boletim do ICOM foi dedicado a esta vivência. Durante a pandemia os museus estiveram presentes na vida de todos os que os procuraram através das redes sociais, desdobrando-se na oferta de conteúdos. Os museus são contudo espaços de vivência sensorial e interação, que nenhum formato virtual pode substituir. A retoma das atividades “normais” vai ser lenta e depender da evolução da situação sanitária. Esta crise sanitária está também a fragilizar equipas já muito depauperadas e a dificultar o trabalho com os inúmeros colaboradores das mais diversas áreas da produção cultural que não têm vínculos laborais. Os momentos de crise têm, contudo, a semente da transformação e acreditamos que esta situação veio acelerar a mudança a vários níveis. A cultura demonstrou ser um elemento fundamental no quotidiano da sociedade, os níveis de público e a apetência registada online falam da importância que é atribuída pelas comunidades. A afluência de público nacional aos espaços durante este Verão reforçou a sua centralidade nas opções de lazer. Acreditamos que este é um momento para exigir atenção aos problemas com que este sector se debate e afirmar a capacidade que detém para, nos territórios, promover o conhecimento, a formação para a cidadania, a coesão nacional.

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