O programa integra ainda uma sessão de canto livre, que juntará membros do extinto Grupo de Ação Cultural Vozes na Luta, um colóquio com investigadores, jornalistas, cantores e técnicos de som para uma reflexão conjunta sobre a força da canção em contextos ditatoriais e em “democracias em vertigem” e a exibição do filme “Le printemps de l'exil”, propositadamente legendado para ser apresentado neste contexto. O encerramento estará a cargo do Coro da Achada.
“A canção de protesto faz parte do nosso património. Nós somos de uma geração que foi formada por esta canção de protesto. A geração que nos anos 60, 70 e por aí afora, fez da cantiga uma arma. Quem escreveu as canções, não as escreveu só para aquele momento. E quem as escreveu são pessoas que escreveram e continuam a escrever, algumas delas, muito bem. Depois, o trabalho musical é superior, e nós fomos formados por isso”, diz Cristina Paiva, atriz da Associação Artística Andante, uma companhia de teatro com 20 anos de existência que estará presente em Grândola.
Especializada na realização de espetáculos em redor dos livros com o intuito de seduzir leitores, a Andante viu o seu trabalho ser distinguido o ano passado com o Prémio Ler +, do Plano Nacional de Leitura. “Quando nós trabalhamos na promoção da leitura, muitas vezes as letras destas canções, servem-nos para ligar outros textos, e às vezes usamo-las como uma arma poderosa de solução. Por exemplo, nós juntamos Guerra Junqueiro a José Afonso, juntamos os Xutos e Pontapés com Eça de Queirós. Ou seja, para nós, a literatura é algo que nos faz pensar o mundo. Estas letras e estas canções é algo que foi feito a pensar em mudar o mundo. Por isso, para nós é natural estar neste meio da promoção da leitura e com a canção de protesto”, refere.
Numa pausa do ensaio do espetáculo que será estreado em Grãndola, cristina Paiva conta ao “Diário do Alentejo” que haverá livros em palco, num cenário onde irão decorrer leituras encenadas, onde há lugar à representação, ao som e à música, onde haverá uma atriz em cena, uma atriz que é a cicerone de uma viagem com palavras que faz “mudar o lugar do olhar” sobre as coisas. E é na senda dessa mudança de olhar que, sem esquecer a importância do tema “Exílio”, sem esquecer a ditadura, o Estado Novo e a Guerra Colonial, sem esquecer os exilados que, do exterior, ajudaram a pensar a liberdade, entre eles José Mário Branco, sem esquecer que muitas canções de protesto nasceram além fronteiras, e fazendo de todos esses momentos pontos de partida do espetáculo, a Andante propõe, em vez de uma viagem a esses tempos de dor e sofrimento, uma viagem de reflexão aos exílios do agora.
“Não queríamos que este espetáculo fosse uma espécie de nostalgia sobre esses dias negros, esses dias do exílio, da ditadura em Portugal, os dias onde se deu o parto da canção de protesto. Assim, usamos as letras dessas canções iniciais a que juntamos outras de autores atuais, tornando o espetáculo num momento de protestos de agora. Talvez nós não consigamos protestar contra um objeto tão determinado como a ditadura, mas nós temos muito por onde protestar e continuamos a ter exílios”, explica Cristina Paiva.