REGRESSO A CASA
O regresso ao Alentejo acontece por razões muito práticas. Havia a casa, que era do pai, situada num lugar privilegiado e tranquilo da vila de Mértola (pelo menos de inverno, porque de verão há muitos turistas a percorrer a última ruela da vila a contar do rio), que tão bem se presta a reflexões e à escrita – foi nesse sossego que escreveu o livro "Assim nasceu uma língua".
Por outro lado, tinha ali a viver uma filha e o neto. Agora que eles partiram não está arrependido, mas reconhece que o local, que é incontestavelmente “de uma grande beleza natural, tem muitas limitações”. Nomeadamente em matéria de deslocações, que se tornam tão difíceis quando não se tem carro próprio. É o caso, neste momento. “Quando se tem a minha idade, estar a 50 quilómetros do hospital é uma distância muito grande, por exemplo”, resume.
De qualquer forma, dificuldades à parte, o período de adaptação já vai longe. Fernando Venâncio diz que esses primeiros tempos “foram terríveis”, tendo que “se proibir de fazer comparações entre tudo o que tinha perdido e tudo o que lhe faltava ali, porque dava em doido”.
Três anos e meio depois, está habituado. “Já voltei à Holanda várias vezes. Já sei que não vivo lá, esse capítulo fechou-se e, portanto, estou em paz a esse respeito”.
Agora, os dias correm sem grandes sobressaltos ao sabor das estações e das rotinas que foi interiorizando. Há a vida social virtual “intensíssima no Facebook”, comenta com uma boa gargalhada, explicando que tem cinco mil amigos na rede. Minimiza as reações que os seus 'posts' podem provocar, mas sente “um gosto muito grande em ser lido por 30, 40 pessoas”. E há a vida social real, em Mértola, que “é muito agradável”. Mas mesmo esta obriga-se a limitar porque tem muito trabalho pela frente: o próximo livro está em marcha, há outro programado com tema definido, e tem projetos para escrever “vários nos próximos 20 anos”.
Fernando Venâncio explica que o livro que está a escrever neste momento partiu de um convite da editora Guerra & Paz, que também propôs o tema. Vai ser sobre figuras de estilo, e já tem título: "Se chover, tem aqui um guarda-chuva". Ainda não há data de publicação agendada, mas vai ter que o entregar no verão. “Tenho um editor que me convida para escrever, o que é realmente um sonho. Melhor do que isso não há no mundo, por isso estou muito feliz, muito contente e muito grato”, sublinha. E depois deste virá outro, segundo o autor, uma obra “volumosa” à semelhança de "Assim nasceu uma língua", que se propõe contar a influência do espanhol e do francês na língua portuguesa.
Com dias tão preenchidos pela frente, Fernando Venâncio vai ter “que ter uma grande disciplina, porque o ato da escrita impõe algum isolamento”. E nesse sentido, a sua casa, vizinha do castelo, é o lugar certo para a criação. “Este lugar é ótimo para escrever, está a ver esta tranquilidade?”.
DESACORDO ORTOGRÁFICO
Fernando Venâncio discorda do Acordo Ortográfico (AO) de 1990. Ele, que até nem é contra os acordos diplomáticos sobre questões linguísticas, e até chegou a propor um em 1984 num longo artigo que escreveu no "Jornal de Letras", diz no entanto que o AO de 1990 não tem sentido: “Está muito mal concebido, sobretudo para o português de Portugal. Não só está desordenado, como provoca, e já está a provocar, uma porção de mal-entendidos, chamadas hipercorreções”.
Um dos erros mais pertinentes “é o enorme paradoxo que existe entre o princípio de que a pronúncia é o primeiro critério e não a etimologia, e o resultado”. E o resultado, por vezes, “é não sabermos o que quem escreve quer dizer, é preciso ler bem, e não se lê bem”.