Diário do Alentejo

As voltas que a 84.ª Volta a Portugal em Bicicleta deu na região alentejana

18 de agosto 2023 - 13:00
Um “jogo da glória”…
Foto | Firmino PaixãoFoto | Firmino Paixão

Está na estrada a 84.ª Volta a Portugal em Bicicleta, uma edição que a organização chamou de “Uma volta a todo o território”. Mas não é fácil, em escassos 11 dias, a corrida visitar todo o País, do Minho ao Algarve.

 

Texto  Firmino Paixão

 

A Volta a Portugal em Bicicleta, edição de 2023, passou dois dias pela região alentejana.

 

A terceira etapa, a mais extensa do certame, partiu de Sines, percorreu cerca de meia centena de quilómetros pela orla costeira do sudoeste até Milfontes, ganhando ímpeto com as frescas brisas atlânticas, para depois se esgueirar em direção a Odemira, Ourique e Almodôvar, vilas onde a organização traçou sprintes intermédios e onde a elevada temperatura já bronzeava a tez.

 

No segundo dia desta peregrinação pelo Alentejo, a partida para a quarta tirada aconteceu em Estremoz, no Alentejo Central, rumo ao nordeste da região, com o pelotão a atacar as serranias de São Mamede, antes de se atravessar o Tejo para se fixar nas Beiras.

 

Uma volta a todo o território, tarefa difícil, reconheceu o diretor da organização, Joaquim Gomes, na praia Vasco da Gama, em Sines, em entrevista exclusiva ao “Diário do Alentejo”: “Não é fácil, mas o que acaba por nos motivar é o saudosismo das Voltas a Portugal de três semanas. Orgulho-me de ter ganho a última com três semanas, em 1989. E posso confirmar que foi, e é, extremamente difícil, com temperaturas médias, muitas vezes, superiores a 35 graus, levar de vencida, e repare, não estou a dizer ganhar, mas terminar uma Volta a Portugal com temperaturas acima dos 35 graus como acontece quase todos os anos. Efetivamente, neste ano, e até porque nos tínhamos proposto ir ao Algarve, por via de algumas neutralizações, esta edição da Volta consegue criar uma mancha do território nacional que não tem tido noutros anos”.

 

O antigo ciclista, responsável pela Podium Events, entidade que organiza também a Volta ao Alentejo, comentou: “Tomara eu conseguir, numa Volta a Portugal, fazer aquilo que faço numa Volta ao Alentejo, que é, na maior região do País, um terço do território nacional, com os seus 30 mil quilómetros quadrados e, naqueles cinco dias, conseguirmos realmente fazer uma cobertura total e, em particular, das quatro sub-regiões, do Baixo Alentejo ao Alentejo Central, o Litoral e o Norte Alentejano”.

 

E admitiu: “Na Volta a Portugal, com três vezes mais território, não conseguimos manter essa mancha. Neste ano, com custo para todos, desde comunicação social à nossa logística, e, em particular, as equipas e os ciclistas, aqueles a quem devemos conceder o maior número de horas de descanso, não conseguimos. Mas, no fundo, o ciclismo está habituado a isto, foi sempre uma modalidade de grande exigência, de sacrifício e o sacrifício, muitas vezes, não acaba no final de cada uma das etapas”.

 

Quisemos também saber em que medida é que os resultados da “Operação Prova Limpa”, que levou ao afastamento de uma equipa e de outros ciclistas de nomeada, impactaram negativamente esta Volta a Portugal.

 

Joaquim Gomes, vencedor de duas Voltas a Portugal (1989 e 1993) e da Volta ao Alentejo em 1988, foi perentório: “O doping é um fenómeno de corrupção. Como outro qualquer, numa qualquer vertente, quer esteja ligado à área financeira, económica ou política, é sempre um fenómeno de corrupção. E enquanto no seio da nossa comunidade isso não for entendido na íntegra, eu não tenho ilusões. Fui ciclista durante 18 anos, fiz 18 Voltas a Portugal, sempre tive um comportamento exemplar a todos os níveis, e em particular nesse, e não posso admitir que qualquer atleta, qualquer elemento de staff, ou qualquer diretor desportivo deixe de ter esse entendimento de que o doping é uma questão de corrupção, e a única solução, por muito que possa existir um enorme trabalho por parte da Federação Portuguesa de Ciclismo (FPC) a todos os níveis, há algo que nunca poderá ser descurado, que é a malha do controlo, e o controlo, hoje, assenta em algo que nem todos os países têm capacidade de encarar de frente, porque tem um enorme custo financeiro e é neste sentido que eu tiro o chapéu à FPC, à Autoridade de Antidopagem de Portugal, liderada pelo professor Manuel Brito, porque conseguiram encontrar soluções. Aliás, somos o único grupo de equipas fora do ‘World Tour’ que implementou um sistema de passaporte biológico, que é a única forma, atual, acrescento, com custos financeiros enormes, de conferir transparência à modalidade, e nós estamos, finalmente, no caminho certo”.

 

Por outro lado, a concentração de candidatos ao triunfo final numa só equipa (a Glassdrive), sugerem alguns críticos da modalidade, perspetiva um certo estado de declínio do ciclismo nacional. Gomes não contrariou a ideia: “Obviamente que, no ponto de vista da classificação geral individual, o histórico das últimas edições da Volta a Portugal e, do ponto de vista teórico, aponta, naturalmente, para que o vencedor desta edição possa sair da equipa da Glassdrive. De qualquer modo, neste ‘Jogo da Glória’ que representa a Volta a Portugal, as possibilidades de êxito, e ainda bem que assim acontece, surgem de muitas formas. Recordo que, desde que eu entrei neste mundo do marketing e da comunicação, muitas vezes a equipa do Tavira – muito conhecida pelas longas fugas e antes de ter a responsabilidade [de vencer], que concretizou com vitórias na Volta a Portugal –, quando tinha, somente, aquela postura de equipa de fugas, de vitórias em etapas e em metas volantes, dava muito mais retorno aos seus patrocinadores do que as equipas teoricamente fortes, que andavam na Volta bloqueadas taticamente em função de uma vitória, e essa vitória nem sempre surgia. Qualquer equipa mediana que tente disfrutar dos diversos prémios do tal ‘Jogo da Glória’ acaba por ter muito mais retorno, mas isso é uma parte ingrata que o próprio ciclismo profissional tem de viver. Mas, para mim, o importante é que a competição decorra de forma justa, transparente, e que a entrega e o espírito de sacrifício dos corredores e, obviamente, as opções táticas dos seus diretores desportivos possam contribuir, decididamente, para o sucesso da corrida”.

 

No registo histórico desta edição ficarão as vitórias de João Matias (Tavfer), na etapa de Sines a Loulé, e de Daniel Babor (Caja Rural), na de Estremoz a Castelo Branco.

 

O colombiano Leangel Linarez (Tavfer) saiu de Sines com a camisola amarela, perdeu-a em Loulé para Rafael Reis (Glassdrive), que a envergou em Estremoz, e João Matias (Tavfer) vestiu-a em Castelo Branco, mas o que conta é quem, no próximo dia 20, a conquistar em Viana do Castelo.

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