Diário do Alentejo

Opinião de Firmino Paixão: Como sobreviverá o movimento desportivo regional?

09 de março 2021 - 10:45

Um território do interior, despovoado, com uma população envelhecida, deprimida e fragilizada pelos sucessivos estados de emergência, com a economia em recessão, depois de prolongados confinamentos. Como se reconstruirá o associativismo desportivo regional, depois da pandemia?

 

Texto Firmino Paixão

 

Uma tempestade que afunde um bote pode deixar uma embarcação de 12 metros a flutuar. Um temporal que destrua uma cabana, só fará abanar uma moradia de alvenaria. Uma crise económica que abrande o crescimento de uma multinacional tornará insolvente qualquer micro ou pequena empresa. Uma pandemia não afeta de igual modo países ricos e pobres, populações com robustez e prosperidade económica e povos que vivam na miséria e no abandono social. A variável que determina essas desigualdades é a condição social, a riqueza, o poderio financeiro. O mundo não é perfeito, as sociedades estão contaminadas pelas injustiças sociais que tornam os seres humanos desiguais uns dos outros, apesar de todos terem nascido do mesmo modo e, dizem as doutrinas, com os mesmos direitos e igualdade de oportunidades.

 

Mas as leis de mercado, as regras do capitalismo, a deficiente distribuição da riqueza, contrariam todas as doutrinas sociais e os direitos pela dignidade da pessoa humana. Veja-se como, neste tempo de catástrofe sanitária, nos temos tornado pessoas diferentes, com hábitos distintos e irreparáveis danos culturais e emocionais. Note-se como o poder, o dinheiro, a riqueza, foram determinantes na forma exemplar como alguns dos estados mais ricos do planeta inocularam, rapidamente, os seus povos. A vacina custa 10? Pagamos 15! Venham elas… A lógica do capitalismo funciona assim.

 

Para nós, gente cerebralmente limpa e pedagogicamente asseada, isto é ilógico. Mas que fazer? Vivemos num estado periférico, pobre, com a soberania cada vez mais amputada, vergado aos interesses do capitalismo internacional. Somos utentes, e dependentes, de um Serviço Nacional de Saúde que tem sido, sucessivamente, fragilizado pelas políticas e pelos políticos. Uns com a soberba inspiração do liberalismo, empobrecendo o público, para engordar o privado, outros com a obsessão do défice nas contas públicas, para iludirem uma ciência exata como é a matemática. O plano de prioridades para a vacinação foi um borrão. Surgiram, em última hora, uns prioritários mais prioritários do que outros, os filiados, em detrimento dos desfiliados. Ora bolas!

 

O desporto é também assim, é baralhar e dar de novo. Os campeonatos profissionais prosseguem a bom ritmo. Não se pode afirmar que, com a habitual normalidade, porque existe um novo normal, que é o Sporting comandar a Liga. Anda tudo virado do avesso. Os campeonatos amadores estão suspensos. O que se realizou foi aos soluços. Porquê? O poderio financeiro que os clubes profissionais têm para testar, repetidamente, os seus atletas não é, nem de perto, nem de longe, algo que se possa replicar ao nível das provas regionais, com clubes dependentes de subsídios públicos e da generosidade empresarial. A seguir, veem os interesses acessórios, os televisivos, os patrocínios, as exigências dos organismos que tutelam o desporto europeu e mundial, enfim uma panóplia de fatores incompreensivelmente prioritários, sobretudo quando se privam os jovens de fazer tudo aquilo que, socialmente lhes era aconselhado fazer: a prática desportiva saudável, assídua e regular ‘mens sana in corpore sano’.

 

As competições profissionais seniores, ao nível das diferentes modalidades, obtiveram permissão para continuarem a sua atividade. A alta competição prepara, e bem, os seus compromissos internacionais, Campeonatos da Europa e do Mundo e Jogos Olímpicos. E já se percebeu que não é no desporto, nos estádios, nas pistas, nos pavilhões, nas piscinas, nos ringues, que o risco é mais elevado e que os contágios acontecem. Sem público, claro, porque aí sim, o risco era evidente. Mas o desporto amador parou. Os jogos não serão todos iguais? Três equipas, sendo uma delas de arbitragem, 11 contra 11, ou sete contra sete, ou cinco contra cinco, sejam profissionais ou amadores…

 

Olhemos mais para diante. Para o tempo que irá chegar depois de termos vencido (se alguma vez isso acontecer em pleno) a crise epidemiológica. Os prejuízos, por ora, ainda não são de todo são visíveis, mais adiante veremos como se irá reerguer o movimento associativo desportivo (e cultural, já agora) numa região como a nossa, onde a interioridade tem os custos que todos conhecemos. Quem olhará por nós? O poder político? Não acreditamos! Olhar pelo interior? Um território que não produz votos e os que germinam saem, invariavelmente, ao lado? Não acreditamos! Vivemos num país inclinado para o litoral, onde tudo o que são oportunidades de desenvolvimento, de crescimento social e económico escorre, naturalmente, de oriente para ocidente. Construíram-nos uma autoestrada de manga curta, que morre ali pelas bandas dos arrozais da Figueira, mas já se vai reclamando a “via Vasco da Gama” que ligará os concelhos do litoral alentejano.

 

O escasso e muito frágil tecido económico que existe, leia-se comércio local, que amiudadamente apoiava o associativismo desportivo, não sobreviverá a esta crise em condições de manter o seu contributo para que os clubes prossigam a atividade desportiva, social e educacional, sobretudo ao nível dos patamares da formação. Sem recursos próprios que tipo de gestão será permitido fazer às dezenas de dirigentes amadores que ‘pro bono’ desenvolvem as suas atividades na liderança desses clubes e coletividades? Que apoios virão do Estado, para a reimplantação da atividade? O Instituto Português da Juventude e Desporto abriu candidaturas para programas que mais não são do que paliativos, perante o estado de agonia de que o movimento associativo vai dando sinais. Algumas federações anunciaram subsídios para a retoma, uns pozitos a fundo perdido e o grosso reembolsável, e o desporto, qual nau à deriva neste oceano de desencantos, tão pouco foi inscrito como atividade elegível para o Programa de Recuperação e Resiliência, onde serão utilizados os fundos que nos serão doados (?) pela tal bazuca europeia que, naturalmente, já terá alvos bem definidos: os mesmos de sempre. Vamos ver se nos será concedido ficarmos por cá mais algum tempo, para o podermos testemunhar.

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