Há artistas que não gostam de ser pessoas normais. Mas os artistas não têm de ser assim ou assado, não têm de ser uma construção de forma e conteúdo, seres diferenciados que vivem num nicho cultural com olhos e ouvidos apenas para os seus semelhantes, com palavras e ideias criadas em laboratórios intelectuais e usadas com pompa e pronúncia afetada em ambientes académicos. Os artistas não têm de se vestir ou de se pentear de maneira requintada, as várias peças de roupa não têm de ser combinadas de formas exóticas para que imediatamente os egos se afirmem visualmente e criem uma distância relativamente às pessoas comuns que veem televisão, os cabelos não têm de ser longos e cheios de estilo, podem ser curtos como os cabelos dos serventes de pedreiro. Os artistas podem existir mesmo que não andem sempre com livros debaixo dos braços, mesmo que não estejam sempre a falar de quadros e a usar citações que às vezes até não são corretas, mas que raramente são alvo de contraditório porque esses artistas têm o cuidado de usar as citações em contextos onde as pessoas, por causa de falta de cultura livresca, não os podem corrigir. Há artistas que envaidecem, apaixonam-se pelo seu reflexo. Os artistas convencidos e frequentadores de grémios deviam compreender que a arte serve para explicar o mundo e que a explicação, sem ser rasteira, deve ser legível, para que a obra, sem ser corriqueira, possa abrir horizontes. À força de quererem ser mais altos e afamados, há artistas perdidos de amores pelo seu umbigo que apenas conseguem criar inutilidades.