Quando fazemos um esforço para sintetizar (com todos os defeitos das sintetizações, sempre redutoras e consequentemente injustas) as motivações para a vontade humana, seja especulativa seja na ação, constata-se que a mesma, no mundo do ser (“sein”), obedece a três premissas fundamentais: o interesse, o preconceito e os ideais.
Dessarte, quando lemos e ouvimos muitas opiniões sobre os clássicos conceitos do belo, do bom e do justo, compreendemos que estas são dominadas pelo egoísmo dos próprios interesses, a visão do mundo está impregnada de utilitarismo e abscondida em cada reflexão jaz uma primeira e única preocupação: o que é melhor para mim em determinado contexto.
Outros, infelizmente cada vez mais, vivem presos a preconceitos dos quais não se conseguem libertar: cristalizados nos velhos maniqueísmos do bom e do mau, vivem felizes numa vida em que eliminaram o cinzento, confortáveis a olhar um mundo que é branco ou preto. Sequestrados por arquétipos, vivem com a facilidade das certezas absolutas e imunes à dúvida vagueiam pela pólis apontando os pecados alheios, uma nova Inquisição em que os grandes culpados são eternamente os outros.
Finalmente, existem aqueloutros que navegam pela vida agarrados aos seus ideais. E, concedo, nem sempre é fácil o altruísmo de privilegiar os seus ideais mesmo quando estes colidem ferozmente com os seus próprios interesses. Compreendo a tentação do leitor (caso, na vigésima quinta linha, ainda alguma alma caridosa não tenha abandonado o texto para se satisfazer com outros prazeres mais prosaicos) em considerar que esta é a mais nobre das motivações, a concretização pós-moderna do herói de Cervantes que esgrime galhardamente as suas fortes convicções despido de outras motivações que não seja a sua firme convicção do bem comum.
Sucede que, como nos ensinou Descartes, o bom senso é a coisa do mundo mais bem distribuída: todos pensamos tê-lo em tal medida que até os mais difíceis de contentar nas outras coisas não costumam desejar mais bom senso do que aquele que têm. Efetivamente, é comum entre os idealistas viverem obcecados com a sua verdade e carrilarem para a esfera pública o pensamento de outros que, tal como eles, repetem exaustivamente a única verdade que aceitam ouvir (embora, esta intolerância com a diferença, não seja um seu exclusivo).
Talvez por isso, amiúde sejam ainda mais perniciosos. Quase tanto como aqueles ser fantásticos que conseguem concretizar a quadratura do círculo e, concomitantemente, vivem presos a decrépitos ideais, interesses mesquinhos e aos clássicos preconceitos.