Diário do Alentejo

Regulação

12 de abril 2025 - 08:00
Objetivo é agilizar contratação de cidadãos estrangeiros com vínculo de trabalho
Foto | Ricardo ZambujoFoto | Ricardo Zambujo

Associações de agricultores e empresários do distrito de Beja consideram que o acordo de cooperação para a migração laboral regulada, que pretende agilizar a atribuição de vistos, é positivo, no entanto, dizem, é necessário esperar para ver se será devidamente aplicado. Já o responsável pela delegação do Alentejo da associação Solidariedade Imigrante (Solim) defende que é em Portugal, “cara a cara, com o empregador, que se podem estabelecer relações de trabalho”, pelo que recrutar trabalhadores “à distância” vai “colocá-los, obviamente, nas mãos das máfias”.

 

Texto Nélia Pedrosa

 

O presidente da Asso-ciação de Horti-cultores, Fruticultores e Floricultores dos Concelhos de Odemira e Aljezur (AHSA), Luís Mesquita Dias, diz que são “favoráveis” ao acordo de cooperação para a migração laboral regulada, assinado na semana passada entre o Governo, confederações patronais e associações empresariais. A criação do referido acordo foi anunciada pelo executivo de Luís Montenegro no ano passado, após a extinção do mecanismo de manifestação de interesse, e pretende agilizar a atribuição de vistos que deverão ocorrer no prazo de 20 dias a partir do dia do atendimento do requerente no posto consular, desde que sejam cumpridos os requisitos legais previstos.

Luís Mesquita Dias, em declarações ao “Diário do Alentejo” (“DA”), sublinha que a AHSA “quase que se antecipou” à iniciativa do Governo quando, “no ano passado e há dois anos”, participou, com a Organização Internacional das Migrações, “em duas missões, a Marrocos e à Índia, no sentido de estudar de que maneira seria possível promover um maior peso e segurança da contratação na origem, tentando limitar ao máximo os intermediários, muitos deles absolutamente legítimos, mas outros nada recomendáveis”. Segundo o responsável, o que foi transmitido pelas embaixadas visitadas “foi que a grande dificuldade passava exatamente pela falta de recursos humanos nos consulados e embaixadas, coisa que o Governo, com este protocolo, prometeu resolver”.

Contudo, Luís Mesquita Dias diz que têm “algumas dúvidas de que o reforço consular seja suficiente para resolver completamente o problema”, pelo que defendem que devem ser “identificadas ou criadas, nos países de origem [da mão de obra], estruturas equivalentes ao IEFP [Instituto do Emprego e Formação Profissional] em Portugal, para quando as pessoas chegarem aos consulados já irem com uma parte do problema tratado”, uma vez que “são tantos casos, todos eles diferentes, e, seguramente, uns mais complicados do que outros, que temos muitas dúvidas de que o pessoal consular seja suficiente para isso”.Relembrando que os setores da agricultura, da construção e do turismo “precisam de muita mão de obra” – “não se apanhava em toda a região do Alentejo nem tanta fruta, nem tanto legume, nem tanta azeitona se não houvesse esta mão de obra imigrante” –, o presidente da Federação das Associações de Agricultores do Baixo Alentejo (Faaba), Rui Garrido, considera, por sua vez, que o protocolo permitirá que essa mão de obra “venha de uma forma digna”, ao proporcionar-lhe, por exemplo, “alojamento adequado, acesso à saúde” – dois dos requisitos, para além de um contrato de trabalho válido, um seguro de saúde, um plano de formação profissional e de aprendizagem da língua portuguesa.

“Acima de tudo, traz aqui uma maneira diferente de fazer a contratação. A maior parte das nossas empresas agrícolas, para contratarem mão de obra, vão a uma empresa de prestação de serviços, que, por sua vez, contrata essa mão de obra a outra empresa, essa, sim, que fez os contratos nos países de origem. E muitas dessas empresas, nem todas, contratam essa mão de obra sem dignidade alguma. Muitas vezes, até, infelizmente, de alguma forma escravizada. Portanto, passa a fazer-se a contratação de uma forma direta, sem intermediários, o que é vantajoso para todos”, diz o também presidente da ACOS – Associação de Agricultores do Sul. E conclui: “Do que conheço, a ideia parece-me boa. Agora, vamos ver se funciona e se a conseguem implementar”.

 

Recrutar trabalhadores “à distância” vai “colocá-los nas mãos das máfias”

 

Já Alberto Matos, membro da direção da associação Solidariedade Imigrante (Solim) e responsável pela delegação do Alentejo, com sede em Beja, defende que “é cá [em Portugal], cara a cara, com o empregador, que se podem estabelecer relações de trabalho”, pelo que “passar isso para os consulados”, recrutar trabalhadores “à distância”, vai “colocá-los, obviamente, nas mãos das máfias”. Por isso, defende, a solução seria “repor” o mecanismo das manifestações de interesse.

“Pergunto: como é que as empresas arranjam os dados dos trabalhadores que estão lá? Sabem o nível de formação? Por exemplo, na Índia, a cinco mil quilómetros, [a contratação será feita] através de intermediários. Portanto, isso põe as empresas a contactar diretamente as máfias locais. E se já cobravam, na pandemia [de covid-19], 25 mil euros por um visto [do espaço] Schengen para vir para Portugal, que não era um visto de trabalho, agora vão cobrar muito mais”, reforça o dirigente, adiantando que “esta é uma tentativa mal-amanhada de resolver um problema que foi criado pelo próprio Governo com a última alteração [à legislação], em 3 de junho, o fim das manifestações de interesse, acabando com a possibilidade de as pessoas que estão já em Portugal regularizarem a sua situação”.

Alberto Matos sublinha, ainda, que a assinatura do protocolo acontece “em plena [pré] campanha eleitoral [para as Legislativas]” e que o fim do mecanismo de manifestação de interesse teve lugar “seis dias antes das eleições [para o Parlamento Europeu, em 2024], eventualmente, para disputar eleitorado ao Chega”, pelo que, “tanto uma, como outra”, são, “sobretudo, manobras eleitoralistas, não têm nada de substancial”.

O dirigente frisa, também, que “as pequenas e médias empresas, restaurantes, estão excluídos do acordo, pelo que vão recrutar pessoas que estão cá, mesmo que não tenham hipótese de se legalizar, portanto, trabalhadores em situação ilegal”. “Fecharam-se as portas, escancararam-se as janelas do trabalho ilegal. É isso que vai acontecer, a menos que as empresas queiram parar e falir. Portanto, vão recorrer ao trabalho ilegal, já estão a fazê-lo (…), os trabalhadores continuam a entrar [no País] todos os dias, basta ir a Vila Nova de Milfontes, a outro lado qualquer, evidentemente, ficam em situação ilegal, mas estão a trabalhar”.

Esse não é, no entanto, o entendimento de João Coelho, adjunto de direção do Nerbe/Aebal – Associação Empresarial do Baixo Alentejo e Litoral, no que às pequenas e médias empresas diz respeito. “Há a possibilidade de empresas que não empreguem 150 ou mais trabalhadores e que não tenham um volume de negócios superior a 25 milhões de euros [duas das condições impostas] acederem [ao acordo] através das confederações e das associações empresarias. Essas terão de ter, no mínimo, 30 empresas associadas e um volume de negócios superior a 250 milhões de euros. Eu diria que por via das associações empresarias regionais, que acabam por contemplar um número significativo de empresas, sendo plausível cumprir os 250 milhões de euros de negócios anualmente, que há sempre a possibilidade [de as pequenas e médias empresas] terem acesso a esse acordo”.

Ainda de acordo com o responsável, o Nerbe “olha de uma forma positiva” para o protoloco de cooperação, “porque vem, de alguma forma, regular” a questão “da migração laboral”, contudo, frisa, “só depois de se testar” é que se poderá “aferir” se “vai ser a solução” – “Uma coisa é ser assinado o acordo, outra coisa é ele ser posto em prática”. Salientando que, “como é óbvio, há determinados requisitos que têm de ser impreterivelmente cumpridos, nomeadamente, haver um contrato de trabalho, um seguro de saúde e viagem, formação profissional”, João Coelho revela que “a questão do alojamento adequado, que o acordo não especifica em que moldes”, levanta algumas dúvidas.

“É importante regular esta situação. Esta questão dos migrantes é crítica não só para as pessoas que vêm para o nosso país para trabalhar, como até para as empresas que, muitas das vezes, são confrontadas com fiscalizações, mesmo fazendo os descontos desses trabalhadores para a segurança social, mesmo tendo esses trabalhadores contratos de trabalho. A situação ao não estar regularizada mete em causa não só a vida desses trabalhadores, mas também, de alguma forma, cria aqui algum tipo de entropias para o tecido empresarial que acaba por empregar essas pessoas”, conclui.

 

“Não basta” que os imigrantes “tenham um trabalho”

 

“A ideia de acelerar o processo dos vistos nos postos consulares para 20 dias, que a AIMA [Agência para a Integração, Migrações e Asilo] dê uma resposta mais célebre aos pedidos de parecer, que as empresas se comprometam, nomeadamente, a assegurar que os trabalhadores cheguem a território nacional com contratos legais, com alojamento, com formação, poderá, sem dúvida, ser uma mais-valia tanto para quem vem como para as empresas”, afirma, por seu turno, a coordenadora do Centro Local de Apoio à Integração de Migrantes (Claim) da Cáritas de Beja – que abrange, para além de Beja, os concelhos de Aljustrel, Alvito, Cuba, Ferreira do Alentejo e Vidigueira. Teresa Martins sublinha, porém, que “para que este protocolo seja cumprido na íntegra é necessário que ele seja bem articulado pelos vários organismos, para que se consiga combater as máfias, que estão sempre atentas a estas alterações à lei”, e que haja, igualmente, “uma fiscalização assertiva”.

Mas, adverte, “não basta” que os imigrantes “tenham um trabalho”, é “importante, também, que se sintam acolhidos e integrados na sociedade”. Para além disso, frisa, “não se pode esquecer os imigrantes que já estão em território nacional, que estão em processo de regularização, ainda no âmbito dos processos de manifestação de interesse, e que estão a ter algumas dificuldades em ver concluído o processo”. “Estas pessoas estão em território nacional, estão, grande parte, a trabalhar, a contribuir, e se veem o seu processo de regularização indeferido por algum motivo, mesmo que seja de acordo com a legislação, o que é que vai acontecer a estas pessoas”, questiona a coordenadora.

O protocolo foi assinado pela Confederação Empresarial de Portugal, Confederação dos Agricultores de Portugal, Confederação de Comércio e Serviços de Portugal, Confederação do Turismo de Portugal e Confederação Portuguesa da Construção e do Imobiliário.

Pelo Estado, assinaram a Direção-Geral dos Assuntos Consulares e das Comunidades Portuguesas, a Agência para a Integração, Migrações e Asilo, a Unidade de Coordenação de Fronteiras e Estrangeiros do Sistema de Segurança Interna e o Instituto de Emprego e Formação Profissional.

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