Diário do Alentejo

Cruz Vermelha encerra lares em Beja

27 de abril 2024 - 12:00
Vinte e cinco funcionários vão para o desemprego; 11 utentes já foram colocados noutros equipamentos sociais e 37 aguardam solução
Texto | José Ferrolho/ArquivoTexto | José Ferrolho/Arquivo

A Cruz Vermelha anunciou que vai encerrar os dois lares existentes no centro histórico de Beja, deixando, assim, 25 funcionários no desemprego. Em relação aos utentes, adianta a instituição, até dia 19 já tinham sido colocados 11 em outros equipamentos sociais”, nove “saíram por iniciativa própria” e 37 ainda se mantêm nas estruturas.

 

Texto Nélia Pedrosa

 

“Nestes anos todos que estou na Cruz Vermelha tenho ouvido sempre falar que aquilo estava mau e que ia fechar”, admite Alexandra Horta ao “Diário do Alentejo” (“DA”), no entanto, frisa, nunca pensou que se concretizasse. “Um nome destes, tão grande, tão forte e deixa chegar a uma coisa destas…”. Com 22 anos de serviço, a ajudante de cozinha faz parte do grupo de 25 funcionários afetos às duas estruturas residenciais para pessoas idosas (Erpis) que a Cruz Vermelha Portuguesa (CVP) irá encerrar em Beja, até ao final de julho, e cujos contratos de trabalho serão cessados, segundo anunciou a instituição na passada sexta-feira, 19.

Em comunicado enviado ao “DA”, a CVP adianta que a decisão – que foi comunicada aos funcionários e familiares pelo presidente da direção, António Saraiva, nesse mesmo dia – foi tomada “após avaliação das precárias condições físicas dos dois edifícios onde funcionam a Casa de Repouso Henry Dunant e a Casa de Repouso José António Marques e tendo como primordial objetivo continuar a garantir o bem-estar, conforto e dignidade das pessoas a quem presta assistência”.

Na mesma nota, sublinha que “dada a antiguidade dos edifícios e até a impossibilidade de realização de obras num deles, por imposição do senhorio, a avaliação efetuada concluiu que não é possível realizar melhoramentos funcionais que permitam inverter esta situação”, e refere que tem estado “em articulação com as autoridades competentes, nomeadamente, com a Segurança Social, na procura da melhor solução para todos os utentes”, sendo, que, até dia 19, “e dadas as vagas que vão sendo disponibilizadas pela Segurança Social, foi possível colocar 11 utentes em outros equipamentos sociais”, nove pessoas “saíram por iniciativa própria” e a CVP “continua a procurar a melhor solução para as 37 pessoas que ainda se mantêm nestas Erpis”.

Já quanto aos 25 funcionários afetos às duas estruturas, e “tendo avaliado todas as opções”, a CVP adianta que é impossível recolocá-los “noutras respostas da instituição”. Deste modo, “avançará com a cessação dos contratos de trabalho de acordo com os prazos de encerramento das Erpis”. E acrescenta: “Ficará garantido o acesso a todos os direitos legais aplicáveis, assumindo a CVP o acompanhamento individualizado de cada trabalhador, tendo em conta a sua situação socioeconómica. Sempre que tal se verifique necessário, a CVP incluirá os trabalhadores no seu sistema de apoio social”. Estão também “a ser efetuados contactos com outros empregadores da região com o intuito de encontrar soluções profissionais para o maior número possível de trabalhadores”, garante.

Alexandra Horta sublinha que é com “muita tristeza” que assiste ao fecho dos dois lares. “Fico emocionada quando falo nisso. Tenho muita pena do que está a acontecer porque é uma vida ali. E tenho muita pena dos utentes. Pessoas de setenta e tal, oitenta e noventa anos não mereciam isto, precisam é de estar no cantinho delas e não estar a mudar para aqui e para ali”, considera, adiantando que, apesar do impacto que o seu despedimento terá no seu orçamento familiar – “as coisas estão todas caras e a vida não está fácil” –, ainda pode contar com “o ordenado do marido”, ao contrário de outras colegas “que vivem sozinhas, com casas para pagar”. Não quer, no entanto, “ficar muito tempo em casa, até pela parte psicológica”, frisa. Alexandra Horta acredita que, tendo “saúde”, conseguirá arranjar um outro trabalho, “nem que seja numas limpezas, no que for”.

C., outra das funcionárias com mais de duas décadas ao serviço da delegação de Beja, frisa, por sua vez, que “é velha para trabalhar e nova para a reforma”, pelo que é com grande apreensão que vê os tempos futuros, até porque o marido não trabalha. “Acho que não é fácil [arranjar emprego] e a vida está cara. Nós temos falta do ordenado, por isso trabalhamos, e eu gostava do que fazia. Não sou pessoa de ficar em casa parada”, acrescenta, frisando que “são 60 idosos que estão em causa, ainda nem todos abalaram”, e “25 funcionários, sendo que umas 10 ou 11 estão ali desde que aquilo abriu”. Na reunião de sexta-feira com os funcionários, adianta C., António Saraiva “disse que o apoio domiciliário iria continuar, e que se aumentasse [os utentes], podia ser que ficasse alguma [funcionária]”, e “que estava a ver se arranjava colocação para a gente em alguns sítios, mas não sei…”. E conclui: “Isto parece-me um sonho. Nunca pensei que acontecesse. Eles deviam ter tomado outras providências quando viram que isto se estava a afundar”.

A., filha de uma das utentes das Erpis da CVP, admite que ficou “em choque” quando soube em janeiro, pela comunicação social, que os dois lares poderiam vir a encerrar. “Vi a situação complicada, sem saber o que fazer”, confessa, adiantando que em março, no decorrer da primeira reunião realizada entre a direção da delegação de Beja da CVP e os familiares dos utentes, foi avançado que “havia a intenção de fechar” os dois lares “até ao fim do ano”, “mas agora falam que será mais cedo”.

A mãe de A. já tem vaga assegurada, embora numa estrutura a algumas dezenas de quilómetros de Beja. Apesar da distância, A. decidiu aceitar, “jogando pelo seguro”, e evitando, assim, que a mãe pudesse, mais tarde, vir a ser “enviada para onde quer que seja”. “Cheguei a inscrevê-la num lar em Beja, mas ficou em lista de espera. Ainda iria inscrevê-la noutros, mas depois surgiu esta vaga [indicada pela CVP]”, esclarece, sublinhando que “as instalações [das Erpis] podem ser mais antigas e podem não ter muitas condições”, mas não tem “nada a dizer da forma como os utentes são tratados”. Ao contrário de A., M. recusou, até ao momento, as vagas que foram propostas para a sua mãe, devido, precisamente, à distância. “Não a vou mandar para tão longe”, justifica, salientando que também já a inscreveu em quatro estruturas de Beja, tendo ficado em lista de espera. Ainda assim, M. considera que a instituição “é que tem de arranjar uma solução” para os utentes. “Agora [na CVP] estou pagando setecentos e tal euros, não vou para um lar onde vá pagar quase mil e quinhentos. É o dobro”. Resta-lhe, assim, aguardar por novas propostas de vagas. E se a mãe “tiver de ir para fora” do concelho de Beja, reforça, “que não seja para muito longe”. “Eu também tenho problemas de saúde, não posso trazer a minha mãe para casa, depois como é que trato dela? Mesmo contratando uma pessoa, é muito complicado. Eles vão ter que arranjar lugar”.

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