Diário do Alentejo

Desentendimento
Opinião

Desentendimento

Vítor Encarnação, professor

04 de maio 2024 - 12:00

Às vezes não nos entendemos.

Levantamo-nos e parece que somos um outro, como se durante a noite o escuro nos tivesse retirado qualquer coisa de dentro de nós. Fisicamente não se nota, quem nos vê não se apercebe desse bocado irreal que nos foi arrancado às entranhas. O corpo está conforme o costume, talvez uma olheira, uma ruga, mas não mais do que isso.

Mas a vida parece que está ao contrário, desalinhada, estranha, é o cérebro que o diz, o cérebro é que manda, não vale a pena socorrermo-nos de palavras positivas ou de espelhos, é o transtorno que dita a sensação de haver qualquer coisa que não está bem, qualquer coisas que arranha por dentro e nos provoca uma vertigem de estarmos fartos e cansados de algo que não sabemos explicar.

O pão com fiambre enrola-se na boca, o café amarga mais do que é hábito, a roupa fica-nos mal, não se dá conta do cabelo, não encontramos as chaves, andamos às voltas pela casa, não nos podem dizer nada, ou nos calamos ou reagimos com sete pedras na mão. E se nos perguntam o que é que nós temos, não temos resposta, nem sequer para nós, quanto mais para os outros.

Não há tese psicológica que explique este mau acordar e pior andar, não é depressão, nem tristeza, nem nervos, é apenas a falta de uma coisa indistinta que a noite nos tirou enquanto dormíamos.

Se fosse carne, ou pele, se fosse algo que doesse, nós entenderíamos, se calhar caí, se calhar dei um mau jeito, mas como é uma abstração não temos respostas.  E irrita-nos não termos respostas, termos apenas um bicho a tentar sair de dentro da gaiola da nossa cabeça. 

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