Diário do Alentejo

O meu pai
Opinião

O meu pai

Vítor Encarnação, professor

24 de março 2024 - 12:00

Às vezes parece-me que o meu pai não morreu. Venho distraído, venho com pensamentos de moço, entro em casa, sei que ele está ali sentado ao fogo, ainda ontem lá estava a contar coisas de quando estava vivo.

O meu pai ainda me conta coisas, umas que repete porque são tão bonitas, outras porque se tinha esquecido de as contar antes de se ter ido embora desta vida. Mas o que mais usamos para falarmos é silêncio.

O silêncio é uma língua comum aos vivos e aos mortos, não há melhor forma de comunicação entre uma pessoa viva e uma pessoa morta do que fazer bom uso do silêncio. Eu sento-me em frente ao fogo onde o meu pai já não está, ele senta-se em frente ao vazio onde eu ainda não estou. Não dissemos tudo o que devíamos ter dito um ao outro.

Os filhos e os pais deixam sempre muita coisa por dizer, umas vezes por falta de tempo, outras por desencontros de feitios.

Às vezes, tantas vezes, os filhos esperam palavras dos pais, outras vezes os pais aguardam palavras dos filhos, e esse desejo mútuo não confessado fica rígido, empedernece, agoniza infeliz até morrer.

Ainda ecoam palavras dentro de mim que eu nunca disse ao meu pai, foi pena ter tido o atrevimento de dizer algumas que eram escusadas e não ter tido a valentia de ter expressado outras que certamente o teriam feito mais feliz.

Às vezes, muitas vezes, os pais e os filhos não se entendem porque são demasiado parecidos. No dia em que eu entrar na casa onde o meu pai agora mora, dir-lhe-ei as palavras bonitas que não fui capaz de lhe dizer nesta casa onde eu ainda moro. 

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