Diário do Alentejo

“Queremos um ministro que saiba ouvir a produção”

03 de maio 2024 - 12:00
Rui Garrido, presidente da ACOS – Associação de Agricultores do Sul, a propósito da 40.ª edição da Ovibeja que teve início na terça-feira
Foto| Ricardo ZambujoFoto| Ricardo Zambujo

Depois de há um ano a Ovibeja não ter contado com a presença de qualquer membro do governo de então, a grande feira do Sul voltou a ser inaugurada pelo primeiro-ministro e pelo ministro da Agricultura e Pesca em funções, respetivamente, Luís Montenegro e José Manuel Fernandes. Em declarações à comunicação social nas vésperas da 40.ª edição da Ovibeja, Rui Garrido falou do passado, do presente e do futuro da agricultura na região e manifestou um desejo: “Queremos um ministro que saiba ouvir a produção, que saiba falar connosco, que saiba escutar os nossos problemas e que, juntamente, encontremos soluções. É isto que esperamos de qualquer ministro da Agricultura”.

 

Texto Aníbal Fernandes

 

O associativismo é o tema da 40.ª Ovibeja – organizada pela ACOS – Associação de Agricultores do Sul – que teve início na terça-feira, dia 30 de abril, e termina no próximo domingo. Rui Garrido, também presidente da Federação das Associações de Agricultores do Baixo Alentejo (Faaba), relembra o início do evento e as circunstâncias em que nasceu a ACOS: “Havia uma associação de agricultores em Beja (Associação de Agricultores do Baixo-Alentejo), mas que não estava muito vocacionada para a pecuária, uma vez que na altura havia problemas graves que tinham a ver com a Reforma Agrária, a entrega de terras, com terras ocupadas, e estava mais virada para intervir nestas áreas e também nos temas relacionados com os cereais. Por isso, houve um grupo de pessoas que sentiu a necessidade de criar uma outra associação, com as características da ACOS, mais virada para a questão da pecuária, concretamente, para os ovinos e caprinos”.

No entanto, isso não impediu que a nova organização, perante o crescimento do número de sócios, alguns dos quais “nem sequer tinham gado”, e com a perspetiva de desenvolvimento criado com o Alqueva, “mudasse os seus estatutos para se tornar mais abrangente”.

Apesar de tudo, explica Rui Garrido, “a pecuária tem um peso enorme quer no Baixo Alentejo, quer no Alentejo em geral”.

 

“Não nos cansamos de repetir que 85 por cento da superfície agrícola utilizada (SAL) do Alentejo é sequeiro e que as terras não regadas continuam a ter um grande peso em toda a região”, adianta. Daí que, no sequeiro, permaneçam as explorações agropecuárias e florestais que são “indispensáveis para manter atividade e pessoas no mundo rural”.

Hoje em dia a atividade associativa tem evoluído, existem parcerias em vários domínios com os agricultores espanhóis da Andaluzia e Extremadura, com quem se comercializa a lã, borregos, bezerros e rações, mas, sobretudo, no setor da pecuária, “estamos a anos-luz” deles, que “comercializam em conjunto muito mais do que nós”. Por cá, lamenta Rui Garrido, ainda se manifesta algum “individualismo”. “Muitos de

nós, só quando nos sentimos apertados é que nos lembramos de que o associativismo é importante. E é importante aos mais variados níveis”, conclui. O presidente da ACOS diz que o associativismo “é fundamental para se ganhar escala, capacidade reivindicativa, trabalhar a qualidade de forma concertada”, e para “podermos vender em conjunto, para nos habituarmos a confiar nas nossas associações e cooperativas. É um caminho no qual temos ainda muito que percorrer e daí o tema da Ovibeja, quando completa 40 anos, ser tão atual”.

 

Protestos do setor Ainda está na memória de todos os recentes protestos dos agricultores em toda a Europa, em Portugal e, particularmente, no Baixo Alentejo. Rui Garrido explica que as manifestações tiveram motivações diferentes nos vários países, mas a “concorrência desleal relativa à entrada de produtos de fora da União Europeia, e que chegam mais baratos porque não são produzidos com as mesmas exigências ambientais a que estamos obrigados na Europa”, é um problema comum a “que a Comissão Europeia tem de pôr fim”.

Em Portugal, “a contestação foi reforçada pelo não pagamento de ajudas, a gota de água que entornou o caldo. O não pagamento de 25 por cento de ajudas à produção integrada e de 30 por cento à produção biológica esteve no centro dos protestos dos agricultores portugueses. O Pepac [Plano Estratégico da Política Agrícola Comum] vai ter que ser alterado e estruturado, uma vez que foi terminado à pressa e já no ano passado estava desajustado por não ter em conta uma série de questões relacionadas a pandemia, o aumento brutal dos fatores de produção, sendo mais negativo para os agricultores do que a PAC anterior, porque trouxe menos ajudas”, explica.

Olhando para o futuro próximo, Rui Garrido diz que “cabe ao novo governo dar os passos necessários para a revisão do Pepac e garantir os pagamentos em falta não só para este, como também para os próximos anos”.

Quanto ao novo responsável pela pasta da agricultura, sabe que, enquanto deputado europeu, esteve “ligado à temática agrícola, conhece bem como funcionam as negociações, o que é importante”. Pelo que lhe dizem, “é uma pessoa que sabe ouvir, sabe dialogar e é isso que pretendemos agora. Queremos um ministro que saiba ouvir a produção, que saiba falar connosco, que saiba escutar os nossos problemas e que, juntamente, encontremos soluções. É isto que esperamos de qualquer ministro da Agricultura”.

 

Radicalismo verde

O ministro da Agricultura, José Manuel Fernandes, no passado domingo, acusou o anterior governo de ter “desperdiçado a oportunidade” de usar a totalidade dos fundos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) à disposição de Portugal, e alertou para o que chamou de “radicalismo verde” contra os agricultores. Na intervenção, durante a 13.ª edição da Universidade Europa organizada pelo PSD, considerou ser inaceitável “o ataque constante” a que os agricultores são expostos, quando são eles “quem melhor defende o ambiente”.

“Porque é que houve a revolta dos agricultores? Porque têm sido desconsiderados, muitas vezes são apresentados como se fossem uns vilões e uns inimigos do ambiente, porque se lhes pede exigências em termos ambientais e não se dá recursos, porque há um radicalismo verde que impede que se atinjam os objetivos climáticos”, disse, acrescentando que para se atingirem estes objetivos, “além de falar verdade às pessoas”, é preciso ser gradualista e não radical.

Entretanto, na segunda-feira, em declarações à margem da reunião do Conselho de Ministros da Agricultura da União Europeia, no Luxemburgo, José Manuel Fernandes anunciou uma série de investimentos previstos no âmbito do plano do executivo para a água. “Não podemos andar sempre atrás do prejuízo”, referiu, anunciando estar a ser acelerado investimento no regadio, garantindo que qualquer decisão será a favor dos agricultores, dando-lhes “previsibilidade e estabilidade” no que se refere ao armazenamento e abastecimento da água. A comissão de acompanhamento da seca reunirá no próximo dia 10, para “avaliar as ações a fazer no imediato”.

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