Diário do Alentejo

Superintensivo
Opinião

Superintensivo

Luís Godinho, jornalista

02 de janeiro 2020 - 01:00

Há todos os anos, por esta altura, um concurso para eleger a palavra do ano. Na primeira vez que a iniciativa se realizou, em 2009, a palavra vencedora foi “esmiuçar”, o que hoje em dia poderá parecer estranho mas o verbo popularizou-se graças a um programa de televisão que marcou as duas campanhas eleitorais desse ano (Legislativas e Presidenciais): “Gato Fedorento Esmiuça os Sufrágios”. Depois disso houve muitas outras palavras do ano, de austeridade a “entroikado”, nos alvores da governação Passos Coelho, de bombeiro a refugiado e a geringonça, o termo que cunhou o acordo de governação à esquerda. Desta vez, entre os dez vocábulos colocados a votos inclui-se desinformação, por causa das “fake news”, jerricã, trotinete ou nepotismo, palavra que saltou para a ribalta dado o intrincado de relações familiares no governo socialista.

 

Se a nível regional fizéssemos um exercício idêntico não tenho dúvidas que a palavra mais marcante de 2019 seria superintensivo e basta ler o balanço do ano para se perceber porquê. Na verdade, da política à economia, do ambiente aos problemas sociais e laborais, nunca se falou tanto de culturas superintensivas, em particular de olivais e amendoais, como no ano que agora termina. Foi um tema muito presente nas edições do “Diário do Alentejo”, abordado nas mais diversas perspetivas, desde logo a económica: o investimento no setor do azeite já supera os 420 milhões de euros, colocou o Alentejo como maior produtor nacional e as exportações superam 570 milhões de euros, dos quais 257 milhões para países fora da União Europeia. 

 

Mas há o reverso da medalha. E aqui incluem-se as preocupações ambientais associadas a uma cultura que se estende por 57 mil hectares, dos 95 mil hectares do perímetro de rega do Alqueva que se encontram em produção, à utilização massiva de produtos químicos, ao consumo de água, à existência de plantações em áreas proibidas pelos Planos Diretores Municipais ou à apanha noturna de azeitona, responsável pela morte de milhares de aves protegidas e que, por isso, acabou por ser suspensa. Com posições muitas vezes extremadas, até radicalizadas, de ambientalistas e de alguns agricultores, os ministérios da Agricultura e do Ambiente têm pela frente o desafio de tentar encontrar um ponto de equilíbrio entre interesse público, economia e ambiente, para o qual contribuirá o estudo que está a ser coordenado pela EDIA e que servirá de base para a decisão política relativa à determinação de novos apoios públicos à plantação de olivais no perímetro de Alqueva.

 

Dando por adquirido o rigor técnico e científico do estudo, é muito importante que os prazos sejam cumpridos e que seja apresentado durante o primeiro trimestre de 2020 para que possa ser analisado e debatido publicamente. Numa fase em que se prepara um novo ciclo de fundos comunitários, o Estado não se pode continuar a demitir das suas funções reguladoras. É curioso que não tenham faltado planos de ordenamento para tudo o que se encontra nas margens da albufeira, do turismo à habitação, à exceção da atividade mais importante que aqui se pratica, a agricultura.

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