Diário do Alentejo

250 anos
Opinião

250 anos

Luís Godinho, jornalista

13 de dezembro 2019 - 17:25

Quando o rapaz nasceu no primeiro dia de março de 1724, filho de um serralheiro que trocou Vila Real de Trás-os-Montes por Lisboa e aí se apaixonou, ninguém imaginaria que haveria de se transformar numa das mais ilustres figuras do Iluminismo português. Enviado com 16 anos para o convento franciscano de Nossa Senhora de Jesus, cursou Humanidades e doutorou-se em Teologia pela Universidade de Coimbra. Seja por falar diversas línguas (grego, sírio e árabe), seja por ter desempenhado importante papel na reforma do ensino universitário, certo é que frei Manuel do Cenáculo acabou por ser “contratado” pelo Marquês de Pombal para confessor e perceptor do príncipe D. José (neto do rei com o mesmo nome), tarefa à qual se dedicava aquando da sua nomeação como bispo de Beja, corria o mês de março de 1770. 

 

Só depois da morte do rei e do “desterro” do marquês é que chegaria a Beja, entrando solenemente na cidade a 18 de maio de Depois de mil anos sem bispo – a não restauração do velho bispado visigótico aquando da conquista do território para o reino de Portugal no século XIII demonstra o que José Mattoso classifica como a “definição da posição” da cidade na hierarquia dos lugares centrais no Alentejo – Beja voltava a ter diocese, construída sobre território até então integrado no arcebispado de Évora. “Dificilmente reconhecemos uma individualidade ao Baixo Alentejo durante o período medieval”, escrevem os autores de Portugal O Sabor da Terra (José Mattoso, Suzanne Daveu e Duarte Belo, Temas & Debates, 2010). 

 

Essa individualidade ou, se quisermos, o nascimento do que hoje reconhecemos como Baixo Alentejo, surge precisamente há 250 anos com a restauração da diocese de Beja. “A própria repartição dos territórios diocesanos, estabilizada no fim do século XVIII, dividindo, de facto, o Alentejo em três áreas de influência distintas, parece, assim, prefigurar a hodierna divisão em distritos e legitimar um processo de diferenciação que há muito se vinha acentuando”. O vasto território da diocese de Beja, de Barrancos a Grândola, da serra algarvia à escarpa da Vidigueira, não é desde logo coincidente com a divisão administrativa do Estado. Francisco Soares Franco escreve, em 1822, que “no Alentejo se podem formar duas administrações ou províncias, uma ao norte, que se poderia chamar Alto Alentejo, outra ao sul, que se denominaria Baixo Alentejo”. 

 

A Comissão de Estatística, de que fazia parte, recomenda no ano seguinte a divisão do Baixo Alentejo em duas comarcas (Setúbal e Beja), mas a carta de 1835 acabaria por integrar todo o território hoje incluído no distrito de Setúbal na zona de influência de Lisboa. Só na década de 30 do século passado, com a institucionalização das províncias, é que a área administrativa do Baixo Alentejo passou a incluir to- dos os municípios do litoral alentejano integrados na diocese e ainda o de Alcácer do Sal. Visto deste prisma, celebrar os 250 anos da restauração da diocese de Beja é igualmente assinalar o “nascimento” do Baixo Alentejo, sem esquecer que antes disso Beja manteve uma posição “política e administrativamente dominante durante o milénio que se es- tendeu entre a organização do território dirigida por Roma e a ação centralizadora promovida pelo califado de Córdova”.

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