Diário do Alentejo

O silêncio dos ex-presidentes
Opinião

O silêncio dos ex-presidentes

Santiago Macias, arqueólogo

08 de dezembro 2019 - 11:00

Fui há, semanas, muito criticado por uma pessoa amiga por ter publicado uma fotografia da praça principal de Moura deserta durante o Festival do Peixe do Rio e do Pão. Supostamente, eu estaria a criticar uma iniciativa da autarquia. Logo, tendo sido presidente da câmara, não o deveria fazer. Ou seja, os antigos presidentes de câmara passam, assim, a estar sujeitos a uma mordaça. Não devem comentar, criticar ou colocar questões sobre matérias de governação local. Apenas e só porque já desempenharam essas funções. É uma posição curiosa.

 

Fui, em 2017 e antes de deixar o cargo, acusado de irregularidades graves (iriam chamar a Inspeção-Geral de Finanças, tal a gravidade da coisa…). E havia, dizia o agora presidente, “um polvo dentro da câmara”. Nenhuma destas afirmações causou escândalo ou indignação. Ou seja, caluniar é legítimo, publicar uma fotografia, sem qualquer comentário meu, é condenável. Uma perspetiva que, naturalmente, não subscrevo.

 

Devem os ex-presidentes atuar como pretensos “tutores” ou como autonomeados “provedores”? Seguramente que não. Para que conste: dos 461 textos publicados no meu blogue pessoal entre 19 de novembro de 2018 e 19 de novembro de 2019, apenas 14 têm referências críticas a matérias referentes à Câmara Municipal de Moura. Ou seja, três por cento. Se a transição para a vida profissional foi feita em poucas semanas, o afastamento dos dossiês que tinha a meu cargo durou um pouco mais.

 

De forma deliberada, fui-me (re)envolvendo nas matérias profissionais. Sem nunca me afastar de Moura. Nem deixar de estar atento. Uma coisa é estar sempre a “marcar em cima”, o que me parece despropositado e desadequado. Outra coisa, bem diferente, é impôr-me um silêncio que também não se justifica. Os ex-presidentes não são senadores? Decerto que não. Cola-me mal a imagem e não tenho jeito para poses hieráticas. Muito menos estão (estamos) obrigados à mudez. Menos ainda quando são (eu sou) vergastados, com regularidade. Devem os ex-presidentes guardar silêncio? Naquilo que é o quotidiano de um concelho, sim. Nunca me entusiasmaram os comentários críticos que se reportam ao passeio partido, à erva que não é cortada, à placa toponímica que está torta. 

 

São minudências que não refletem o que, de facto, importa, na gestão de uma autarquia. Nunca liguei, nunca ligarei a comentários desse teor. Venham de onde vierem, tenham como destinatário quem tiverem. Já outras questões não me merecem silêncio. Sinto-me no direito de questionar, como qualquer cidadão. Com mais distanciamento, decerto, mas sempre tendo em conta o que antes disse quem agora está no poder, de que aleivosias quis fazer lei, o que se propôs fazer e o que está, afinal, a fazer.

 

Se há coisas sobre as quais não devo guardar silêncio? Claro, mas não vou estar aqui a entrar em detalhes desnecessários. Sobre essas matérias preparo análise mais aprofundada, de crítica e autocrítica, de leitura das coisas e de autoavaliação. Não esquecerei, claro, aquilo que alguns dizem quando estão na oposição e a falta de vergonha com que fazem exatamente o oposto do que haviam jurado quando passam para o poder. É justamente esse oportunismo, feito de sorrisos mafiosos, de discursos com mais açúcar que um xarope para a tosse, é precisamente essa incapacidade para fazer acontecer, para executar e para avançar que nunca nos devem remeter ao silêncio. É a falta de caráter e de princípios que é preciso denunciar e combater. Tenhamos nós sido ex-qualquer coisa ou não.

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