Diário do Alentejo

Tacticismo
Opinião

Tacticismo

Luís Godinho, jornalista

08 de dezembro 2019 - 10:00

Tacticismo. Que palavra tão estranha esta e, estranhamente, é mesmo das palavras mais assertivas para resumir a posição do primeiro-ministro sobre regionalização. António Costa sem maquilhagem: “Sabendo-se, como se sabe, que o Presidente da República é um dos maiores adversários dessa ideia [de regionalização], acho que não seria muito saudável para o País entrarmos agora num grande conflito institucional com o Presidente da República”. Pois acho precisamente o contrário. O que o País precisa, e as regiões do interior muito mais, é que cada responsável político defina com clareza a sua posição quanto à criação das regiões administrativas, independentemente de eventuais conflitos institucionais que daí possam decorrer. 

 

O desenvolvimento dos territórios de baixa densidade e a sua sustentabilidade demográfica não podem ficar reféns de “marcações” táticas entre as principais figuras do Estado. Sendo regionalista, como assegura que o é, o primeiro-ministro nada mais deve fazer do que desencadear os mecanismos legais que permitam cumprir o que está estipulado desde 1976 na Constituição da República: “As regiões administrativas são criadas simultaneamente, por lei, a qual define os respetivos poderes, a composição, a competência e o funcionamento dos seus órgãos, podendo estabelecer diferenciações quanto ao regime aplicável a cada um”. Já o Presidente da República… bom o Presidente da República iniciou o seu mandato com o seguinte juramento: “Juro por minha honra desempenhar fielmente as funções em que fico investido e defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição da República Portuguesa”. 

 

Cumprir e fazer cumprir a Constituição da República Portuguesa, onde a regionalização se encontra inscrita. Caberia então ao primeiro ministro desencadear o início do processo legislativo e referendário para dotar o País das regiões administrativas, deixando campo livre para que Marcelo Rebelo de Sousa assumisse a sua posição sobre o assunto e demonstrasse, enfim, a sua forma de interpretar a Constituição que jurou fazer cumprir, também no que às regiões diz respeito. 

 

Pelo que revelou nesta semana, António Costa não estará muito interessado em avançar por este caminho. E a explicação que dá também não me parece aceitável: “[A regionalização] não pode ser um fator de conflito e de divisão, mas deve ser um fator de unidade no País”. Não é aceitável na medida em que o que está em causa é justamente o contrário. A não regionalização, a centralização, a macrocefalia da capital, as três autoestradas para o Porto, o novo aeroporto do Montijo, os milhões da Web Summit (que ninguém conhece a leste da Badajoz), a canibalização dos recursos do interior é que constituem fator de conflito e divisão entre os portugueses de primeira, os da “linha”, e os de segunda, os do mundo rural. 

 

António Costa enterrou a regionalização para não indispor o Presidente da República. Resta-nos exigir, ao menos, que os presidentes das comissões de coordenação e desenvolvimento regional passem a ter legitimidade (mais ou menos) democrática já no próximo ano, como estabelece o programa do Governo, a tempo se terem uma palavra decisiva na definição de prioridades do próximo quadro de apoio comunitário

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