Diário do Alentejo

Vivemos numa ilha
Opinião

Vivemos numa ilha

Paulo Abreu Lima, músico

27 de novembro 2019 - 16:15

Vivemos numa ilha. Provavelmente a mais extensa e formosa de Portugal Continental. E, para quem não sabe, apesar do isolamento e desprezo com que temos sido tratados, somos portugueses! Portugueses de primeira água, por mais que diferenciados no tratamento de quem sucessivamente promete, de quatro em quatro anos, o que não cumpre nos intervalos. Somos uma ilha paradisíaca para tantos que procuram a imerecida tranquilidade de uma segunda casa de fim de semana ou um monte com sol e girassóis a perder de vista.

 

Às vezes dou comigo a pensar que o Alentejo se localiza para lá do Polo Norte. Mas não! Fica tão à beirinha de Lisboa que só não lhe entra pela avenida da Liberdade adentro porque o rio Tejo não deixa, ou os míseros quilómetros de uma A26 que, mesmo pronta, insiste em não existir. E aqui se percebe a desvantagem de não se ter oferecido a nenhum primeiro-ministro uma suíte com elevador para o último andar da torre de Menagem do castelo de Beja.

 

Melhor seria que a Assembleia da República se transformasse por decreto numa espécie de Vaticano em redor de um país cada vez mais desprezado e esquecido, como se de um tabuleiro de xadrez se tratasse, na mão de jogadores incompetentes.

 

Os custos e as vantagens de um aeroporto em Beja, se comparados com o descalabro das prováveis soluções que nos impingem, só podem ser a ponta do iceberg de interesses mais obscuros. E a ligação ferroviária a que temos direito não se compadece mais com os eternos adiamentos de quem nos levou ao descalabro, deixando a descoberto os restos mortais de estações e apeadeiros fantasmas de tão felizes memórias.

 

Há muitos anos, num debate sobre regiões, e como exemplo, queixava-se o representante pelo Alentejo do quanto éramos prejudicados em relação à ilha da Madeira, tendo o dr. João Jardim argumentado que o problema muitas vezes é de quem a representa. E provavelmente tinha mais do que razão. Simpáticos e pacientes que somos, servimos durante décadas, a troco de promessas na hora do voto, o que de melhor temos à nossa mesa e a troco absolutamente de nada.

 

Nesse sentido, e perante os maus funcionários, resolvemos apresentar queixa diretamente à gerência, com escritórios no parlamento em Bruxelas. Das dúvidas que tinha, regressei com certezas absolutas.

 

1.ª Quem nos devia representar na Assembleia, pelo crédito do voto e da eleição que nos deve, não merece afinal de nós nem mais uma "bucha", quanto mais uma açorda.

 

2.ª Os autarcas devem, acima de qualquer partido, olhar em primeiríssima mão para os reais interesses da sua região. Essa é uma premissa que não admite negociação, por mais que possa desbotar e defraudar a cor do seu "clube"... Talvez porque acima de cada cor, o mundo é mais perfeito, se colorido. E esse será um defeito de quem confunde os corredores cinzentos e com cheiro a bafio de um falso poder com as cores de uma realidade que desconhecem.

 

3.ª As pessoas que se dão verdadeiramente a uma causa dispensam homenagens e nomes de ruas e estátuas. Porque o seu nome, como a da oliveira mais antiga de Portugal, é pertença de um universo onde a mesquinhez das "hérnias" umbilicais não se resolve nem à conta das operações de estética que as disfarçam. O verdadeiro amor por uma causa coletiva é de uma complexidade paradoxalmente bastante mais simples e que dispensa currículos universitários, quantas vezes tirados com o sacrifício dos domingos. Porque quem é bom, na verdadeira aceção da palavra, é aquele que procura, mesmo com o inevitável IVA e IRS, próprio do sacrifício de uma justiça imerecida, só um abraço. Esse abraço que lhe dá alguma luz da sacrificada reforma, ou descanso merecido, em prole dos outros. Nesse sentido, a nossa ida a Bruxelas foi uma luz que se nos deu, e um reforço efetivo da razão que nos assiste. Penso mesmo que o Parlamento Europeu já tinha saudades de sentir de viva voz a experiência de um mundo real na virtualidade de tantos protocolos quebrados por 25 representantes alentejanos de botas cardadas e cheiro a poejo e cavalo.

 

4.ª É importante, quando a foz do nosso rio Tejo se desculpa com sedes por falta de água, ir perceber à nascente que o contador que nos castra e nos desidrata é uma desculpa esfarrapada da própria foz, que desagua nas assembleias bafientas de Lisboa. E que o "Beja Merece" é o primeiro exemplo louvável do que no futuro vai ter que ser. O nosso movimento, muito para lá do Alentejo, tornou-se hoje num símbolo primeiro de todo um interior, de norte a sul, de quantos orgulhosamente e por inteiro começam a rejeitar as aberrações dos autoproclamados "portugueses de primeira". E dois dias em Bruxelas, com 25 "deportados", esfomeados e à espera de um jantar depois de "muitos cintos p'ra tirar", dava um romance que aqui não cabe mas que nos fez a todos compreender o quanto a união pode motivar e dar força.

 

Por isso eu reservo três abraços. Para o professor Florival Baiôa, o primeiro, o maior, e o mais merecido. Um Homem que tem tanto de humildade quanto de sabedoria e de luz, e tão filho da terra quanto algumas das oliveiras que fazem das ridículas imitações de gente importante um breve segundo de falsas eternidades A ele desejo que rapidamente saia o Euro Milhões. E ele sabe porquê. O segundo abraço destino aos outros companheiros de jornada, com quem aprendi em dois dias o que por vezes a nossa distração não permite apreender no nosso mundo mais solitário e estanque do dia a dia. E o terceiro abraço, como não podia deixar de ser, é para toda a gente que desde a primeira hora pertence a cada vírgula do nosso "Beja Merece" e que talvez merecesse mais do que eu este momento.

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