Diário do Alentejo

Emergências
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Emergências

Luís Godinho, jornalista

21 de novembro 2019 - 15:30

 

São duas as emergências com que nos debatemos e para as quais tardam respostas eficazes: a demográfica – somos cada vez menos e o envelhecimento populacional agrava-se de forma assustadora – e a climática, sendo aceitável que se defenda a necessidade de ser declarado o estado de emergência como forma de combater a desertificação do território. Dados compilados no âmbito da Estratégia Regional de Adaptação às Alterações Climáticas permitem projetar o que muito provavelmente sucederá ao longo das próximas décadas, sendo que as perspetivas estão longe de serem animadoras.

 

Teremos de contar com um aumento da média anual da temperatura máxima (+ 3,4 ºC em Beja), com um aumento da média anual da temperatura mínima (+ 2,9 ºC), com ondas de calor mais frequentes e mais prolongadas, triplicando o número de dias com temperatura igual ou superior a 35 ºC, com a redução do valor anual de precipitação (- 140 milímetros em Beja, o que corresponde a uma quebra de 25 por cento) e com uma diminuição da chuva nos meses da primavera. Daqui resultarão inúmeras consequências. A nível da biodiversidade, por exemplo, um cenário moderado, no qual é prevista a adoção de algumas medidas para combater as alterações climáticas, aponta para a redução do número de espécies presentes no território alentejano. Num cenário pessimista, que privilegia medidas de adaptação em detrimento das de contenção, a perda de biodiversidade será ainda mais acentuada. O risco de incêndio irá agravar-se.

 

Outra má notícia é que os efeitos das alterações climáticas no Alentejo não constituem apenas uma perspetiva para os anos que se avizinham mas já se fazem sentir através das mais diversas formas. As transformações já começaram nos montados de sobro e de azinho: o clima quente favorece o aparecimento de pragas e a mortalidade das árvores aumenta. Uma precipitação média anual abaixo dos 600 milímetros está diretamente relacionada com a morte de milhares de sobreiros e de azinheiras, realidade que está a modificar a paisagem alentejana e que tem reflexos na atividade económica. A cortiça (de que Portugal é o primeiro produtor mundial) é retirada cada vez mais tarde. Num clima em que chove cada vez menos e em que as temperaturas sobem de forma acentuada, há menos humidade nos solos. Com menos humidade, os solos perdem qualidade e acentua-se o processo de desertificação.

 

"Se o montado desaparece, o deserto do Saara chegará a Lisboa", resume Maria José Roxo, professora da Universidade Nova, que desde 1986 investiga os efeitos da erosão num campo experimental em Mértola. "Dentro de 30 anos, grandes áreas do Alentejo já não terão condições para fazer vinho", adverte o viticultor e viveirista Jorge Böhm. O transporte de água para abeberamento do gado é hoje frequente, mesmo durante o inverno, tal como o fornecimento de palhas e rações em virtude da inexistência de pastos. É decisivo que estes temas entrem na primeira linha das políticas públicas. Se localmente não podemos contrariar os efeitos das alterações climáticas temos, ao menos, o dever de os mitigar.

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