Diário do Alentejo

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Vítor Encarnação, professor

14 de novembro 2019 - 12:25

Hoje temos de falar baixinho, se calhar o melhor é mesmo ficarmos em silêncio, sabes que a morte é uma coisa clássica, os fatos pretos assentam-lhe melhor, quanto muito um tom cinzento, o rosto deve vir fechado, os olhos rasos de lágrimas, os ombros descaídos, o semblante quer-se carregado, há quem esteja longe e só possa vir neste dia, há quem esteja perto e só venha neste dia, o que me faz mais pena são os pais que vêm visitar os filhos, não devia ser assim, nunca devia ser assim, eu venho visitar-te a ti minha mãe, e venho alegre como tu me pediste, por favor, quando me fores ver não vás triste, dizias-me tu às portas da morte, quando te venho ver venho sempre alegre, mas hoje também vou aparentar estar triste, faz tu o mesmo, vamos fazer de conta que eu te perdi para sempre, vamos fazer de conta que a morte é um apenas um sítio frio guardado por muros altos, claro que ninguém compreenderia que eu te viesse contar as novidades e que nos ríssemos ou chorássemos como costumamos fazer quando eu te conto coisas do pai, o pai gostava de ti, só nunca foi capaz de o dizer, há coisas que o raio dos homens só conseguem dizer depois das mulheres terem morrido. Fica descansada que hoje não é o teu dia, hoje é só o dia dos mortos que nunca mais voltam. Hoje temos de falar baixinho, o cemitério está cheio de pessoas com saudades nas mãos e as saudades vêm em flor.

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