Diário do Alentejo

Pegada
Opinião

Pegada

Luís Godinho, jornalista

14 de outubro 2019 - 10:15

Deste lado do globo, o nome não nos diz grande coisa. Ainda assim, a Victoria University of Wellington, fundada em 1897 e com mais de 40 mil alunos, aqui se incluindo mestrados e doutoramentos, é uma das mais reputadas universidades australianas. É lá que dão aulas dois arquitetos, Brenda e Robert Vale, formados em Cambridge, especialistas em sustentabilidade ambiental e autores de Time to Eat the Dog?: The Real Guide to Sustainable Living, livro editado em Portugal mas apenas na versão em inglês, o que é pena. É pena porque se trata de uma leitura interessante e ajustada aos tempos que correm.

 

Antes do livro, o enquadramento da coisa: Amílcar Falcão – nome que só agora nos começa a dizer algo – decidiu dar nas vistas e anunciar uma medida que, não lhe trazendo visibilidade académica, pois isso é coisa mais séria, lhe trouxe projeção mediática: o homem resolveu proibir o consumo de carne de vaca nas cantinas da Universidade de Coimbra a partir de janeiro do próximo ano. “Vivemos um tempo de emergência climática e temos de colocar travão nesta catástrofe ambiental anunciada”, disparou o professor Falcão, num tiro certeiro dirigido à desgraçada da vaca, aqui transformada na “mãe” de todas as tempestades ambientais com que o mundo se confronta.

 

Nada de eliminar a utilização de plásticos ou restringir o consumo de papel, de investir em energias renováveis, substituir a frota automóvel por veículos elétricos, cortar na atribuição de viaturas oficiais, incentivando a utilização de transportes públicos. Nada de legislar no sentido de acabar com as toneladas de lixo e de plástico que todos os anos, várias vezes por ano, milhares de alunos, alguns dos quais em quase coma alcoólico, deixam pelas ruas da cidade nas inúmeras festas académicas. Nada disso. A culpa das desgraças ambientais, determinou Amílcar Falcão, é das vacas. E é por aí que se deve atacar se queremos acabar com as consequências nefastas das alterações climáticas. Sucede que o reitor está errado. Em primeiro lugar porque a produção de bovinos em Portugal, e em particular no Alentejo, é feita maioritariamente em regime extensivo, sendo o montado um ecossistema essencial para a preservação da biodiversidade, a preservação da paisagem, o combate à desertificação e o “sequestro” de carbono.

 

Se o objetivo – esse sim, compreensível – fosse reduzir a pegada ecológica associada ao consumo de carne de vaca, poderia o reitor ter determinado a obrigatoriedade de apenas ser consumida carne de raças autóctones portuguesas nas cantinas da Universidade de Coimbra, o que seria um bom contributo para o ambiente e para a economia nacional. E o que é que o livro dos professores australianos tem a ver com o assunto? É que eles fizeram contas e concluíram que, todos os anos, um cão de médio porte consome 164 quilos de carne e 85 de cereais em rações, deixando uma pegada ecológica duas vezes superior à de um automóvel. Em matéria de alterações climáticas, até o mais fiel amigo pode ficar sob suspeita quando a ciência é deixada de lado em nome de um qualquer oportunismo mediático.

Comentários