Diário do Alentejo

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Luís Godinho, jornalista

22 de setembro 2019 - 10:30

Doutorado em Ciências da Administração e com extensa obra publicada sobre o Direito Local, o professor catedrático António Cândido de Oliveira resumiu de forma clara a questão em artigo no “Público”: A regionalização é um “novelo constitucional”. Mais uma originalidade portuguesa, com a particularidade de esta ser significativamente prejudicial para a coesão do território, para o desenvolvimento do interior e para a igualdade de oportunidades entre todos os cidadãos nascidos neste retângulo à beira-mar plantado. 

 

Ora vejamos. Se, por um lado, a criação das regiões administrativas não pode ir a referendo, uma vez que se trata de matéria inscrita na Constituição da República, já o mapa das futuras regiões é perfeitamente referendável. E é este facto – o mapa ser referendável, como já o foi em 1998 – que a criação das regiões administrativas muito dificilmente se fará. Por culpa da própria Constituição que determina a criação simultânea de todas as regiões administrativas (artigo 255.º), obriga à realização de um referendo (artigo 256.º, alínea 1) e à vitória do “sim” em todas as regiões: “Quando a maioria dos cidadãos eleitores participantes não se pronunciar favoravelmente em relação a pergunta de alcance nacional sobre a instituição em concreto das regiões administrativas, as respostas a perguntas que tenham tido lugar relativas a cada região criada na lei não produzirão efeitos” (artigo 256.º, alínea 2). 

 

Quer isto dizer que basta a vontade dos cidadãos de uma determinada região, por exemplo Lisboa, para que as regiões administrativas não se possam concretizar. Ora, justamente, a sondagem conhecida esta semana diz-nos que a maioria dos portugueses (51 por cento optam pelo “sim” e 39 por cento pelo “não”) é favorável à regionalização. “Só Lisboa está contra”, titulam os jornais. E como Lisboa está contra, se este resultado da sondagem fosse o do referendo, a regionalização não se poderia fazer. Eis algo verdadeiramente absurdo, seja pela falta de respeito pelo voto popular seja pelo facto de a região que mais beneficia com o centralismo, i.e. Lisboa, poder impedir a regionalização, justamente porque a transferência de competências para as regiões iria retirar poder ao Terreiro do Paço. 

 

Não é despiciendo que a mesma sondagem revele, por exemplo, que 48 por cento dos lisboetas seria contra a transferência da gestão dos fundos comunitários para as futuras regiões. “Será assim tão difícil modificar a Constituição portuguesa nesta parte, tornando-a neutra?”, pergunta António Cândido de Oliveira. Será certamente difícil, senão mesmo impossível, já que o próprio Presidente da República, hoje tão preocupado com os problemas do interior, foi, recordemo-lo, um dos mais agitados cruzados da anti-regionalização, em 1998. Sendo difícil criar as regiões, nem assim a descentralização é menos premente e existem formas de a efetivar dispensando a missão (quase) impossível de uma vitória num futuro referendo.

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