Diário do Alentejo

Racismo
Opinião

Racismo

Luís Godinho, jornalista

23 de julho 2019 - 11:40

Foi um vídeo de divulgação histórica produzido pela BBC que lançou a discussão: o filme leva-nos “de volta” à Britânia, no século II d.C., e mostra um legionário romano a dar instruções aos soldados. Nada de extraordinário, não se desse o caso de o legionário não corresponder ao perfil clássico que nos é mostrado sempre que o cinema se interessa pelo Império Romano. O legionário da BBC não é branco. Por entre acusações de cedência ao politicamente correto e de falta de rigor histórico, o debate fez o seu caminho e nele participaram reputados historiadores como Mike Stuchbery (escreve no “The Independent”), que recordou serem as legiões formadas por soldados oriundos de todas partes do império, nele se incluindo o Norte de África ou o Médio Oriente.

 

Nessa mesma época, Septímio Severo, já com uma longa carreira política, marchou sobre Roma, depôs Juliano e tornou-se imperador. Filho de um líbio e de uma europeia, era “de origem berbere” e “a sua tez era morena”, segundo explica outro dos intervenientes no debate, Jordi Cortadella, professor de História Antiga na Universidade de Barcelona, acrescentando que isso não constituía problema, pois Roma “era uma sociedade muito aberta, tanto étnica como religiosamente”. O importante era “adorar o imperador”, cumprir as leis e pagar impostos. Rapidamente ultrapassado pela urgência de qualquer outra polémica, este caso é demonstrativo dos estereótipos, no sentido de ideias ou modelos que se tornam padrão, muitas vezes de forma infundada, que nos acompanham ao longo da vida.

 

Não é fácil fugir aos preconceitos, como o demonstra um estudo do Observatório da Imigração sobre os discursos do racismo em Portugal. Sublinho apenas duas conclusões. Uma deles refere que os participantes do estudo (i.e., entrevistados de todos os estratos sociais) “não apenas negam que a sociedade portuguesa exclua os ciganos, como dizem sentir-se eles próprios postos à margem pelos ciganos e atraiçoados pelo Estado, que acusam de discriminação positiva em prol desta categoria, no seu entender arredia e irremediável”. Outra indica que “grassa a convicção de que o racismo tem vindo a aumentar de forma legítima face ao aumento da criminalidade em geral (…) face ao aumento do desemprego e face à perceção de que os imigrantes recebem mais apoios sociais do que os portugueses”.

 

Sim, como estas conclusões demonstram, e como Márcio Guerra, da Caritas de Beja, exemplifica em artigo que publicamos nesta edição, o racismo está bem presente na sociedade portuguesa. E sim, é necessária a adoção das recomendações constantes do relatório debatido esta semana no parlamento. Os partidos têm de ser mais inclusivos, é necessário o recrutamento de agentes de segurança dentro das comunidades afrodescendentes e cigana e é crucial resolver o problema da habitação (basta ver a foto da primeira página). Incompreensível é que todo este trabalho de reflexão, feito nos últimos cinco meses, tenha ignorado as autarquias, a quem cabe um papel crucial nas políticas de inclusão.

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